Poucas coisas na vida são tão prazerosas quanto desfrutar o merecido descanso dos fins de semana depois de dar duro no trabalho de segunda a sexta-feira. Melhor que isso, após um ano de batente pesado, é gozar um período inteiro de férias. Mas o culto ao ócio parece estar com os dias contados. Relaxar, desligar-se do trabalho e aproveitar o tempo livre para fazer nada está cada vez mais difícil. Celulares, laptops, telefonemas para o escritório, a pintura da casa, a organização dos armários e bicos para aumentar a receita doméstica estão transformando os sagrados momentos de sossego numa maratona de stress.

No livro Esperando o fim de semana (ed. Record), o arquiteto e ensaísta escocês Witold Rybczynski constata que a liberdade de não fazer nada foi substituída pela obrigação de fazer algo. “Os dias de folga deixaram de ser livres; tornaram-se livres para…”, observa. Rybczynsky também destaca que as distrações programadas para as férias são cansativas e cada vez mais “profissionais”. Hoje em dia, uma tarde na rede, de papo para o ar, parece empolgar menos do que a ginástica na academia, uma volta de jet-ski ou uma partida de videogame. O problema é que nada é descompromissado nessas atividades, como pede o primeiro mandamento das férias. Tudo exige técnica e competência. A carioca Júlia Carrera, 22 anos, inclui-se no grupo dos que sofrem da síndrome de produtividade. Atriz, figurinista e produtora teatral, ela raramente descansa. Usa o tempo ocioso para se aprimorar na arte de interpretar, ler mais sobre teatro ou ainda fazer uma grana extra. “No último Natal, fui em vários shoppings da cidade tirar fotos de crianças ao lado de Papai Noel. Ganhei um dinheirinho bom, mas fiquei exausta”, assume Júlia. A jovem só se desliga de suas atividades quando o corpo pede trégua. “Vira e mexe, caio de cama”, conta. Pudera. O final do ano passado não foi fácil para Júlia. Enquanto concluía as provas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursa publicidade e propaganda, produzia uma peça no Teatro Tablado, na zona sul do Rio. “Fiquei fraca e peguei uma infecção estomacal que quase acabou com o pouco tempo livre que eu tinha para curtir”, lamenta a atriz.

Neurose – De acordo com um estudo publicado no Journal of Occupation Medicine (publicação americana sobre medicina ocupacional e qualidade de vida), quem nunca tira férias ou não consegue se desligar do trabalho nos momentos de lazer tem 60% de chances de adoecer. “Fica-se o tempo todo sob pressão e o corpo vai enfraquecendo. O ser humano não foi feito para aguentar um stress permanente”, diz a psicóloga gaúcha Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association (Isma) do Brasil. Ela observa que muita gente perde a capacidade de curtir os momentos de lazer por sentir culpa pelo que deixou de fazer ou se preocupa com os compromissos agendados na volta ao trabalho. “Quanto mais o ser humano fica ansioso para relaxar, menos ele relaxa. É um fenômeno parecido com o da insônia. Quem olha para o relógio insistentemente, pensando que precisa dormir logo para acordar bem disposto, não consegue dormir”, compara a especialista. Mas ao contrário do que se possa imaginar, um mês inteiro de pernas para o ar, literalmente, nem sempre é o ideal à saúde. Ana Maria sugere distribuir o tempo livre em quatro semanas ao longo do ano. “É preferível recarregar as baterias em doses homeopáticas, quando se chega a uma situação limite de stress, a esperar o ano inteiro por um único intervalo de descanso”, orienta.

Vilãs – Um teste para medição de stress desenvolvido pelo psiquiatra americano Richrad Rahe indica que as férias, nos últimos cinco anos, se transformaram em vilãs. Em 1999, as respostas afirmativas para a pergunta Tirou férias no último ano? já eram consideradas fontes de stress e valiam 13 pontos. No ano passado, elas passaram a contar 24 pontos, praticamente um quinto do stress provocado pela morte de um filho, que no teste de Rahe é considerada fonte máxima de stress e vale 123 (a versão integral está disponível no site www.ismabrasil.com.br). “Hotéis lotados, engarrafamento, incerteza com relação à estabilidade no emprego têm tornado as férias mais desgastantes”, confirma Ana Maria.

Para o professor e psicobiólogo José Roberto Leite, responsável pelo setor de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo, o problema, obviamente, não está nas férias, mas na forma de encará-las. “Quem entende os pequenos infortúnios como parte inevitável dos programas de férias não se desgasta tanto. Trânsito congestionado na volta de finais de semana prolongados, por exemplo, faz parte do pacote de viagens”, ensina Leite. A maioria das pessoas não abre mão de um mês de férias para relaxar. Mas Leite prefere não defender 30 dias, nem quatro semanas distribuídas no ano. “O importante é priorizar objetivos. Para quem sabe fazer isso, até dois dias de descanso podem ser suficientes”, pontua.

O jornalista Matinas Suzuki, 46 anos, sempre preferiu alguns dias de folga às férias completas, que não tira há dez anos. Em 1998, ele chegou a desmaiar ao volante por excesso de trabalho e, no réveillon, não desgrudou do computador e do telefone. “Poderia ter descansado, mas trabalhei durante os dias 30, 31 e 1º e não fiquei estressado ou chateado por causa disso”, garante. É que Suzuki é um apaixonado pelo que faz e está convicto de que a paranóia do lazer é mais desgastante do que o trabalho. “As pessoas vêem o final de semana como uma obrigação. Elas se preocupam tanto em sair, descansar e viajar que isso acaba virando uma obsessão”, analisa. Para evitar outro “apagão”, o jornalista lança mão de alguns recursos. “Ouço música enquanto trabalho. Alugo DVDs para assistir no computador entre uma tarefa e outra e, quando viajo a serviço, busco também fazer turismo e lazer”, ensina.

Vício – Uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria americana Andersen Consulting, com 306 executivos, revela que 83% deles mantém contato com o escritório nas férias, 56% não se divertem sem o telefone celular por perto e 16%, sem o laptop. Dos que não desgrudam do computador, 60% estão sempre checando os e-mails de trabalho entre um mergulho e outro na praia. Com os executivos brasileiros não é diferente. O gerente regional da fabricante de motocicletas Harley Davidson, Mário Góes, 46 anos, passou quatro dias na cidade serrana de Visconde de Mauá, no Rio, fazendo trilhas e falando ao celular com o pessoal do trabalho. “Gastei todos os créditos do celular pré-pago de minha mulher com telefonemas para o escritório. Precisava saber se estava tudo bem na minha ausência”, confessa. Paixão ou paranóia?