Seria a primeira exibição de arte e concurso anual de caricaturas de Maomé em Garland, cidade de pouco mais de 200 mil habitantes no subúrbio de Dallas, Texas. A disputa, que oferecia US$ 10 mil à melhor charge do Profeta, tinha tudo para provocar apenas alguns protestos pacíficos antes de cair no esquecimento. Mas um atentado frustrado expôs o grotesco do espisódio. Dois homens atiraram e feriram um guarda no domingo 3. Dois dias depois, o Estado Islâmico (EI) reivindicou a autoria do atentado – esse seria o primeiro ato do grupo terrorista em solo americano. Os atiradores Elton Simpson e Nadir Soofi, que se diziam leais ao EI, acabaram mortos pela polícia.

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EXTREMOS
Pamela Geller, organizadora do concurso de charges,
e Simpson e Soofi, os atiradores: ofensa e intolerância

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A organizadora do evento, Pamela Geller, declarou imediatamente: “Essa é uma guerra à liberdade de expressão.” A blogueira ganhou notoriedade após promover uma campanha contra a construção de um centro comunitário muçulmano próximo de onde ficavam as torres gêmeas, em Nova York. Fundadora, há cinco anos, da Iniciativa de Defesa da Liberdade Americana, Pamela é responsável por outros grupos antiislâmicos, que, entre várias atividades, encorajam pessoas a abandonar a religião e espalham cartazes relacionando muçulmanos a selvagens e ao líder nazista Adolf Hitler. “Eles não são diferentes dos radicais islâmicos”, disse à ISTOÉ Mark Potok, diretor do Southern Poverty Law Center, organização do Alabama que identifica e mapeia os grupos de ódio nos EUA. “Pamela diz coisas absurdas como ‘muçulmanos fazem sexo com cabras’, e que Obama falsificou sua certidão de nascimento e quer que a jihad vença.” A instituição contabiliza atualmente 784 desses grupos ativos, que atacam classes de pessoas, tipicamente por características imutáveis.

A representação do Profeta Maomé é proibida na religião islâmica, mas há pouco a ser feito para evitar as ações desses grupos. “Sob a Constituição americana, virtualmente todo discurso é permitido e protegido, e isso inclui até discursos profundamente ofensivos e eventos que desrespeitem uma religião”, afirma Ken Paulson, presidente do First Amendment Center, do Instituto Newseum, de Washington. “Essencialmente os americanos estão dispostos a serem ofendidos se isso significar que eles podem exercer sua própria liberdade de expressão.” Enquanto isso, outros incidentes corroboram o aumento da intolerância religiosa no Ocidente. Na mesma semana, a polícia alemã prendeu quatro suspeitos de pertencer a uma organização ultradireitista, que planejava ataques contra muçulmanos e refugiados.

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Editor-chefe do jornal francês Charlie Hebdo, adepto das sátiras com Maomé, Gérard Biard se tornou uma das principais vozes em defesa da liberdade de expressão depois que sua publicação foi vítima de um atentado orquestrado por extremistas islâmicos em janeiro. Na semana passada, entretanto, ele se apressou em evitar qualquer comparação com o ataque no Texas. “Não temos nada a ver com o trabalho de Pamela Geller”, disse. “Quando zombamos de uma religião, não atacamos seus seguidores, as pessoas. Zombamos de instituições. Zombamos de ideias.”