Reichstul anuncia investimentos da Petrobras na áreasocial, prevê a auto-suficiência em 2005 e diz não temeruma guerra no Oriente Médio

Os tempos são de guerra, mas não para a maior empresa brasileira. Na terça-feira 2, o presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, anunciou o programa social da companhia, que recém completou 48 anos. Sintonizada com o conceito Cultura da Paz, concebido pela Unesco, a estatal quer fazer bonito engrossando seus programas sociais, a partir de 2002, com mais R$ 8 milhões. O alvo dos projetos serão jovens e adolescentes em situação de risco. “A idéia é investir no social para evitar a reprodução da pobreza e da violência”, define Reichstul. A empresa quer projetar a imagem de que a preocupação social veio para ficar: “A Petrobras é socialmente responsável”, propaga o presidente, reconhecendo que o investimento no social é um negócio. O envolvimento com a paz não chega a deixar a Petrobras totalmente imune aos bombardeios detonados pelos terroristas nos Estados Unidos. A situação é grave, mas Reichstul reafirma que a situação da empresa é bastante confortável para enfrentar o turbilhão. Dos 400 mil barris importados diariamente, apenas 25% do volume vem do Oriente Médio. O Brasil produz 1,4 milhão de barris diários e projeta a auto-sufiência, em torno de 2,1 milhões, para 2005. Pior do que sobreviver à guerra parece ser desbaratar os adversários da Petrobras em território nacional. A empresa trava uma guerra surda contra o que chama de máfia dos combustíveis, que já sacou dos cofres da estatal R$ 72 milhões. Falando a ISTOÉ, Reichstul disse que está nas mãos da empresa de investigação Kroll desvendar o mistério da fraude.

ISTOÉ

O conceito desenvolvido pela Unesco, Cultura da Paz, agora faz parte dos planos da Petrobras. O que significa exatamente isso?

Henri Philippe Reichstul

 O País é extremamente carente na área social. Resolvemos disciplinar essa atuação deixando clara nossa posição corporativa. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) será usado para medir os resultados. Nossos projetos vão incluir jovens e adolescentes em situação de risco. A idéia é investir no social para evitar a reprodução da pobreza e da violência. Estamos tentando trabalhar na raiz dos problemas.

ISTOÉ

Para tanta carência, R$ 8 milhões
não é pouco dinheiro?

Henri Philippe Reichstul

 Não somos o Ministério da Ação Social. Além dos R$ 8 milhões, manteremos a verba de R$ 68 milhões nas áreas social, cultural e de meio ambiente. Considero R$ 76 milhões um valor bastante razoável. Estamos tentando organizar nossa ação social saindo do clientelismo e partindo para uma ação mais dirigida. A Petrobras quer projetar a imagem de uma empresa socialmente responsável.

ISTOÉ

Essa nova diretriz na área social é a forma que a empresa encontrou para fugir das pressões externas?

Henri Philippe Reichstul

 Interagimos com o mundo. A partir do primeiro acidente na Baía de Guanabara, em janeiro de 2000, ficou claro que precisávamos ter condições internacionais de cuidar do ambiental e da segurança operacional. Passamos então a considerar essas duas diretrizes como pontos centrais da agenda corporativa da empresa. A preocupação passou a ser uma condição do negócio. Ampliamos nosso conceito de sustentabilidade. Como a Petrobras é a maior empresa do País, nossa obrigação é exercer uma responsabilidade social à altura do nosso tamanho. Como essa preocupação passou a ser uma questão de negócio, estamos deixando claro que essa conquista não estará mais ligada a esse ou aquele diretor. Não é bom-mocismo. Nossa preocupação é que essa política seja incorporada à nossa cultura corporativa.

ISTOÉ

A Petrobras estaria fazendo um mea-culpa pelos acidentes?

Henri Philippe Reichstul

De jeito nenhum. Nosso mea-culpa em relação aos acidentes ambientais pode ser traduzido pelo investimento de US$ 1,3 bilhão no programa Pégaso, de excelência em gestão ambiental e operacional. Adotamos medidas para resgatar nosso passivo ambiental de mais de 20 anos. Hoje temos nove centros de defesa do meio ambiente no País. São uma espécie de corpo de bombeiros ambiental.

ISTOÉ

O fato de estar num país campeão de desigualdade social não afeta a imagem da Petrobras e seus negócios no Exterior?

Henri Philippe Reichstul

 Nunca perdemos negócios por causa disso. Não me lembro de nenhum negócio que a Petrobras tenha perdido por causa dessa situação pouco confortável no País na área social. Isso não impede que a empresa exerça sua responsabilidade social.

ISTOÉ

A maior crítica ao presidente FHC é a de descuidar do social para se preocupar apenas com a moeda. Esse programa não pode ser visto como uma ação de marketing do governo através da Petrobras?

