Uma herança traumática foi o legado dos nove anos da Guerra do Vietnã. A oposição de parte da opinião pública americana delimitou até onde a sociedade está disposta a sacrificar vidas para apoiar um conflito mundial. Vingança com o mínimo de baixas passou a ser a prioridade dos laboratórios de tecnologia bélica desde a década de 70. A miniaturização e a inteligência artificial tornaram realidade algumas idéias notáveis, como o inseto eletrônico com detector de minas terrestres e armas químicas, as aeronaves pilotadas por computador que são invisíveis aos radares e carregam armas e câmeras até o inimigo, ou o avião que leva a bordo metralhadoras giratórias para disparar seis mil tiros por minuto.

Mesmo que o pretexto seja salvar almas americanas, a lógica não deixa de ser econômica: sai mais em conta detonar milhões de dólares em aviões-robô do que dizimar pilotos submetidos a rigoroso e caro treinamento para comandar um caça. A primeira guerra do século XXI será pitoresca e sem precedentes. É abissal a disparidade tecnológica entre os americanos e os terroristas do Taleban. É o que especialistas chamam de “guerra assimétrica”, em que os adversários têm forças de tipo e envergadura distintos. A paisagem inóspita e montanhosa do Afeganistão e a lendária resistência em embates passados servem de convite para os EUA testarem seus veículos não tripulados de combate aéreo.

Na semana passada, o governo americano reconheceu, sem entrar em detalhes, ter perdido um desses espiões de asas em território afegão. Uma agência de notícias russa atribuiu ao Taleban a autoria do abate de pelo menos dois aviões-robô em missão de espionagem. Guiadas por sistema de satélite GPS e indetectáveis pelos radares inimigos, as aeronaves-robô são a versão high tech dos pilotos camicases do atentado contra Nova York. Construído pela americana Northrop Grumman, a aeronave Global Hawk possui sensores ópticos de alta resolução e raios infravermelho para captar cenas noturnas. Voa a 20 mil metros acima do mar, quase o dobro dos aviões de carreira, e registra imagens do solo como se o fotógrafo estivesse num helicóptero. Em abril, o Global Hawk realizou sua primeira façanha transoceânica: foi da Califórnia, nos EUA, a Adelaide, na Austrália, em 23 horas e 20 minutos, num percurso de 13 mil km sem abastecer. Bateu dois recordes: o de altitude e o de duração de vôo sem tripulantes.

Xodó – Nos hangares da mesma Northrop estão estacionados os 21 únicos exemplares do bombardeiro B-2 Spirit, de US$ 2 bilhões, a menina dos olhos da Força Aérea americana. Cada um carrega 20 toneladas de mísseis e bombas, inclusive nucleares. Sem tripulação, a aeronave é pilotada por um computador com muita milhagem. Usado com sucesso em combates patrocinados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ele só não é o mais recomendado para uma missão suicida.

O mais perto que a tecnologia chegou do fanatismo dos pilotos camicase foi o MicroSTAR, avião-robô de 100 gramas criado pela Lockheed Martin em parceria com a agência de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA. Equipado com bateria, câmera de vídeo e sistema GPS, ele sobrevoa uma base inimiga quase incógnito. Com alguma sorte, pode ser confundido com um pássaro. Como no mundo da espionagem a discrição é tudo, os detetives eletrônicos encolhem a cada dia. Outra invenção surgiu no Sandia National Laboratory: um aparelho de 28 gramas, menor do que uma moeda, com polias e esteiras para se mover como um tanque de guerra em miniatura e que traz embutidos microfone, sensor químico e detector de minas terrestres. Sua habilidade está nos dois motores e nas três baterias de relógio. No futuro, os espiões robotizados carregarão gases letais ou explosivos. Hoje, estão programados para assolar as bases inimigas aos enxames, espalhando-se como se fossem insetos de verdade.

Depois da desastrada experiência em abater os mísseis Scud lançados pelo Iraque na Guerra do Golfo, os EUA enfim criaram um sistema antimísseis eficaz. Em setembro do ano passado, o Departamento de Defesa testou no deserto do Novo México o canhão laser tático de alta energia (THEL), da americana TRW. O aparelho localizou, rastreou e abateu em pleno ar dois foguetes armados de explosivos. O canhão laser de US$ 201 milhões, pagos pelos governos dos EUA e de Israel, tem radares para detectar o alvo no ar e projetar intenso calor até os mísseis pegarem fogo.

Pára-quedistas – Desde 1991, o Exército testa sua versão do soldado do futuro, um misto de Rambo com Robocop (leia quadro). Outra possibilidade de ataque são os pára-quedistas Halo, abreviação em inglês para salto a elevada altitude e abertura a baixa atitude. Na prática, um grupo de soldados viaja num avião igual aos usados em vôos comerciais, para não levantar suspeitas, e salta em queda livre até poucos metros do solo, quando então abrem-se os pára-quedas, num pouso certeiro.

Se a intenção for provocar estrago, a Força Aérea pode convocar as metralhadoras voadoras AC-130 Gunship, versão do quadrimotor Hercules C-130, da Lockheed. Apelidados de Spectre, que em inglês significa fantasma ou aparição, esses aviões guiados por satélite são igualmente invisíveis aos radares e carregam um arsenal que, durante a Guerra do Vietnã, destruiu dez mil caminhões. O tipo, a quantidade de armas e a distância do alvo dependem da ocasião. Há balas para perfurar concreto e outras para explosão. Algumas são disparadas a 500 metros, outras, a dois km. A aparição é velha de guerra: no Golfo seu papel foi heróico, mas três Spectre viraram fumaça no conflito de Kosovo. O avião fantasmagórico abriga canhões de 105 mm e metralhadoras giratórias Vulcan de 20 mm com capacidade para cuspir seis mil balas por minuto. Resta saber se o arsenal tecnológico será suficiente para vencer um povo que se alimenta de minerais cavucados da terra e usa como munição o ódio e a fé que remove montanhas. Na geografia do Afeganistão, essa habilidade pode fazer toda a diferença.