O Ministério Público Federal começou a investigar na semana passada polpudas e ilegais remessas de dólares feitas para três contas em bancos nos Estados Unidos, que pertencem a um dos principais assessores do Ministério dos Transportes, o consultor jurídico Arnoldo Braga Filho. As contas, abertas em conjunto com sua mulher, Elizabeth Alves da Silva Braga, funcionária do Ministério do Planejamento, são no Audi Bank, em Nova York, e no Ocean Bank, em Miami. Para operar com os bancos estrangeiros, o assessor do ministro Eliseu Padilha usou os serviços do conhecido doleiro brasiliense Charbel George Nicolas, dono da agência de viagem All Travel, que funcionava como uma casa de câmbio clandestina. Há três semanas, Charbel fugiu com toda a família para o Líbano, seu país de origem, e de lá enviou um detalhado relato aos procuradores federais, explicando como abriu as contas e fazia as transferências de dólares. Charbel contou que fugiu depois de ser ameaçado de morte por policiais que foram cobrar, supostamente a mando de Arnoldo, um alegado desvio de quase US$ 1,5 milhão nas transferências do dinheiro para as contas do consultor.

Charbel, conhecido como Charles no mercado paralelo de Brasília, disse que começou a vender dólares para Arnoldo há três anos, quando o consultor jurídico aparecia na All Travel, localizada no Hotel Nacional, para comprar moeda americana, pagando sempre com pacotes de reais. “Pensei que se tratasse de um executivo de empresa. Não desconfiava de nenhuma operação fraudulenta”, tenta justificar o doleiro. Depois de comprar muitas verdinhas, Arnoldo resolveu sofisticar a operação. Pediu a Charbel para abrir contas nos Estados Unidos. Viajou para Nova York com o doleiro e abriu a conta de número 166.212 no Audi Bank, onde confiou seu dinheiro ao responsável pelo Brazilian Office, Sérgio Jalil, o gerente que passou a cuidar da poupança do advogado. Depois, Arnoldo foi a Miami e abriu mais duas contas. Uma em outra agência do Audi Bank, administrada pelo gerente Nabil Achkar, e uma terceira no Ocean Bank, administrada pelo gerente Carlos Arrastia. Os contatos em Miami foram feitos por Charbel, que apresentou Arnoldo ao amigo Ricardo Vieira, um comerciante brasileiro que atua há 15 anos por lá e é citado como testemunha na carta do doleiro ao Ministério Público. “Arnoldo e Charles estiveram aqui em Miami, me pediram informações sobre um bom banco e indiquei o Ocean Bank, onde tenho conta. Depois fomos jantar em South Beach”, confirma Ricardo.

Lavanderia – Na carta-denúncia enviada por fax do Líbano aos procuradores, Charbel também escreve que, a pedido de Arnoldo, que é consultor do Ministério há cerca de quatro anos, intermediou várias transferências de dólares da conta número 161.325 do Audi Bank para uma empresa de aviação brasileira que também tem conta no mesmo banco. Segundo Charbel, a instituição libanesa, que atua nos EUA, abriu um escritório em São Paulo dirigido por Salem Nasser, cuja função é captar dólares de brasileiros. Na direção do Audi Bank, em Nova York, de acordo com o relato de Charbel, as funcionárias Mayra Egas, Fábia e Lorena Garib foram destacadas para atender brasileiros. “O Audi Bank é a maior lavanderia de dinheiro de brasileiros no Exterior”, relata Charbel, pedindo ao Ministério Público para investigar outras autoridades e políticos nativos. O site internacional do Audi Bank é feito em inglês, espanhol e português. O relato de Charbel atinge outros dois doleiros de Brasília, seus concorrentes – Jorge Kamon e Fayed Traboulsi. “O banco Audi é uma instituição financeira tradicional, registrada no Banco Central e só age dentro da legalidade”, afirma Salem Nasser.