Henri Philippe Reichstul

 Não temos a ambição de apresentar um programa do tamanho do Brasil. Não temos nenhum projeto presidencial. A importância do nosso programa, mais do que o recurso disponível é a forma de sistematização da ação da empresa na área social. Nossa preocupação é trabalhar um conceito precioso para a companhia como imagem corporativa. É uma atitude exclusivamente empresarial. Parte do conceito que estamos desenvolvendo está sendo exportado para os países em que atuamos.

ISTOÉ

O presidente Bush está conclamando os aliados a boicotar países que abrigam terroristas. Em que medida isso dificultará a ação da Petrobras no Oriente Médio?

Henri Philippe Reichstul

 O mercado brasileiro é de 1,8 milhão de barris diários. A empresa produz um pouco abaixo de 1,4 milhão. Isso significa que a importação líquida de petróleo e produtos em geral é de 400 mil barris. A Petrobras caminha para produzir, até 2005, 1,9 milhão de barris/dia. Esse volume terá um acréscimo de mais 200 mil barris/dia com a produção das joint-ventures assinadas pela Petrobras. Isto significa que, em 2005, estaremos produzindo 2,1 milhões de barris/dia. Se a economia crescer 4% ao ano, o mercado brasileiro estará consumindo exatamente essa quantidade em 2005. Estamos num processo gradual de redução de importações líquidas. Dos 400 mil barris importados, menos de 100 mil vêm do Oriente Médio. O restante vem de Angola, Nigéria, Venezuela e Argentina. Mesmo que o governo brasileiro venha a aderir ao boicote, isso não afetaria drasticamente o País. A crise encontra o Brasil e a Petrobras numa situação bastante diferente de cinco ou dez anos atrás. Nossa fragilidade e exposição são bem menores.

ISTOÉ

 A direção da empresa já deve ter discutido os possíveis efeitos que essa guerra terá no País. Em algumas dessas hipóteses se prevê o aumento de combustível no País?

Henri Philippe Reichstul

 Há dois anos que a Petrobras não acompanha mais os preços dos combustíveis. A empresa se retirou da discussão e da formação desse preço. Apenas vendemos o produto como commodities extra-refinaria. A discussão do preço do produto na bomba diz respeito aos ministérios da Fazenda e das Minas e Energia. A Petrobras produz essas commodities e vende o produto ao mercado. Se não ocorrer nenhuma intervenção militar importante no Oriente Médio, a tendência é o preço continuar caindo. Está se esperando ainda uma brutal redução do consumo de querosene de avião, além do que o momento é bastante recessivo. Aquela idéia original de que os Estados Unidos teriam uma aterrissagem suave da economia já foi descartada. A previsão é de termos três trimestres bastante difíceis nas economias centrais, reduzindo o consumo de combustível em nível internacional.

ISTOÉ

Mesmo com a recessão anunciada, o preço do petróleo não deve subir?

Henri Philippe Reichstul

O mercado está muito soft, muito fraco. Os mercados futuros apontam para uma queda do preço do produto e não para uma subida. Nas duas últimas semanas, o preço caiu quase 25% em relação ao pico e há perspectivas, se não houver uma intervenção militar forte num país produtor de petróleo, de que o preço continue caindo. Antes do acidente, o preço girava em torno de US$ 26, chegando a bater em US$ 30; logo depois do ataque despencou para US$ 22. É uma redução brusca.

ISTOÉ

v Isso significa que o País não está correndo sérios riscos?

Henri Philippe Reichstul

Conversando com os analistas internacionais do mundo do petróleo, o que se vê é que a ação diplomática entre os Estados Unidos, Europa, Rússia e os países produtores de petróleo está funcionando. Todos os países estão se unindo, até o Irã já recebeu a visita de um enviado inglês. A posição do Iraque é que talvez seja a mais complicada nessa situação toda. Tanto assim que a empresa ainda não modificou seus planos para 2001. A idéia era faturar neste ano cerca de US$ 25 bilhões. No primeiro semestre já foram faturados US$ 17,8 bilhões.

ISTOÉ

A Petrobras declarou guerra à máfia dos combustíveis. Quais as chances de a empresa perder essa briga?

Henri Philippe Reichstul

 Distribuidoras de Goiás e do Tocantins promoveram uma operação fraudulenta contra a Petrobras. São ao todo 27 distribuidoras envolvidas: 14 conseguiram sacar dinheiro da conta da empresa; nove não conseguiram; e quatro outras retiraram as ações judiciais. Essas 14 empresas se uniram e entraram com seis ações contra a Petrobras. Essa máfia sacou R$ 72 milhões da conta Petrobras. Há poucos dias, mais uma ação envolvendo quatro distribuidoras conseguiu parecer favorável na 1ª Vara Cível da cidade satélite de Sobradinho, no Distrito Federal. Essas empresas tentaram sacar mais R$ 177 milhões. O ICMS da gasolina pertence aos Estados e gira em torno de 25% do preço de venda dos combustíveis. Como as distribuidoras têm política diferenciada de preços, as secretarias estaduais de Fazenda definem um preço médio sobre o qual será cobrado esse porcentual. A Petrobras presta um serviço às Fazendas estaduais, antecipando esse pagamento. Em meados de julho, algumas distribuidoras alegaram ter pago um valor excessivamente alto de ICMS. Isto porque teriam vendido o produto a um preço menor do que a base tributária estipulada pelas secretarias da Fazenda dos seus Estados.

