Poucas horas depois de as torres gêmeas do World Trade Center se desintegrarem numa montanha de entulho, o coronel John Blitch, do departamento de robótica do Exército, e o professor de engenharia da Universidade do Sul da Flórida, Robin Murphy, respiraram fundo, acomodaram no porta-mala de seus carros uma dúzia de robôs do tamanho de uma caixa de sapatos e rumaram para Nova York. Há quase um mês, um minúsculo exército mecânico vara a madrugada ao lado de bombeiros e cães farejadores à procura de vítimas entre os escombros. Imune ao cansaço, à tristeza, ao mau cheiro, à poeira e ao açougue humano em que se transformou o local das escavações, a equipe eletrônica de resgate ficou com a pior parte do serviço: rasteja entre ferro retorcido, estilhaços de vidro, concreto esmigalhado, parte das fuselagens dos aviões-bomba e cerca de um milhão de pedaços de corpos. Onde homens não podem nem se atrevem a pisar.

No lugar de rodas, os robôs têm esteiras para escalar e descer em áreas perigosas, podem circular em tubulações estreitas e resistem a quedas de até três metros sobre o concreto. São guiados por controle remoto e equipados com câmera de vídeo, microfone, alarme, sensor infravermelho para capturar imagens no escuro, radar, medidor de inclinação e scanner. Alguns têm braços e pinças. Todo esse aparato serve para detectar movimentos corporais e roupas coloridas no meio do pó cinza que cobre as ruínas. No dia seguinte ao atentado, uma dessas maquininhas, a MicroTrac, localizou debaixo de uma pilha de destroços salas intactas do edifício, onde jaziam dezenas de corpos. Os bombeiros automáticos dão a pista do que deverão ser as operações de resgate no futuro.

Os escombros do que foi um dia o maior emblema do poderio financeiro de Wall Street seguem para um depósito em Staten Island, a 25 minutos de Nova York. Ali já se acumulam quase 200 mil toneladas de entulho. O local foi visitado pela primeira vez por uma equipe de jornalistas do programa 60 Minutes, exibido no Brasil pelo canal pago GNT. Hasteada no meio do lixo, esburacada e suja, a bandeira americana, que antes fazia parte da decoração dos prédios, hoje balança ao vento entre as quase 400 pessoas que escavam a área. A estimativa é de que 500 mil toneladas de destroços sejam recolhidas com a limpeza do WTC, o que deverá consumir, no mínimo, dois meses. Há ainda 5.745 pessoas desaparecidas, e nas últimas semanas nenhuma vítima foi encontrada. O que os robôs conseguem achar, por todos os lados, são nacos de corpos. Muitos deles enterrados a uma profundidade que os bombeiros levam semanas para recuperar. O ataque terrorista ainda rende imagens mórbidas. Cerca de mil amostras de tecido humano retiradas dos escombros chegam diariamente aos laboratórios americanos, onde são congeladas em bolsas de plástico.

Saliva – Parentes das vítimas enviam aos médicos porções de sua saliva ou de sua mucosa removidas com cotonete e colocadas num kit de conservação distribuído pelo governo. Familiares de brasileiros desaparecidos também entraram na via-crúcis da identificação, remetendo às autoridades até pentes com fios de cabelo dos mortos. Os genes contidos nessas amostras são sequenciados por computadores, que buscam semelhanças com os fragmentos de pele encontrados nos escombros. Essa tarefa está nas mãos da Myryad Genetics, que em 1996 levou mais de um ano para identificar os 230 mortos no vôo 800 da empresa aérea TWA. A Celera, companhia privada que participou do projeto Genoma Humano (que decifrou o conjunto dos genes humanos), também fará parte dessa força-tarefa. Vai auxiliar a desvendar a sequência genética de amostras em que o DNA contido no núcleo das células foi destruído pelo fogo. Os cientistas devem analisar 400 mil amostras. Somente não há saída para devolver a vida aos mortos.


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