PAULO-LIMA-01-IE.jpg

Assim como o Brasil, Carlos Imperial é difícil de definir.

Senão vejamos, como alguém pode juntar numa única biografia as seguintes linhas:

Produtor musical que descobriu e ou lançou nomes como Roberto Carlos, Elis Regina, Tim Maia , Clara Nunes, Simonal e Erasmo Carlos. Diretor de cinema. Ator de pornochanchadas. Jurado de televisão. Colunista de revistas e jornais. Dublê de ativista anti-ditadura. Vereador.
Locutor das apurações dos desfiles de carnaval. Candidato a prefeito do Rio. Apresentador de programas na TV.

Cada uma dessas “façanhas” aparece com riqueza de detalhes no documentário “Eu sou Carlos Imperial” concebido e dirigido por Ricardo Calil e Renato Terra, com produção da Afinal Filmes e coprodução do Canal Brasil.

Quatro anos atrás a dupla já tinha lançado o interessante documentário “Uma Noite em 67” sobre o auge dos festivais da TV Record em sua fase pré-igreja universal. Na produção sobre Imperial, além de se mostrarem  claramente mais maduros , confiantes e soltos na direção, ambos contaram com dois apoios preciosos.

O co-roteirista Denilson Monteiro , autor do livro “Dez! Nota Dez! Eu Sou Carlos Imperial”, dono de um cabedal infinito de informações sobre a vida desta criatura exótica do folclore nacional, foi fundamental para aprofundar a tentativa de entendimento do personagem. Já a montadora Jordana Berg, conhecida por fazer parte da equipe do papa dos documentários no Brasil, Eduardo Coutinho, emprestou seu notável saber, desempenhando com rigor de cirurgião experimentado, uma das mais difíceis tarefas numa obra do gênero: cortar o supérfluo e eleger o cerne que ajudará a contar a história da melhor maneira. Ainda assim, é possível mencionar pequenas lacunas. Um exemplo: o fato de Imperial ter sido capaz do feito hercúleo de pedir a mão da filha de Carlos Gracie em casamento, enfretando em plena década de 50, não só o patriarca do clã mais temido do Rio de Janeiro daquela época, mas também os irmãos, tios e a própria noiva, ela mesma uma faixa-preta de alta patente, por exemplo, fica lamentavelmente de fora do corte final da fita. Mas é absolutamente compreensível que uma vida tão absurdamente cheia de histórias inacreditáveis judie dos editores desse modo e os faça ter que abrir mão dessa e de outras pérolas.

Uma das cenas mais interessantes do filme é aquela em que Imperial, já bem mais magro em função de cirurgias e tratamentos que acabaram levando-o à morte, relata com riqueza de detalhes a Paulo César de Araújo, o famoso biógrafo não autorizado de Roberto Carlos, as torturas que sofreu nas mãos dos militares nos tempos da repressão. Entre outras agressões horrendas, um tiro no joelho que destruiu
sua articulação é descrito com todas as cores e dores. Tudo muito bom não fosse o fato de que o desenrolar do documentário revela em seguida que nada disso acontecera de fato. Era, isso sim, mais uma das mentiras ou “criações ficcionais” perpetradas pelo rei dos cafajestes de então. A velha lenda da cenoura que teria sido “encontrada” em reentrância improvável do corpo do ator e galã Mario Gomes, é outra das canalhices atribuídas ao lado menos louvável da “criatividade” do protagonista da fita. Entre depoimentos de filhos, amigos, inimigos e outros contemporâneos, revela-se em “Eu sou Carlos Imperial”, bem mais que um personagem ao mesmo tempo encantador e execrável da história do mundo pop nacional. O que sai da impressora no final, é um límpido desenho da cara do Brasil. Algo ainda indefinido que passeia por entre a falta absoluta de caráter e de honestidade, com um incrível poder de sedução, uma inteligência criativa original e notável nem sempre usada para os melhores fins e uma capacidade de expressar carinho e amor quase tão grande quanto a habilidade para destruir usando a força imbatível da ignorância.

Como dizia o próprio “Impera”, revelando mais uma face de sua ética canhestra, “Meus amigos não tem defeitos. Meus inimigos, se não tiverem eu ponho”.