Descoberta aos oito anos de idade em um projeto social para alunos de escolas públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro, Flávia Saraiva, hoje com 15, é a nova estrela da ginástica olímpica brasileira. A jovem que impressiona pela baixa estatura, 1,33m, deixou a infância humilde em Paciência, zona norte carioca, aos saltos. O primeiro, simbólico, aos 11, quando decidiu largar a família e morar com treinadores e outras atletas em Três Rios, ao sul do estado, para treinar sete horas por dia, pelo menos seis dias por semana. A mãe, Fábia, comerciante que vende cestas básicas, relutou em deixar a filha única morar em outra cidade, mas aceitou vencida pela determinação da menina. O segundo salto da pequena atleta teve dois sentidos, literal e profissional, e foi dado no domingo 3, em São Paulo, quando ela participou de sua primeira competição de nível adulto. Flavia ganhou uma medalha de ouro e outra de prata — além de esperança, dela e dos que a cercam, sobre um futuro promissor como representante da ginástica artística brasileira.

GINASTICA-01-IE.jpg
PALCO
Flavia Saraiva brilha no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo,
no domingo 3: duas medalhas

A veia persistente vem dos pais, nordestinos que deixaram o sertão para tentar a vida na capital carioca. O sonho de ser ginasta começou ainda pequena, quando assistia, pela televisão, a performance de antigas campeãs. “Via a Daiane (dos Santos) e a Daniele (Hypólito) e queria ser igual a elas”, diz a carioca, com um largo sorriso que há pouco mais de um mês ganhou aparelho ortodôntico. A “pequena gigante”, como o técnico Alexandre Cardoso a chama, parece multiplicar por três a sua estatura. Seu físico pequeno, mesmo para um esporte de atletas baixas (leia quadro), permite velocidade em saltos de aproximadamente três metros. Na etapa da Copa do Mundo em São Paulo, ela experimentou o alto grau de pressão psicológica presente em todas as competições importantes. Caiu durante apresentação na trave nas classificatórias, mas se redimiu na final. Sua nota, 15,100, igualava-se à que rendeu à americana Simone Bines o campeonato mundial do ano passado. “Ela (Simone) é uma inspiração para mim e estava treinando bastante para atingir esse número.” 

IE2371pag50e51_Ginastica_ET-1.jpg

Apesar do sucesso, os erros não passaram despercebidos pela coordenadora Georgette Vidor que disse, logo após a prova, que ela poderia ter sido “um pouquinho melhor”. Confirmando os motivos para o perfeccionismo, a chinesa Chungsong Shang se apresentou depois e conseguiu 15,400, puxando Flávia para a segunda posição. O esporte de elite, explica Georgette, é feito destes preciosismos, e Flávia entende isso. Durante o treino na Arena Olímpica do Rio, o qual ISTOÉ acompanhou na semana passada, os sorrisos deram lugar à expressão séria e o olhar apreensivo, seguidos de uma balançada de cabeça a cada vez que cravava os pés no solo, nunca satisfeita. “Já vi outras com mais talento, mas que desperdiçaram porque não tinham o foco que ela tem. É sempre a primeira a chegar e a última a sair, disso se fazem os campeões”, diz o técnico Cardoso. De volta ao Rio este ano, ela se mudou, com outras atletas, para um prédio bem em frente à arena onde serão realizadas as provas de ginástica na Olimpíada do Rio. Ainda faltam sete etapas da Copa do Mundo para se definir quem estará nos Jogos de 2016. Mas se depender da vontade desta pequena, ela estará lá.

Fotos: Leonardo Benassatto/Futura Press; Stefano Martini; RicardoBufolin/CBG