O deputado Carlos Soria, ex-presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento das investigações sobre os atentados terroristas ocorridos em 1992 e 1994 na Argentina, disse a ISTOÉ que está convencido de que o brasileiro Wilson dos Santos, atualmente detido em Buenos Aires depois de ter sido extraditado da Suíça, trabalhou para uma agência de inteligência brasileira. Santos será julgado por perjúrio por ter renegado um depoimento prestado à Polícia Federal, em novembro de 1994, em que afirmava ter alertado representações diplomáticas da Argentina e de Israel na Europa sobre o atentado terrorista perpetrado contra a Associação Mutual Israelita da Argentina (Amia), ocorrido em 18 de julho daquele ano, que matou quase 100 pessoas. Segundo o parlamentar, Santos foi plantado pela antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) para alertar oficiosamente as autoridades argentinas e israelenses sobre o atentado. Isso porque “o governo brasileiro não poderia, na ocasião, ter atuado de forma institucional devido aos compromissos firmados com governos árabes”. Soria disse a ISTOÉ que essa informação sobre Santos foi transmitida por um diretor do serviço brasileiro a um colega argentino, quando esteve na Argentina participando de um encontro secreto sobre o possível trânsito de elementos suspeitos de atividades terroristas pela região de tríplice fronteira, comum ao Brasil, Argentina e Paraguai.

ISTOÉ tentou confirmar a história com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sucessora da SAE, mas um funcionário informou que a agência “não fala com jornalistas” e, nesse caso, o Planalto é que deveria ser contatado”. Em Brasília, o editor Eduardo Hollanda obteve de fontes do Gabinte Institucional de Segurança a declaração de que Wilson dos Santos “nunca pertenceu aos quadros de órgãos de inteligência, nem foi funcionário do governo”.

Santos procurou ISTOÉ em novembro de 1994 afirmando ter informações sobre o atentado contra a Amia. Disse que soube antecipadamente que o ataque ocorreria e que tentara alertar as autoridades diplomáticas argentinas e israelenses em Roma e Milão, mas não haviam lhe dado o mínimo crédito. Ele revelou que fora aliciado por um grupo de iranianos em Buenos Aires e acabara tendo um romance com uma de suas integrantes, de nome Nasrin, que lhe contara sobre os preparativos para o atentado. Santos concordou em retornar a Buenos Aires, numa viagem patrocinada por ISTOÉ, para refazer os itinerários percorridos pelo grupo. Aceitou também ir à Polícia Federal argentina para prestar depoimento, o que foi testemunhado por ISTOÉ. Todavia, no segundo dia de permanência na capital argentina, o brasileiro desapareceu do hotel e reapareceu no consulado brasileiro, pedindo proteção para retornar ao Brasil e um advogado para que pudesse retificar seu depoimento, alegando que ele havia sido “inventado” com o objetivo de auferir dinheiro.

As autorias dos atentados à Amia, em 1994, e à embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992, jamais foram apuradas. Mas uma investigação realizada em janeiro de 2000 por um jornal argentino, o Diário Rio Negro, chegou a conclusões surpreendentes. Os repórteres Norberto Bermúdez e Carlos Torrengo ouviram dezenas de fontes na Europa e da própria Secretaria de Inteligência do Estado (Side), e chegaram à conclusão de que os dois atentados não tinham só Israel como alvo, mas pretendiam causar danos políticos à imagem do então presidente Carlos Menem. Tratava-se, como explicou Torrengo a ISTOÉ, “de um bem orquestrado ato de vingança e intimidação armado pelos serviços secretos da Síria e da Líbia contra Menem, ele mesmo de origem síria”.

Segundo apurou o jornal, Menem “recebeu US$ 40 milhões, fornecidos pelos governos da Síria e da Líbia durante as duas campanhas presidenciais (1989 e 1995)”. Em contrapartida, Menem prometera ao coronel Muammar Khadafi, ditador da Líbia, fornecer tecnologia do míssil Condor, de quatro mil quilômetros de alcance. Já ao governo sírio o presidente prometeu nada menos que tecnologia nuclear. Menem não cumpriu as promessas, entre outras coisas porque as pressões dos EUA obrigaram a Argentina a desmontar o projeto Condor. Depois disso, o triângulo Buenos Aires/Trípoli/Damasco se desfez. O então presidente sírio, Hafez Assad, por exemplo, se recusou, várias vezes, a receber Munir, irmão e emissário de Menem.

Para o Diário Rio Negro, os milhões de dólares aportados às campanhas de Menem chegaram a Buenos Aires através de uma complexa rede de contas bancárias abertas na Suíça e que dirigiam os fundos a Buenos Aires através do Paraguai, Síria, Kuait, Iraque, Arábia Saudita e também via Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Os investigadores descobriram também a existência de um poderoso lobby árabe, denominado “Mathaba”, que obtinha fundos para candidatos presidenciais de origem árabe em vários países latino-americanos. Mathaba aportou grande soma de dinheiro nas campanhas dos ex-presidentes Carlos Serrano Elias (Guatemala), Abdalá Bucaram (Equador) e Carlos Flores Fazhusi (Honduras). Além, claro, do próprio Menem.