ISTOÉ

O Judiciário está acobertando essa fraude?

Henri Philippe Reichstul

 No mínimo o Judiciário foi ludibriado e, no máximo, estamos trabalhando junto aos governos do Estado e ao Tribunal de Justiça de Goiás para ver se houve ou não alguma incorreção do juiz. A empresa de investigação Kroll Associates está nos ajudando nesse trabalho. O juiz não chamou a parte contrária para se pronunciar nos autos, apenas concedeu tutela antecipada do pleito. Essa tutela veio em precatório em mais 48 horas. Fomos obrigados a liberar os R$ 72 milhões sem direito a discutir.

ISTOÉ

David Zylbersztajn está deixando a Agência Nacional de Petróleo (ANP) em outubro próximo. Que balanço o sr. faz da gestão dele?

Henri Philippe Reichstul

 A desregulamentação na área de petróleo e gás foi extremamente bem-sucedida. Ele conseguiu num prazo muito curto montar uma equipe de primeiríssima linha e uma agência que funciona. A ANP já realizou três leilões de blocos. A Petrobras perdeu o monopólio. Chegamos a ter momentos de atritos funcionais, mas o balanço é extremamente positivo. O Brasil ganhou com essa modelação que saiu com a ANP. Hoje, mais de três dezenas de empresas atuam no País procurando petróleo. Além disso, a Petrobras investe mais do que investia no ano passado.

ISTOÉ

O sr. torce para que o novo presidente da ANP seja mais ou menos privatista que o atual?

Henri Philippe Reichstul

 A questão da privatização da Petrobras saiu de foco. Na medida em que a empresa está investindo US$ 5 bilhões esse ano, tem um programa de investimentos de US$ 31 bilhões até 2005 e mais US$ 4,5 bilhões em caixa, a Petrobras não está mais na mira da privatização. Essa questão não está mais na agenda até porque a empresa se valorizou. A Petrobras valia, há quase três anos, US$ 9 bilhões. Hoje, o valor da companhia mais que triplicou. A Petrobras está valendo US$ 33 bilhões.

ISTOÉ

O aprofundamento da recessão aqui e lá fora
pode inviabilizar a previsão de faturamento da empresa
para este ano?

 

Henri Philippe Reichstul

 É claro que terá um efeito, só que esse reflexo será proporcional aos meses que faltam para acabar o ano. Estamos trabalhando com a previsão de atingir um faturamento de US$ 25 bilhões. Tudo vai depender, é claro, do preço do petróleo e da demanda pelo produto. Não acho que a demanda brasileira venha a despencar, sobretudo com o efeito-preço que tende a continuar caindo. Se o preço do petróleo estourar e o preço ao consumidor também, aí teremos de voltar a conversar. Mas acho que não será o caso.

ISTOÉ

O presidente prometeu e cumpriu a promessa de não privatizar a Petrobras. O sr. teme que o próximo presidente diminua a autonomia da empresa e passe a intervir mais na sua política, como faziam os presidentes militares?

Henri Philippe Reichstul

O fato de a empresa estar concorrendo no mercado aberto com as maiores empresas do mundo, aqui e lá fora, acho que atende a todo o espectro possível de candidatos interessados no bem do País. Não vejo a necessidade de mudar o modelo implantado, qualquer que seja a matiz política do próximo presidente. A Petrobras é a maior arrecadadora de impostos do País, paga royalties. Existe um projeto na Petrobras que começou a ser tocado em meados de 1999, que é transformar a empresa numa grande corporação internacional de energia. Nós reorganizamos a empresa em várias unidades de negócios, adotamos uma política salarial e de remuneração de mão-de-obra muito semelhante à da concorrência. Quando assumi, a Petrobras tinha 39 mil funcionários e hoje temos 34.500. No ano passado, fizemos um concurso e contratamos 500 novos técnicos. Este ano, estamos preparando mais um concurso para contratar 1.700 empregados. Estamos oxigenando permanentemente a força de trabalho. Teoricamente ainda temos defasagem salarial, considerando que em função da desvalorização cambial fica difícil de acompanhar os salários oferecidos lá fora.

ISTOÉ

Uma vitória de Lula colocaria em risco essa autonomia da Petrobras?

Henri Philippe Reichstul

 Não acredito nisso.