Cento e trinta quilômetros por hora. Com chuva. Sirenes, rifles, metralhadoras e coletes à prova de balas. Medo, suor, pedágios varados a toda velocidade e o risco de resgate e tiroteio. A cidade de Presidente Wenceslau, já quase na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul, parecia inalcançável. E lá vai o “bonde”, e dentro dele somam-se 2.400 anos de condenação personificados em 14 presos de altíssima periculosidade. E lá vai a escolta da Polícia Militar: 15 PMs do 4º Batalhão do Carandiru, munição pesada, uma Blazer, três Ipanemas. E lá vai o carro de reportagem de ISTOÉ. Foi a primeira vez que jornalistas acompanharam a operação de guerra que é uma locomoção de criminosos desse calibre nesses tempos de PCC.

Bonde é como presidiários e policiais chamam o caminhão que transporta condenados. Ele saiu do Centro de Observação Criminológico de São Paulo para vencer 622 quilômetros e chegar à Penitenciária de Presidente Wenceslau. Os “passageiros” compõem a cúpula do PCC. Com eles, dentro do caminhão, chacoalhava também o temido Osmar Giglioli Pena, o “Tico Branco”: ganhou notoriedade por ter assaltado um avião pagador da TAM. E duas vezes os seus quadrilheiros já tentaram resgatá-lo. Os detentos do PCC que seguiam viagem são especialistas na construção de túneis subterrâneos. Mais friamente: estrategistas de fuga, o que aumentava a tensão do comboio. Foram revistados nus antes do embarque, cada um agachando duas vezes para a PM certificar-se de que nada ocultavam no ânus. De tão perigosos, nem fotos foram autorizadas. Imagine fotos, se nem cigarros eles puderam levar. Esses presos, se puderem, tacam fogo no bonde. Nove deles já tentaram fugir. A escolta foi reforçada a pedido do comando-geral da Polícia Militar: um helicóptero sobrevoou o comboio até a saída da cidade, mas teve de abandoná-lo por causa da chuva. A PM gasta anualmente 188 mil litros de combustível transportando em média 60 mil presidiários e roda cerca de um milhão de quilômetros pelo Estado de São Paulo. Dá para ir duas vezes à Lua.

Os homens do 4º Batalhão chegaram cedo. “Operação de alto risco para Presidente Wenceslau. Catorze detentos de extrema periculosidade”, grita o tenente José Marcos de Oliveira. É ele quem comanda a escolta. O mais novo dos escalados tem 25 anos, mulher e filho.

– Regra número um: proteger a si mesmo. Se houver troca de tiros, se joguem no chão e se protejam atrás do carro.
Os PMs se entreolham.
– E se uma viatura quebrar?, pergunta um soldado.
– Seguimos em frente. Atenção total nos pedágios.
Alguns PMs rezam.

Os presos são jovens, cabeça raspada, vestem jeans e camiseta, e calçam tênis. Começam a andar em dois grupos de sete, mãos para trás. Um a um, sobem no caminhão. As viaturas disparam. Sirenes ligadas, faróis acesos. A Blazer vai na frente. Os PMs, metade do corpo para fora da janela, escopetas e metralhadoras em riste. Sinalizam com a mão e a coronha dos fuzis que todos os demais veículos devem se afastar. Num piscar de olhos ganha-se a rodovia Castello Branco. Foi nela que um PM foi morto recentemente num resgate do PCC. “Dirija esse lixo direito, seu vacilão!”, grita para o motorista um dos “passageiros”. Ao se aproximar o primeiro pedágio (foram cinco), a tensão cresce, a Blazer ultrapassa o comboio e abre caminho.

– Um pedágio a menos, diz o motorista Adenilson Moreno.
A viagem segue. Um Vectra azul de vidros escuros fecha o bonde sem querer. Uma carreta se aproxima. A Blazer e duas Ipanemas da polícia encostam, os PMs ameaçam atirar. O Vectra reduz, o caminhão também.
– Eu sou o mais visado, se pegarem já era, diz Adenilson. Como agente penitenciário ele não pode se armar. Apesar disso, usa um 38. Tem dois filhos. Salário de R$ 1.200, 15 viagens desse tipo por mês.
Na Raposo Tavares, parada num posto de gasolina na cidade de Iaras. A frentista evapora. Só sai da loja de conveniência quando o comboio parte. Os próprios PMs abastecem. Cheiro forte de cigarro (de cigarro!?) vem do bonde.
– Alguém fumando aí?, pergunta o cabo Fiálio. Silêncio.
– Vê uma água aí, pede um preso.
– Fica quieto, ladrão. Já está chegando.
– Não posso vacilar. É a minha vida, diz o cabo, que em 1999 quase morreu num resgate. A viatura em que ele estava levou 60 tiros de AR-15.

Luz no final do túnel, avista-se a Penitenciária de Presidente Wenceslau. Incrível! O diretor de disciplina não quer receber os presos devido à periculosidade. Os PMs se revoltam. Meia hora até o diretor-geral aceitar os detentos. Alívio. Imagine ter de pegar com o PCC mais cinco pedágios de volta para São Paulo.