Para o professor americano Albert Fishlow, a lutacontra o terrorismo será longa e demandará maisesforços políticos do que ações militares

Da janela de sua sala na Universidade de Columbia, em Nova York, o professor Albert Fishlow, 65 anos, pôde ver a destruição das torres gêmeas do World Trade Center. Ele estava a dez quilômetros da área atingida pelos atentados naquela tenebrosa manhã de 11 de setembro. Para Fishlow, que foi subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos durante a gestão de Henry Kissinger (início dos anos 70), “este tipo de ameaça só vai ser evitada ou neutralizada se os EUA derem prioridade à política externa e realizarem negociações com grupos que são usados pelos que promovem atentados como os de Nova York e o Pentágono”. Ele deixa claro que a eventual prisão de Osama Bin Laden e um ataque ao Afeganistão não resolverão o problema dos grupos islâmicos antagônicos a Washington. “Não acredito em uma solução rápida para o problema do terror contra os EUA”, diz. Fishlow não admite uma reação capaz de causar hostilidades à comunidade árabe e muçulmana. “Se relacionarmos todos os árabes ou todos os afegãos ao terrorismo, vamos cometer injustiça com inocentes”, declara Fishlow, que classifica o terror como “uma ação intolerável”. Ele não crê numa solução próxima para esse tipo de ameaça e recomenda um trabalho político e diplomático capaz de sensibilizar radicais do movimento islâmico, dos quadros palestinos e da direita israelense. O professor aconselha o Brasil a reagir à crise mundial estimulando as exportações e garantindo um superávit fiscal. Segundo ele, o fato de já produzir mais de 70% do petróleo que consome garante ao País uma situação menos desconfortável do que no passado. Fishlow, que no auge do “milagre econômico” dos anos 70 criticou a falta de distribuição de renda no Brasil, disse a ISTOÉ que o País precisa melhorar seus indicadores sociais. Citou a atuação dos prefeitos do PT em Porto Alegre, em São Paulo e no Recife para justificar sua opinião de que “a possibilidade de os petistas chegarem ao poder em 2002 não é motivo de preocupação dos investidores internacionais”.

ISTOÉ

A crise iniciada com os atentados terroristas nos EUA pode ter uma solução a curto prazo?

Albert Fishlow

É necessário analisar o cenário político e o econômico. Creio que, apesar de todas as atenções estarem voltadas para Osama Bin Laden e um provável ataque ao Afeganistão ou ao Iraque, essa crise faz parte de um longo processo de movimentos realizados nas últimas décadas pelas forças islâmicas. Não vejo uma solução próxima nem acredito que um ataque ao Afeganistão possa esgotar a crise.

ISTOÉ

Nem se o Afeganistão entregasse Bin Laden?

Albert Fishlow

 Exato. Nem assim a crise teria uma solução rápida. Bin Laden não é a única ameaça aos EUA no mundo islâmico. É fundamental, então, que Washington leve em conta a importância de separar os elementos violentos daqueles que simplesmente argumentam contra a política americana. Tem gente na Europa, no Japão e na América do Sul que tem diferenças com a política americana, sem ser antagônica. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso não ficou de acordo com as propostas americanas apresentadas em Quebec (Canadá), em abril, na reunião da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

ISTOÉ

O sr. defende, então, que o governo americano dê maior prioridade à política externa?

Albert Fishlow

É isso. Os EUA têm de dar maior prioridade às questões internacionais e analisar as divergências de países que apresentam propostas diferentes das nossas. Ficamos muito voltados para as questões domésticas, como a redução de impostos. Os problemas domésticos são relevantes e devem ser objeto de prioridades da administração, mas sem colocar as relações externas em plano secundário. Os outros países, naturalmente, podem não aceitar qualquer proposta ou decisão dos EUA. Mas deve-se evitar o confronto e negociar. E isso não representa tolerância com o terrorismo.

ISTOÉ

Em outras palavras, falta negociação, diplomacia?

Albert Fishlow

Faltam relações internacionais mais intensas. Deve-se mudar o cenário, torná-lo voltado para a paz. Esta é uma batalha política longa, mas necessária, que exige uma grande sensibilidade por parte dos EUA, de sua política externa. É preciso ouvir e analisar as divergências das nações, inclusive o Brasil. Através de uma forte prioridade para a política externa, os EUA poderão reforçar a sua liderança.

ISTOÉ

É possível um amplo acordo de paz no Oriente Médio?

