O presidente da amfAR, fundação para pesquisas em HIV, conta como se tornou ativista. Ele reune estrelas internacionais em bailes beneficentes para obter doações e aposta US$ 100 milhões na cura em cinco anos

VERM-ABRE-IE.jpg
EM SÃO PAULO
"Contei a Cher que o Brasil é um dos líderes na luta contra a Aids"

 

Depois do baile, as luzes se apagam, o glamour desaparece e é hora do americano Kevin Frost arregaçar as mangas. O 5o Inspiration Gala da amfAR (Fundação de pesquisa para a Aids), em São Paulo, levou a veterana atriz americana Cher ao palco armado na mansão do empresário Dinho Diniz, na noite de sexta-feira 9. Assim como ela, o estilista Jean Paul Gautier foi homenageado. Naomi Campbell foi co-hostess. Kyrlie Minogue levantou a plateia black tie com seu pocket show. Kate Moss ferveu no palco da boate after party, até as três horas da manhã. Juliana Paes, Sabrina Sato e Deborah Secco esquentaram o leilão beneficente. Uma fotografia de Elizabeth Taylor, clicada em 1962, pelo fotógrafo Bert Stern nos bastidores das filmagens de Cleópatra foi arrematada por US$ 55 mil.

VERM-02-IE.jpg
"Liz Taylor, nossa co-fundadora há 29 anos, era fantástica. No baile
em São Paulo, leiloamos uma foto dela como Cleópatra,
arrematada por US$ 55 mil"

 

O baile arrecadou US$ 1,8 milhão. Nessa passagem pelo Brasil, Frost se impressionou com a euforia dos brasileiros em receber Cher, estrela americana, há 50 anos, e uma das divas do movimento gay. “Ela é estrela de verdade.” Frost conta que assistiu ao Summer Cher Show quando tinha oito anos de idade. Mas, no encontro no Brasil, não disse isso para a atriz. “Às vezes, fico nervoso em fazer alguém se sentir mais velho. Imagine, tenho 52 anos e seria horrível comentar uma coisa assim com ela”. Quase 30 anos depois de Elizabeth Taylor ter ajudado a fundar a amfAR, em 1986, cabe agora a esse ex-aspirante a cantor de ópera mobilizar celebridades e doadores ao redor do mundo. Neste ano, ele anunciou investimentos de US$ 100 milhões e aposta na cura da Aids, até 2020. O desafio é ambicioso e não tem garantia. “Mas é melhor tentar e falhar do que nunca tentar”, diz Frost. 

VERM-03-IE.jpg
"No Brasil, um gay é morto a cada 28 horas. Ser gay e viver com Aids
ainda continua sendo um estigma opressivo"

ISTOÉ

 Como os recursos doados a amfAR contribuem para o avanço das pesquisas em Aids?

 
Kevin Frost

 Quando as pessoas apoiam uma organização de pesquisa, elas dão suporte a um plano de longo prazo. É diferente de ajudar uma organização de apoio às vítimas, que fornece comida, casa e serviços para pessoas soropositivas com importantes necessidades imediatas. A contribuição nestes cinco anos de amfAR, no Brasil, é de extrema importância. Estamos empenhados em resolver a epidemia de uma vez por todas. Queremos encontrar a cura. O investimento em pesquisa requer tempo. Temos de apoiar esse tempo. Se encontrarmos a cura, é a cura para todos. Não só para os ricos ou para um grupo. 

 
ISTOÉ

 É difícil falar em cura da Aids. O HIV é um vírus mutante, com esconderijos dentro das células. Não se trata só de investimento em pesquisas, mas de uma luta com intrincados desafios para a medicina. Como acreditar na cura em cinco anos, como propõe a amfAR?

 
Kevin Frost

 Como acreditar… Sim, é realmente um desafio. Mas vamos lembrar tudo que já ultrapassamos. Há 25 anos, nos perguntávamos: o que é isso? Ok, é um vírus. Como ele infecta? Ataca o sistema imunológico. Agora, a pergunta é: como se ataca um vírus que muda dentro da célula? Estamos aprendendo cada vez mais. Lembre-se de que há casos de infectados que foram curados (com níveis indetectáveis do vírus há anos). Esses pacientes nos ensinaram sobre o caminho para a cura. É com essas pessoas que aprenderemos a curar. É possível acreditar na cura em cinco anos? Eu acredito. Posso garantir? Não. Mas é melhor tentar e falhar do que nunca tentar. 

 
ISTOÉ

 Quais foram as descobertas científicas apoiadas pela amfAR? 

