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A Constituição de 1988 comemora 20 anos nesta semana sem ter ficado livre da divisão que marcou sua elaboração. De um lado, a liberdade individual e o respeito às regras da democracia. Ela merece ser festejada, entre tantos outros motivos, porque garantiu ao Brasil a possibilidade de afastar, pelo caminho legal, um presidente eleito pelo voto direto. "Deve-se à Constituição de 1988 a construção de um período democrático sem paralelo na história do País", diz o ex-senador Bernardo Cabral (PMDB-AM), que foi o relator da Carta e ministro da Justiça de Fernando Collor, o presidente que perdeu o cargo após impeachment do Congresso. Desde que ela entrou em vigor, o Brasil teve eleições nas datas previstas, quem ganhou tomou posse e encerrou seu mandato sem ter sofrido tentativas de golpe – e isso, com voto universal, de mulheres, analfabetos e maiores de 16 anos, é algo absolutamente inédito. "Não é à toa que Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, a batizou de Constituição Cidadã", diz o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um dos parlamentares que integraram a Constituinte, na época pelo PMDB.

Mas, por outro lado, a Carta mantém um monte de obrigações que sustentam um Estado ainda pesado e ineficiente, uma economia relativamente cartorial e fechada, carente de mais liberdade. Era o que se chamava na época de Constituição Frankenstein, um monstro construído com pedaços de sucata dos mais diversos grupos de pressão. Eles conquistaram na Carta direitos que deveriam ficar limitados a leis comuns. No total, são nada menos que 245 artigos no texto básico e mais 70 nas disposições transitórias. É uma obra longa e explícita, justamente o contrário das constituições clássicas do mundo, curtas e genéricas. Certamente deve-se a isso a avalanche de processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF), encarregado de julgar as ações de inconstitucionalidade. Em 20 anos, nada menos que 4.149 ações deram entrada no STF, que já julgou 2.719. Em 1988, o então presidente José Sarney chegou a dizer que a Constituição tornaria o País "ingovernável". Ainda bem que errou, mas talvez tenha sido por pouco. "Continuo um crítico da Constituição", sustenta Sarney, hoje senador pelo Amapá. "antes dela, a carga tributária era de 22%, hoje é de 32%. criaram-se encargos demais, onerando o Estado e a economia", diz.

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Duas décadas depois, portanto, a Constituição está aí tal como antes: festejada e criticada, respeitada e contestada. O que mudou foi o Brasil que surgiu a partir daqueles 18 meses de debates que envolveram 489 deputados e 72 senadores e mobilizaram a sociedade. O caso da licença-paternidade é exemplar. Autor da emenda, o deputado Alceni Guerra (DEM, ex-Pfldo Paraná) subiu à tribuna sob os risos do plenário. "Como diz Chico Anysio, o dia dos pais é nove meses antes", ironizara, segundos antes, o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães. Pediatra, Alceni relatou histórias de mães que precisaram estar com o marido ao lado na maternidade, inclusive o caso do seu quarto filho. Hoje, o debate é sobre a ampliação da licença. "Se hoje o País é maduro para discutir temas como o aborto de bebês anencéfalos, as pesquisas com células-tronco ou a união homossexual é porque as bases para essas discussões foram dadas pela Constituição há 20 anos", diz o presidente do PPS, Roberto Freire, à época deputado constituinte pelo PCB de Pernambuco.

"Nós estávamos saindo de um período de ditadura e todos os setores da sociedade queriam colocar as suas conquistas no texto constitucional como uma espécie de garantia de que elas não seriam mais tarde violadas", justifica o deputado Michel Temer, hoje presidente do PMDB. "Isso pode ter resultado numa Constituição prolixa e extensa. Mas a verdade é que, a partir daí, esses direitos passaram a fazer parte do arcabouço institucional do País de uma forma incontestável."

Hoje o país pode discutir questões como união de pessas do mesmo sexo e aborto por causa do clima de debates aberto pela constituinte

No dia 22 de setembro de 1988, Lula anunciou que o PT votaria contra o texto final da Constituição (leia artigo do presidente à pág. 68). Alguns parlamentares de ideologia liberal, como Luís Eduardo Magalhães (BA) ou Roberto Campos (RJ), decidiram assiná-la com ressalvas, em separado, pelo motivo oposto ao do PT: eles discordavam do alto grau de intervencionismo. "Mesmo que se critique, mesmo que haja excessos, a verdade é que é o capítulo da ordem econômica que permite ao governo Lula exercer o papel de indutor do desenvolvimento econômico sem descuidar da igualdade social", diz hoje o deputado José Genoino (PT-SP). Vinte anos depois, o País mudou, mas a leitura que cada um faz da Constituição segue a mesma polêmica de antes – Constituição Cidadã ou monstro Frankenstein, ela está aí justamente para ser comemorada e discutida.

No dia 22 de setembro de 1988, Lula anunciou que o PT votaria contra o texto final da Constituição (leia artigo do presidente à pág. 68). Alguns parlamentares de ideologia liberal, como Luís Eduardo Magalhães (BA) ou Roberto Campos (RJ), decidiram assiná-la com ressalvas, em separado, pelo motivo oposto ao do PT: eles discordavam do alto grau de intervencionismo. "Mesmo que se critique, mesmo que haja excessos, a verdade é que é o capítulo da ordem econômica que permite ao governo Lula exercer o papel de indutor do desenvolvimento econômico sem descuidar da igualdade social", diz hoje o deputado José Genoino (PT-SP). Vinte anos depois, o País mudou, mas a leitura que cada um faz da Constituição segue a mesma polêmica de antes – Constituição Cidadã ou monstro Frankenstein, ela está aí justamente para ser comemorada e discutida.