Aos poucos, as grandes plantações de cocaína, heroína e maconha começam a ser trocadas por pequenos laboratórios. Relatório divulgado na semana passada em Viena pela Organização das Nações Unidas (ONU) indica uma diminuição no consumo dessas drogas tradicionais na última década. Em compensação, há maior procura pelas sintéticas – entre elas, o ecstasy. Os dados do Informe Mundial sobre Drogas mostram que o cultivo de coca e a produção de cocaína caíram 20% entre 1992 e 1999. De outro lado, o número de drogas sintéticas apreendidas no mundo cresce cerca de 18% ao ano.

Essa tendência era apontada há alguns anos por especialistas justamente pela facilidade de produção e distribuição das chamadas metanfetaminas. “É um caminho natural. Maconha, cocaína e heroína requerem plantação, colheita, processamento. As anfetaminas são fáceis de fazer e mais baratas”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), em São Paulo. “O combate a essas drogas é o nosso próximo desafio”, completa Laranjeira. Não será fácil. O consumo de ecstasy, a vedete entre as anfetaminas, cresce de maneira assustadora. No ano passado, em São Paulo, o Departamento de Investigação sobre Entorpecentes (Denarc) apreendeu 25 mil drágeas, contra nove mil pastilhas em 1999.

O mercado está tão diversificado que já existe um kit para testar a qualidade da pílula

O princípio ativo do ecstasy é o MDMA (metileno-dimetoxi-metanfetamina), que estimula a produção de serotonina no cérebro, substância responsável pela sensação de prazer. A sensibilidade do usuário aumenta e, por isso, o ecstasy é chamado também de droga do amor. A pílula é consumida principalmente pela moçada da noite, que frequenta raves e clubs. No entanto, começa a se tornar cada vez mais popular. “A tendência desse mercado é crescer e se diversificar”, afirma Laranjeira.

Prova disso é que em Londres, onde a droga nasceu há pouco mais de dez anos, o ecstasy está sendo comparado a uma seita. O escritor e ativista americano Gregory Sams, radicado em Londres, escreveu um livro, intitulado Uncommon Sense, no qual compara o ecstasy com um sacramento e defende que a experiência dos clubbers é extremamente positiva, quase evangélica (leia entrevista ao lado). O mercado também se intensifica. Como qualquer droga, o ecstasy muitas vezes vem misturado a outras substâncias, como a PMA ou Paramethoxyanphetamine, que no ano passado foi responsável pela morte de nove pessoas na Califórnia e em Chicago. Trata-se de um alucinógeno que pode provocar convulsões, dificuldade de respiração e espasmos musculares. Para garantir uma pílula pura, os usuários começam a lançar mão dos E-Test, kits que permitem identificar a substância ativa nos comprimidos, evitando que sejam enganados.

Os kits são vendidos livremente nas lojas de produtos rave, como a Dragon Records, em Camden Town, por volta de 16 libras (R$ 50), e podem ser aproveitados em mais de 150 testes. Basta raspar um pouquinho do comprimido num pires de porcelana branca e pingar uma gota do reagente. Depois, é só comparar a cor resultante com uma tabela de cores, fornecida com o produto, e descobrir o que contém a pastilha.

O Green Party Drugs Group, que faz parte do Partido Verde da Grã-Bretanha, também comercializa esses kits. Spencer Fitzgibbon, da assessoria do partido, esclarece que o objetivo não é fazer apologia das drogas, mas tratá-las como uma questão social. “Somos a favor da descriminalização das drogas, mas o importante agora é garantir condições de segurança aos usuários”, explica. O kit vem com um folheto explicativo sugerindo os tipos de substâncias que devem ser evitadas e recomendando que não se misture o comprimido com álcool e não se tome água em excesso.  

Seita eletrônica
SAMS: sacramento

Em Londres, berço do ecstasy e dos clubs, a cena rave vem sendo comparada a uma “nova igreja”. O mentor da tese é o escritor e ativista Gregory Sams.

ISTOÉ – Como surgiu a comparação das festas e dos clubbers com as igrejas e seus fiéis?
Gregory Sams
– Eles se reúnem aos domingos, porque as festas começam sábado depois da meia-noite. Há uma fidelidade incrível entre eles, ao hábito de se congregar semanalmente. Numa rave, assim como numa igreja, o ambiente é de paz.

ISTOÉ – Não é arriscado comparar o ecstasy ao sacramento?
Sams – Assim como em várias religiões há drogas cerimoniais, nessa é o ecstasy.

ISTOÉ – Quem seria o pastor ?
Sams – O DJ. A maioria das pessoas reconhece o DJ pelo nome e pela batida, mas muito poucas o reconheceriam na rua.

ISTOÉ – Quantas pessoas frequentam essas festas nos finais de semana?
Sams – Algo entre um e dois milhões somente na Inglaterra.

ISTOÉ – Se essa é uma igreja, quais são os seus dogmas?
Sams – Não acredito em dogmas, mas reconheço que tenho amigos meio dogmáticos com relação ao tipo de música. Gosto de trance psicodélico, mas cada um vai atrás da batida que mais lhe interessa.

ISTOÉ – E quais são os pecados?
Sams – Bem, se existem pecados, eles certamente são a má discotecagem e drogas desonestas.