Entre os muitos prêmios conquistados em 72 anos de existência, a Escola de Samba da Mangueira ostenta dois muito especiais e pouco conhecidos do público que gosta de admirá-la na Marquês de Sapucaí: o de menor índice de criminalidade infantil e o de maior índice de escolaridade de todas as comunidades carentes da cidade. Eles foram conferidos pela delegacia policial do bairro e pelo juiz de menores Siro Darlan e valeram mais do que uma vitória no Carnaval. Mas isso não vem por acaso. Desde o início de 1999, os 35 mil moradores do morro que deu nome à escola de samba contam com 22 oficinas profissionalizantes do Centro Cultural da Mangueira, que mantém 5.800 alunos e 188 funcionários. Após quatro meses se especializando em artesanato, percussão e estilo, 70% dos inscritos

saem dali empregados. O sucesso rende frutos também lá fora. Em abril de 2002, o Museu da Moda de Paris vai expor 600 fantasias de Carnaval confeccionadas pelas alunas das oficinas, em mostra que tem o costureiro Christian Lacroix como curador e que marcará a abertura das comemorações carnavalescas na França. O diretor do museu, o francês Samuel Abbon, esteve no Rio há pouco tempo especialmente para conferir o talento das jovens costureiras mangueirenses.

Paralelamente ao Centro Cultural, o destaque é o Baile de Debutantes, uma noite de sonho para um grupo de 30 adolescentes que se destacam pelo comportamento em casa e na escola. A madrinha do projeto é a cantora Alcione, que começou a organizar a festa com o apoio da Mangueira do Amanhã, a escola de samba mirim. Além de ganharem trajes dignos de Cinderela, as participantes dançam valsa, cantam e são prestigiadas por famosos, como Gugu Liberato, Camila Pitanga, Maria Paula, Christine Fernandes e Floriano Peixoto, entre outros, como aconteceu no sábado 22.

O baile só acontece uma vez por ano, mas as oficinas – camarotes que se transformam em salas de aula – são diárias. Qualquer pessoa pode se inscrever, mesmo de outras comunidades, desde que comprove a escolaridade. Isso fez com que muitos jovens pudessem continuar seus estudos, em vez de abandonarem os livros para ajudar em casa. O projeto, patrocinado pela Petrobras e pelo Leite de Rosas, garante ainda uma cesta básica para as famílias. “Nós os acompanhamos até que entrem no mercado de trabalho”, explica Célia Regina Domingues, coordenadora-geral das oficinas, nascida e criada na Mangueira. A quarta turma de estética, por exemplo, saiu 100% empregada. Os cursos mais procurados são os de artesanato, com 100 alunos, e de percussão, com 120. “O grande desejo é sair na bateria da Mangueira”, acrescenta ela.

Cada atividade atende a um grupo de determinado grau de escolorização e faixa etária. A oficina de cabeleireiro requer o primeiro grau completo, as de estética e de auxiliar de enfermagem exigem o segundo grau e qualquer pessoa pode participar da oficina de artesanato, a partir dos 15 anos. Para aprender a arte dos passistas é preciso ter seis anos; percussão, oito. Fabíola Rosa da Silva, 24 anos, passou seis meses desempregada e há dois meses aprende a confeccionar velas decorativas. “Já consegui vender todo o material que produzi”, festeja ela.

Ana Paula Eloy, 26 anos, aprendeu a trabalhar como recepcionista e artesã e nestee ano teve sua maior recompensa: vai sair como porta-bandeira da Unidos do Cabral, uma escola de samba do terceiro grupo. “A felicidade dela para mim foi tudo”, tieta sua mãe, Rosângela Oliveira Eloy, 47 anos, que fez curso de pátina e hoje engrossa a renda familiar como professora das oficinas e artesã. O Centro Cultural ainda mantém cursos de inglês, francês e espanhol e acaba de reafirmar uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para ampliar a oferta de oficinas na área hospitalar. No mês passado, também foi aberto o curso de cozinha industrial, uma modalidade que se soma à de mestre-cuca e trabalhos domésticos em geral.