Seis horas da tarde. Fim do expediente. Sol a pino graças ao horário de verão. O calor castiga quem permanece trabalhando durante as férias escolares e, com a mesma intensidade, quem passou o dia inteiro na praia, estatelado na areia ou jogando uma pelada com os amigos. Boca seca. Sede. Muita sede. O horário não poderia ser mais adequado. Que tal um chopinho antes de ir para casa? A idéia é quase irresistível. Só falta escolher o local. Dentre todos os quesitos analisados na hora de eleger o melhor boteco, a qualidade do chope é imbatível. Onde se bebe o mais gelado? O mais saboroso? Suave, cremoso, com o colarinho na medida certa, solenemente servido no copo perfeito. Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja, cerca de oito bilhões de litros de chope e cerveja fazem a festa dos brasileiros a cada ano. Isso corresponde a quase 27 bilhões de tulipas, nome dado ao mais tradicional copo de chope, ou 16 bilhões de canecas. Dois terços desse volume desaparecem goela abaixo entre novembro e março, os meses mais quentes e convidativos.

Refrescante e dourado, o chope é um loiro exigente, com tantos caprichos quanto seu mais fiel consumidor. Pesquisa sobre os hábitos de consumo realizada pelo Ibope mostrou que o Brasil é o País onde se bebe mais chope e cerveja na América Latina, hábito de 41,48% da população. A pesquisa também esboçou um perfil do chopeiro de carteirinha. “Para ele, a qualidade de vida e a boa aparência são aspectos fundamentais. O bebedor de chope é mais preocupado com a carreira e menos conformista do que o consumidor de cerveja”, explica Suzana Garcia, gerente comercial do Target Group Index, departamento do Ibope responsável pelo estudo. A capital onde a maior porcentagem de entrevistados (29,12%) admitiu gostar de chope foi o Rio de Janeiro. Belo Horizonte recebeu o título de maior consumidor de cerveja (50,18%) (ver quadro à pág. 77). A diferença entre as bebidas, na opinião da gerente Suzana, estaria na sofisticação. “O chope exige um paladar mais apurado e é mais caro. A maioria dos consumidores o considera mais leve”, conclui.

Alta temperatura – Grosso modo, a cerveja não passa de um chope pasteurizado. O teor alcoólico, o índice calórico e os ingredientes das duas bebidas são os mesmos. Num país continental como o Brasil, a cerveja, se não fosse pasteurizada, dificilmente resistiria ao transporte e à espera do ávido consumidor nas gôndolas dos supermercados. O processo é basicamente o mesmo do leite. O líquido é aquecido em um tanque até chegar a 60 graus. Nessa temperatura, ocorre a inativação dos microorganismos que facilmente azedariam a cerveja em poucas horas. Assim, ela pode ser fabricada em São Paulo e comercializada no Amazonas.

Mas nem tudo é perfeito. Apesar de pequenos, os danos são irreversíveis. E não é preciso ser um grande bebedor para perceber que a cerveja é mais encorpada e amarga que o chope. Essa acidez é decorrente da elevação da temperatura do líquido. O chope está livre desse infortúnio. Ele sai do tanque para o barril e, dali, segue direto para o seu copo. Graças a sua jovialidade, tem-se a impressão de que o chope é mais leve também. Essa é apenas mais uma das lendas da bebida. Mas o que torna o chope tão especial é também o seu maior inimigo. O prazo de validade do loiro é curto. O ideal é que seja consumido logo após a fabricação. No máximo – mas no máximo mesmo – em cinco dias. Se passar desse prazo, esqueça. O chope fica azedo, pesado, pior do que óleo de rícino. Argh!!! Na dúvida, é melhor escolher um bar confiável.

Como a invenção de Pasteur é relativamente nova, herança do século XIX, não é difícil supor que o chope é mais antigo. Muito antes de a tecnologia permitir o engarrafamento da bebida, o chope já inundava banquetes nas mais diversas civilizações. A mais antiga cervejaria do mundo – com cinco mil anos de idade – foi descoberta por um arqueólogo americano a 750 quilômetros do Cairo, capital do Egito. É difícil imaginar um faraó com uma caneca de chope na mão, mas, por incrível que pareça, a bebida era essencial para a nutrição do povo egípcio. Naquela época, sua principal matéria-prima não era a cevada, mas o trigo. Os romanos adoraram a novidade e levaram a poção para a Europa, dando a ela o nome de zythum. Até hoje, especialistas em cerveja são chamados de zitólogos e os consumidores, de zitolibadores. Sua produção era um grande ritual. Enquanto as uvas tinham de ser pisadas para se transformar em vinho, os grãos de trigo ou cevada eram mastigados por moças virgens até resultar em uma espécie de suco.

O chope com a composição e o sabor semelhantes aos atuais, produzido com malte, água, lúpulo e levedo, se desenvolveu na Idade Média, mais precisamente nas cozinhas dos velhos mosteiros. Na Alemanha, surgiram as primeiras leis de controle de qualidade da bebida. Um crime comum, o de adicionar açúcar à composição, poderia levar o fabricante ao cadafalso. Da República Tcheca, parte da antiga Tchecoslováquia, saiu a mais célebre cerveja do mundo, a Pilsner Urquell, a primeira com baixa fermentação. Países frios como a Bélgica, ao contrário, mantêm-se fiéis ao sabor encorpado das cervejas e chopes de alta fermentação, consumidos à temperatura ambiente.