Segundo Charbel, os negócios com câmbio de outras autoridades do Ministério dos Transportes e de políticos interessados em poupar escondido no Exterior, são centralizados por Kamon e Fayed. Kamon atua como doleiro em Brasília há mais de 15 anos e tem escritório no Hotel Continental. Fayed é o maior da cidade e trabalha no Hotel Manhattan, na mesma loja onde funcionava a Trust Exchange Turismo, dirigida por Chaker Nasr, assassinado misteriosamente há cerca de cinco anos e também citado por Charbel na sua carta. Depois, o ponto foi comprado por Fayed, que, de acordo com o denunciante, manteve o funcionário Chico Gordo, apontado como “laranja” no esquema de remessa ilegal de dólares usado por muitos políticos brasileiros. “Kamon e Fayed são responsáveis pelo envio de dólares ao Exterior dos colegas de Arnoldo no Ministério dos Transportes. A turma lá é grande e o esquema muito forte”, conta Charbel. E complementa: “Fayed recebe proteção de várias autoridades federais e estaduais brasileiras.” Kamon nega que seja doleiro de autoridades brasileiras e tem uma versão para sua intimidade com o Ministério dos Transportes. “Conheço o Arnoldo há 12 anos. Nunca vendi ou comprei um dólar para ele. Quando comecei a vender máquinas, há dez anos, o Arnoldo me assessorou, me ajudando a arrumar dinheiro em ministérios. Nunca vendi dólares no Ministério dos Transportes, tenho lá pelo menos 12 ex-alunos”, justifica Kamon, que também é professor de engenharia na UnB. E acusa: “O Charbel é um pilantra.”

O doleiro Charbel é acusado pelos colegas de ter aberto uma conta clandestina no Uruguai em nome de Arnoldo Braga Filho e, sem seu conhecimento, ter transferido para Nova York e Miami apenas parte do dinheiro pedido pelo consultor do Ministério dos Transportes, embolsando cerca de US$ 1,5 milhão. O desfalque teria sido detectado por Arnoldo quando foi checar o saldo da conta nos dois bancos. Com a acusação, começaram as ameaças entre doleiros que provocaram a fuga de Charbel. No dia 15 de agosto, segundo relato do doleiro que está escondido no Líbano, agentes da Polícia Federal detiveram sua mãe, Therese Najib Youssef, no aeroporto de Brasília, momentos antes de seu embarque para Beirute. Ela foi acusada pela PF de estar carregando uma mala cheia de dólares, mas nada foi encontrado. No mesmo dia, de acordo com o doleiro, um inesperado e enigmático telefonema do colega Fayed, querendo saber sobre a sua mãe, o deixou intrigado. Na mesma noite, conta, foi avisado por um policial civil seu amigo de que havia uma ordem para matá-lo.

Morte datada – Duas semanas depois, Charbel recebeu um convite para ir ao escritório de Fayed “para encontrar o pessoal do Ministério dos Transportes e um delegado da polícia”. Além de Fayed, encontrou também dois policiais e o delegado Coelho, da Polícia Civil. Na conversa, Charbel foi informado que o assunto era o desvio de US$ 1,5 milhão de Arnoldo e que o consultor jurídico não estava ali para cobrar a dívida por se tratar de homem público e não poder aparecer. Segundo o relato de Charbel, os policiais disseram objetivamente que a dívida seria quitada por US$ 600 mil. “Fayed me telefonou no dia seguinte, sexta-feira, e avisou que eu seria morto no final de semana se não pagasse a dívida”, conta Charbel, que depois desta ameaça direta resolveu abandonar a loja e sair do País com toda a família. “Responsabilizo o senhor Coelho, Fayed e Kamon, além dos policiais, pelas ameaças de morte”, afirma o doleiro.

Na carta com nove páginas enviada ao Ministério Público, Charbel, um libanês de 34 anos naturalizado brasileiro, relata detalhes confirmados pelas pessoas citadas. Todos os funcionários do Audi Bank em Miami, Nova York e São Paulo realmente trabalham nesses locais. Ele cita números de contas, datas, nomes de bancos e de pessoas, telefones, endereços e testemunhas, muitos deles comprovados por ISTOÉ. Conta, ainda, que fez consultas ao escritório do Audi Bank em São Paulo que confirmou o desvio de dinheiro. “Não sei onde foi parar o dinheiro”, diz Charbel. Embora a mulher de Arnoldo, Elizabeth, negue que o casal tenha contas no Exterior, elas de fato existem. “Não conheço este doleiro. Somente o meu marido pode esclarecer isto”, disse Elizabeth. Procurado, Arnoldo se recusou a dar explicações sobre suas contas nos Estados Unidos. Os procuradores estão analisando os dados e suspeitam que possa haver vários crimes cometidos por um agente público, entre eles remessa ilegal de dólares ao Exterior, manutenção de contas externas sem declaração ao Imposto de Renda, sonegação fiscal e “lavagem” de dinheiro clandestino. No Ministério dos Transportes, a história caiu como uma bomba. Eliseu Padilha afastou o consultor na sexta-feira 5 e aguarda o fim das investigações para tomar uma decisão sobre o funcionário. A denúncia pode ser o fio da meada para se descobrir outras peripécias envolvendo doleiros e ilegalidades na Esplanada dos Ministérios.