Eric Clapton tem razão de estar cansado. Já carregou o apelido de deus por causa de suas estrepolias com a guitarra e sua biografia certamente é uma das mais intensas e conturbadas da história do rock. A vida do cantor e compositor foi sempre cercada de exageros, do abuso da heroína e do álcool às grandes paixões e tragédias. Nada, porém, foi mais superlativo que o talento para empunhar uma Fender Stratocaster, instrumento que passou a usar por influência do grande amigo Jimi Hendrix e que agora será visto em ação ao vivo, pela derradeira vez no País. Aos 56 anos, o cantor e compositor inglês quer se despedir das turnês internacionais em plena forma técnica. No Brasil, onde se apresentou em 1990, três capitais* assistirão aos shows – com abertura de Frejat – da excursão Slowhand, referência ao apelido que Clapton ganhou ainda jovem, na época do grupo Yardbirds, porque trocava as cordas da guitarra vagarosamente, enquanto a platéia batia palmas cadenciadas.

Acompanhado de músicos do naipe do baterista Steve Gadd e do também guitarrista Andy Fairweather Low, ele revive parte de seus maiores sucessos com os vários grupos dos quais participou em quase quatro décadas de carreira. Não faltarão, por exemplo, Layla – canção que marcou o início de seu romance com Patti Boyd, que ele roubou do amigo e ex-beatle George Harrison –, Sunshine of your love e Badge. Além, é claro, de Cocaine, clássico de J.J. Cale. Parte do espetáculo será dedicada a músicas de álbuns recentes, entre eles os insossos Pilgrim e Reptile, ou a composições que o projetaram para as novas gerações, como a tristíssima Tears in heaven, composta em 1991 depois que o filho Conor, de quatro anos, morreu ao cair do 53º andar do prédio em que morava com a mãe em Nova York.

Clapton soube dar a volta por cima quase sempre ajudado por uma lista invejável de namoradas, que inclui beldades do porte da top model Naomi Campbell, das atrizes Michelle Pfeiffer, Uma Thurman e Sharon Stone e, mais recentemente, da cantora Sheryl Crow, que quase arrastou para o altar. O guitarrista, contudo, nunca sentiu o mesmo fascínio pelo circo do rock’n’roll a ponto de se incomodar quando, em 1966, as paredes do metrô de Londres amanheceram pichadas com os dizeres “Clapton é Deus”. Mais que tudo, ele queria ser um branco tocando blues da melhor maneira possível. Não à toa, cortejou realezas do gênero como B.B. King, Muddy Waters e Willie Dixon, entre outros. E, não por acaso, um de seus momentos de maior virtuosismo aconteceu ao lado do grande bluesman inglês John Mayall. Também teve um breve e genial desempenho no grupo Cream, power-trio com o baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker, que incorporava ao rock improvisos típicos do jazz. Pena que depois de um passado tão brilhante, venha agora se despedir das excursões para, quem sabe, jogar cricket ou ficar polindo suas Ferraris na garagem.

* Porto Alegre, estádio Olímpico, dia 10; São Paulo, estádio do Pacaembu, 11; e Rio de Janeiro, Praça da Apoteose, 13.