No início dos anos 90, a não ser que você tivesse um bom dinheiro disponível, era muito difícil comprar imóvel no Brasil. A maioria dos bancos financiava apenas a metade – ou menos – do valor total do bem, o que obrigava as pessoas a passar anos acumulando reservas até ter saldo suficiente para fechar um negócio. A partir dos anos 2000, o crescimento econômico e a estabilidade da moeda levaram à expansão do crédito, e milhões de brasileiros puderam, enfim, realizar o sonho da casa própria. Na semana passada, o avanço conquistado a duras penas sofreu um revés. A Caixa Econômica Federal reduziu de 80% para 50% o valor máximo do financiamento dos imóveis usados que custam até R$ 750 mil. Acima disso, o corte foi ainda mais drástico, com a exigência de entrada mínima de 60%. A medida afetará todo o setor. A Caixa responde por 70% do crédito imobiliário no Brasil e, de alguma maneira, tudo o que ela faz acaba repercutindo nas estratégias dos bancos privados. Por ora, eles garantem que manterão seus programas de financiamento, mas é pouco provável que continuem oferecendo crédito com apenas 20% de entrada.

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LINHA DURA
Desde que assumiu a presidência da Caixa, em fevereiro, Miriam Belchior
anunciou o aumento dos juros e o corte nos financiamentos

A dentista Patrícia Del Bel, 29 anos, foi surpreendida pelas novas regras. Há pouco tempo, ela e o marido venderam um terreno para ajudar na compra de um apartamento de R$ 640 mil em São Paulo. A ideia era dar 32% de entrada e financiar o saldo restante com a Caixa. O casal chegou a preparar toda a documentação, mas não adiantou. “Na sexta-feira 24, recebemos uma mensagem da corretora dizendo que haveria mudanças em breve e que nosso crédito provavelmente não seria aprovado”, diz Patrícia. Na terça-feira 28, já com as novas medidas oficializadas, a corretora confirmou o veredicto: o casal precisava de uma entrada maior. “O problema é que não temos dinheiro para isso”, afirma Patrícia. Não é difícil imaginar quantos casos idênticos a esses se repetirão nos próximos dias. Multiplique isso pelo Brasil inteiro e o que se tem é um cenário perigoso não só para o setor, mas para toda a economia.

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SONHO DESFEITO
A dentista Patrícia Del Bel tinha toda a documentação certa para
comprar o apartamento, mas a exigência de uma entrada
maior a obrigou a adiar os planos

O argumento de que as mudanças têm potencial para estimular a venda de imóveis novos não se sustenta. De acordo com o Secovi, que reúne empresas do setor imobiliário, a notícia é ruim para todos. “O mercado de usados costuma alavancar o de novos”, diz Celso Petrucci, economista-chefe da entidade. “Uma pessoa pode ter uma casa que comprou há 10 anos e querer usar esse recurso para adquirir outro imóvel. Agora, ela vai ter dificuldade para vender.” Tudo indica que a Caixa provocará estragos em um ramo já impactado pela crise. Em São Paulo, o maior mercado do País, as vendas de apartamentos novos de três dormitórios despencaram 49% em fevereiro na comparação com o mesmo mês do ano passado. É fácil de entender como isso afeta o conjunto da economia. Se as construtoras não fecham negócios, elas cortam investimentos. Param de comprar matéria-prima – cimento, revestimentos, material elétrico –, o que afeta todo o mercado da construção civil. Também deixam de contratar mão-de-obra – engenheiros, pedreiros, eletricistas. Alimentam, assim, o desemprego.

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A política de cortes da Caixa ganhou força desde que a ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, assumiu a instituição, em fevereiro. O governo garante que o ajuste foi feito para estimular o mercado de novos, mas a verdade é que ele se deve à escassez de recursos. A poupança é a principal fonte usada pelos bancos para o financiamento imobiliário. Com a caderneta em baixa (no primeiro trimestre de 2015, os saques superaram os depósitos em R$ 23 bilhões), a saída encontrada foi dificultar a vida dos compradores. Há um mês, Miriam já havia anunciado o aumento dos juros do financiamento imobiliário em 0,3 ponto percentual, encarecendo assim o crédito. Se até pouco tempo atrás o governo petista se vangloriava de ser o principal responsável pelo acesso à casa própria para milhões de brasileiros, agora ele é o estorvo que impede as pessoas de realizarem os seus sonhos.

Fotos: Ag. Brasil; Gabriel Chiarastelli