Albert Fishlow

Naturalmente que sim. Mas também para o Oriente Médio deve haver uma estratégia de longo prazo. Até porque lá as coisas não são fáceis. Há grupos que não aceitam a liderança de Yasser Arafat (presidente da Autoridade Nacional Palestina), procuram atacar o Estado de Israel e admitem o uso do terror. Também há grupos em Israel que não acatam o primeiro-ministro Ariel Sharon. Claro que a boa vontade de Arafat e Sharon ajudaria muito. Uma longa trégua seria importante para uma distensão no Oriente Médio. Também na Irlanda do Norte há grupos que reconhecem a necessidade de se buscar a paz, assim como na Espanha.

ISTOÉ

É possível reduzir as hostilidades de organizações como as de Bin Laden?

Albert Fishlow

Creio que sim. É preciso evitar as ações violentas contra os EUA e os demais países. Em uma primeira etapa, será preciso neutralizar os grupos que recorrem ao terror. O terrorismo sempre cria uma instabilidade no cenário internacional e pode até mesmo dificultar negociações entre as nações. Deve-se evitar o crescimento de antagonismos em países cujas populações ainda sofrem com muitas restrições sociais, inclusive no Oriente Médio.

ISTOÉ

A ONU pode voltar a ser um instrumento de mediação internacional?

Albert Fishlow

 É preciso apoiar a ONU, mas a globalização criou uma nova realidade, que torna necessária a ampliação do seu Conselho de Segurança. Esse órgão não pode ficar apenas nas mãos dos atuais cinco membros, EUA, Rússia, China, Reino Unido e França. É preciso abri-lo para um maior número de países na segurança internacional, inclusive assegurando ao Brasil a condição de membro permanente.

ISTOÉ

Mas a ONU pode voltar a negociar conflitos antes de uma potência mobilizar seu poder militar?

Albert Fishlow

 A ONU tem um papel relevante na segurança internacional e já promoveu negociações decisivas para reduzir tensões. Creio ser este um momento oportuno para se ampliar o número de membros permanentes no Conselho de Segurança. Essa crise dos atentados deixou isso mais à vista. Mas já na Guerra do Golfo ficou clara a necessidade de outras nações, como o Brasil, a Alemanha, o Japão e um país da África, terem lugares permanentes. A ONU não pode ser neste novo milênio a mesma entidade dos anos 50.

ISTOÉ

Até que ponto essa crise afeta a economia mundial?
 

Albert Fishlow

A economia americana vem tendo problemas. Antes dos atentados, havia sinais de falta de dinamismo das atividades econômicas. Com os atentados, logo ficaram mais claras as indicações de recessão, que vêm se acentuando neste segundo semestre. Isso, sem dúvida, tem implicações negativas para os demais países. Mas não acredito em uma crise de proporções incontroláveis. Acredito que em 2002 a economia americana e a mundial vão começar a se recuperar. O Brasil tem condições de não sofrer muito o impacto da crise, porque já produz petróleo para grande parte de seu consumo.

ISTOÉ

A economia americana não vai crescer em 2001?

Albert Fishlow

Creio que não. Antes da crise, havia sinais de redução da atividade industrial, o que forçou a atenção a voltar-se para os problemas domésticos. O governo procurava evitar a recessão reduzindo juros. As empresas aéreas já reduziram as atividades. Neste semestre não deveremos ter crescimento. Por isso deve haver uma redução maior na taxa de juros. Há também o fato de o governo começar a gastar com Nova York e os aeroportos, além de fazer investimentos em segurança e ajudar empresas de alguns segmentos da economia.

ISTOÉ

A expectativa de paz com o fim da guerra fria já está superada?

Albert Fishlow

Precisamos acreditar que a paz mundial não é uma utopia. Mas creio que já não se tem a ilusão, que muitos tinham, de uma paz definitiva. Com as mudanças do Leste Europeu e depois de uma breve transição, assistimos ao crescimento da Polônia, da Rússia e de outros países. Mas estamos em um momento de surtos de violência não só no nível de nação, mas também de grupos e quase individual. Esta é uma ameaça que infelizmente persiste e pode prejudicar o anseio de paz. Já não duvidamos que algumas pessoas lancem aviões contra prédios de grandes cidades, causem a morte de milhares de inocentes, comoção internacional e enorme destruição material. Por isso é que é preciso dar prioridade à diplomacia.

ISTOÉ

 Como evitar a violência de grupos terroristas?