A bebida desembarcou no território tupiniquim em 1808, trazida pela corte portuguesa. Foi um sucesso desde o primeiro momento. Em Blumenau, interior de Santa Catarina, acontece a Oktoberfest, segunda maior festa de chope do mundo, que atraiu 500 mil visitantes no último ano. A primeira cerveja engarrafada foi produzida em 1920 pela Brahma, fundada em 1888. Nos anos 20, surgiram os templos até hoje endeusados por boêmios, intelectuais e simples – porém, nobres – bebedores. Alguns foram contemplados nessa edição. Se for a um deles, jamais cometa o pecado de pedir um chope sem colarinho. Para alguns garçons, é uma ofensa pior do que xingar a mãe. Tintim! 

Eu bebo, sim
Tasso Marcelo/AE

“Ganhei o único campeonato oficial de chope realizado no Rio, há uns 15 anos. Os 150 concorrentes tinham que parar em vinte bares da zona sul. Levei três horas e tomei 57 chopes duplos. Ganhei um troféu folheado a ouro e o vendi por US$ 600 a um amigo, o Roni, do Bar Emporio, em Ipanema, porque precisava de dinheiro para viajar. Hoje bebo um chope de vez em quando. Estou muito sedentário e tenho que emagrecer”
Fausto Wolf, Escritor e Dramaturgo

Renato Velasco

“ A matriz é o chope, o resto são filiais. Ele é imbatível no verão. Difícil é encontrar um bom e bem tirado. Minha média diária é de 20 garotos. Em março estou lançando o livro Confesso que bebi (Record), dedicado a todos os ilustres bebedores que ajudaram o mundo a ficar menos chato. O livro termina com Jesus Cristo, que transformou água em vinho”
Jaguar, humorista, 68 anos

A Tokitaka

"Tomo meu chopinho sim, ninguém é de ferro. Trabalho com o corpo e preciso me sentir bem. No calor é imbatível. Mas não posso exagerar, porque senão terei que exagerar nas abdominais. Chope é sinônimo de boa conversa. Gosto de beber um garoto com colarinho, dá uma relaxada fantástica”
Déborah Colker, dançarina, 40 anos

O Pinguim não é mais aquele
A região de Ribeirão Preto é tão rica que ficou conhecida como a Califórnia brasileira. Há mais de um século, empreendedores, aventureiros, empresários da noite e barões do café levaram à cidade do interior de São Paulo o que havia de melhor na Europa. Entre as novidades, é claro, a cerveja. Em 1911, com pouco mais de 50 mil habitantes, Ribeirão inaugurou sua primeira cervejaria: a Companhia Cervejaria Paulista, mais tarde adquirida pela Antarctica. Era o início de uma lenda. Em 1936, um imigrante alemão conhecido por “Tino” inaugurou o Pinguim, incentivado pela própria fábica. O bar se tornou um dos pontos turísticos mais movimentados da cidade e fez surgir a lenda de que uma serpentina subterrânea levava o chope da fábrica para as torneiras do bar. A matriz, localizada no piso térreo do Edifício Diederichsen, no centro, recebe cerca de sete mil fregueses por dia. É a menor das quatro unidades que existem hoje em Ribeirão. Mas ninguém esperava que uma calamidade acontecesse. Em 1999, a Antarctica desativou a produção de chope na cidade. O impacto só foi menor do que o do crack da Bolsa de Nova York, ™em 1929. O Pinguim, responsável por cerca de 80% do consumo do chope que era produzido na cidade, passou a receber o produto da fábrica da Antarctica de Jaguariúna. A mudança espantou os freqüentadores da casa. “O chope é delicado, não aceita desaforo”, brinca o aposentado Márcio Antônio Paiva, 65 anos, que, ainda assim, diariamente toma seu chope no Pinguim.
Daniel Navarro

No gogó. O melhor
copo para aquele chopinho
O mais comum dos copos foi inspirado em uma flor. O corpo levemente abaulado ajuda a reter o aroma e a espuma. Foi inventado pela Pilsner Urquell, pioneira na fabricação de cervejas Pilsen.
Segura menos aroma e retém a espuma por menos tempo do que a tulipa. Mas é de fácil manuseio e vem se popularizando nos bares de todo o Brasil. É mais indicado para as cervejas de alta fermentação.
Espécie de caldeireta em miniatura, o copo ganhou o apelido de Garoto e conquistou a simpatia imediata de quem bebe devagar. Com capacidade para 200 ml, ele impede que o chope esquente antes de liquidado.
Um dos melhores copos para se tomar chope e cerveja. Ele é o que mais retém aroma e espuma, graças ao bojo arredondado e à boca levemente estreita. Mas o formato pode confundir o bebedor. Onde segurar?
Pouco comum, o copo especialmente criado para drinques poderia ser mais utilizado para consumo de chope. Ele não guarda o aroma com a mesma qualidade da tulipa e da taça, mas mantém o colarinho.
Persiste pela tradição importada da Alemanha. Ótima para o consumo de cervejas à temperatura ambiente – como é comum no país de origem –, a caneca deve ser evitada no verão brasileiro. O chope esquenta muito rapidamente.