Albert Fishlow

Só há uma saída: procurar entender por que alguns grupos islâmicos e de outras origens alimentam tanta hostilidade aos EUA. Não basta apenas pensar nas armas para garantir a paz. Temos de pensar também por que não deve haver possibilidade de conversar com esses grupos, de buscar uma coexistência pacífica. Ou tentamos conversar, negociar, ouvir ou não haverá muita possibilidade de sobrevivência ou de paz. Com a tecnologia de guerra disponível e pessoas dispostas a morrer no ato de violência, é difícil garantir a paz sem negociações. Não podemos ser reféns desses grupos, mas precisamos fazer esforços pela paz. Acredito que é possível reduzir as tensões e que a paz deva interessar aos dois lados.

ISTOÉ

Por que a globalização vem penalizando a economia brasileira?

Albert Fishlow

Porque a globalização não altera, isoladamente, o processo de desenvolvimento de um país. São necessárias iniciativas internas. São também necessárias reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no comércio bilateral com os EUA, acordos para mais abertura aos produtos brasileiros. O Brasil precisa explorar mais o mercado mundial. Os países da América Latina, especialmente o Brasil, receberam muitos investimentos estrangeiros, mas não aumentaram sua participação no comércio internacional. Há produtos brasileiros, como o aço, o suco de laranja e calçados, que têm de ter suas exportações ampliadas. O México aumentou suas exportações entre 15% e 20% ao ano e o Chile também está conseguindo taxas de crescimento de 10%. O Brasil precisa de uma taxa contínua de crescimento nas exportações de 10% ao ano. Este ano pode atingir um crescimento de 5% nas vendas para o Exterior. Não é o suficiente.

ISTOÉ

O que mais o preocupa em relação ao Brasil?

 

Albert Fishlow

Sem dúvida, é a dificuldade de o País formar uma poupança própria maior, para não necessitar tanto dos investimentos estrangeiros, e alcançar uma taxa de crescimento sem empréstimos. O Brasil tem a mesma poupança de 40 anos atrás. Outro problema é o grande aumento da dívida externa pela desvalorização do real. Isso aconteceu em 1999 e se repete agora, como consequência da instabilidade. O Brasil precisa de juros altos para atrair mais recursos, mas essas taxas nas alturas penalizam a indústria. A dívida aumenta e se multiplica.

ISTOÉ

Como reverter os indicadores sociais do País?

Albert Fishlow

 Infelizmente as crises da Ásia e da Rússia e as dificuldades da Argentina impediram o governo brasileiro de gastar mais na área social, para reduzir os índices de pobreza e os problemas de educação, saúde e moradia. Se o Brasil insistir nas exportações e tiver um superávit fiscal, poderá investir mais na área social.

ISTOÉ

As eleições de 2002 preocupam os investidores?

Albert Fishlow

 Não há razão. Creio que já existe um compromisso da sociedade e de diversas tendências políticas com a estabilidade e uma consciência de que a melhoria dos indicadores sociais deve ser uma das prioridades. Quem chegar ao poder em 2002 vai reconhecer a realidade: que a sociedade quer a estabilidade e também melhores indicadores sociais, o que pode ser alcançado pela educação. A realidade de hoje é bem diferente da que havia há 20, 30 anos.

ISTOÉ

Pode voltar a polêmica sobre a estabilidade versus combate à pobreza?

Albert Fishlow

 Não creio. As prefeituras do PT em Porto Alegre e no Recife atuam com a intenção de melhorar a situação do povo e não têm preconceitos contra o capital externo e a livre iniciativa. Não deve haver preocupação dos investidores internacionais com a possibilidade de o PT chegar ao poder em 2002.

ISTOÉ

Então, suas previsões para o futuro do Brasil não são pessimistas?

Albert Fishlow

Não. No Brasil persistem alguns problemas, como o da energia, com efeitos negativos na economia. É óbvio que este setor precisa de investimentos. E há falta de investimentos externos. Mas o Brasil ainda pode receber US$ 17 bilhões nos próximos meses, embora haja uma expectativa de redução dos investimentos externos no Brasil em 2002. Isso explica a atual desvalorização do real, que antes foi demasiadamente valorizado.

ISTOÉ

O esvaziamento do Mercosul é definitivo?
 

Albert Fishlow

 Não acredito. O Mercosul passa por um momento difícil, sem a consistência que havia antes dos problemas da Argentina e dela com o Brasil e vice-versa. De um lado, a desvalorização brasileira alterou a relação econômica entre os dois países. Em segundo lugar, a Argentina sofre o impacto da recessão. Na realidade, os argentinos vão ter um crescimento negativo este ano e, com isso, o comércio internacional na América do Sul é naturalmente afetado. O Mercosul já foi comprometido pelos problemas da Argentina e pelas mudanças ocorridas na economia brasileira. Os dois países devem aumentar as suas exportações de maneira global, para quantos países for possível exportar seus produtos.