 
Kevin Frost

 Nunca foram muitas. Nos primeiros anos da epidemia, apoiamos um estudo pioneiro da cientista Ruth Ruprecht, de Harvard, na prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho, com uso de drogas anti-virais. Hoje, prevenimos a transmissão em recém–nascidos. Há outro estudo daquela época em que descobriu-se como o vírus entra na célula. A molécula de entrada, CCR5, fica na superfície da célula e há pacientes que têm uma mutação celular e não apresentam o CCR5. Sem este receptor, o vírus não entra na célula e as pessoas ficam imunes. Essa descoberta nos fez entender como uma pessoa pode ser curada. O caso de Tim Brown (executivo americano, conhecido como o “Paciente de Berlim”, foi a primeira pessoa considerada curada do HIV, após tratamento na Alemanha) é exemplar. Ele precisava de transplante de células tronco e achou um doador sem CCR5. Ele não foi reinfectado e está imune há anos.

ISTOÉ

 E os tratamentos?

 
Kevin Frost

 Das seis classes de drogas que tratam pessoas com HIV, quatro delas encontraram a sua rota nas pesquisas apoiadas pela amfAR, como os inibidores de protease, por exemplo. A amfAR ajudou a financiar o desenvolvimento dessas drogas. O primeiro modelo de como o HIV ataca as células foi apoiado por nós e ajudou a desenvolver as drogas. Você tem de entender a estrutura do vírus e da célula CD4 (do sistema imunológico) para a achar o tratamento. Levamos 10 anos para entender isso.

ISTOÉ

 Que pesquisas patrocinadas estão perto de serem transformadas em descobertas?

 
Kevin Frost

 Há muitas frentes. É como uma corrida. Temos 250 pesquisas ativas sendo patrocinadas. Cientistas competem entre si para realizar descobertas na Austrália, na Ásia, na China, na Índia, nos Estados Unidos e no Brasil. São centros de pesquisas em Harvard, nas universidades em Sidney e Melborne, na London School, na Inglaterra, no Instituto Pasteur, na França. 

 
ISTOÉ

  Qual é o critério de distribuição do dinheiro arrecadado? 

 
Kevin Frost

 Temos um grupo científico que cuida disso. Perguntamos quanto de dinheiro temos e qual é a pesquisa científica para a qual deve ser endereçado aquele recurso. Nosso grupo de cientistas faz um relatório para outro grupo independente. Eles revisam e estabelecem um ranking de prioridades, que seguimos.  

ISTOÉ

O que o sr. contou a Cher sobre a Aids no Brasil?
 
Kevin Frost

  Passamos três horas jantando no restaurante Fasano, na véspera do baile. Contei que o Brasil tem sido um líder na luta contra a Aids. O Brasil fornece tratamento e fabrica medicações, o que tem um efeito profundo no combate à doença aqui. O Brasil mostrou a outros países que pode administrar a epidemia de uma maneira proativa. O desafio é que os tempos estão difíceis. A economia está mudando e os primeiros cortes são nos programas sociais. Espero que os problemas sejam breves. O Brasil está tão bem na luta contra a Aids que seria triste se as coisas regredissem. 

 
ISTOÉ

 A amfAR apoia o Instituto Evandro Chagas, no Rio de Janeiro. Como avalia o estudo aqui?

 
Kevin Frost

 É uma pesquisa interessante e só existe no Rio. Aprendemos que dar drogas retrovirais a pessoas não infectadas pode prevenir a Aids. Isso foi testado em heterossexuais. O estudo feito no Rio é focado em casais gays. Na pesquisa, um parceiro é HIV positivo e o outro é HIV negativo. A pergunta é: tratar o indivíduo HIV positivo previne a contágio do parceiro HIV negativo? 

ISTOÉ

 O estigma da Aids mudou?

 
Kevin Frost

 Às vezes acho que está melhor, outras vezes sinto que está piorando. Muita gente não foca no que é realmente importante na vida. Me refiro a alguns políticos e pessoas extremamente religiosas. O estigma da Aids é significativo. Pessoas com a doença enfrentam discriminação. Muitos infec­tados encaram o estigma só por serem gays. No Brasil, um homem gay é morto a cada 28 horas. Mais de três mil por ano são mortos. Isso é um tremendo estigma social que paira sobre ser gay. Viver com Aids na sociedade continua opressivo. E é só uma doença. É só, vírus. Mas as pessoas não vêem assim.

 
ISTOÉ

 O Ministério da Saúde apontou, em suas últimas pesquisas, o aumento de casos de Aids, no Brasil entre homossexuais e jovens. Por que?

 
Kevin Frost

 O problema acontece em outros países e isso é uma falha na prevenção. Há preconceito com campanhas para o público homossexual. E os jovens precisam de uma comunicação honesta sobre os riscos. 

 
ISTOÉ

 Pesquisas mostram que o uso da camisinha é aquém do esperado. 

 
Kevin Frost

 Há complexidades na vida sexual das pessoas. Nem todo mundo vai usar preservativo. Muitos não querem. A estratégia de prevenir a Aids assim, está sujeita a falhas. É preciso avançar nisso, aprofundando a eficiência dos antirretrovirais.

 
ISTOÉ

 Como se tornou líder da amfAR? O sr. estudava música…

 
Kevin Frost

 Por acidente. Não era o que pretendia fazer da vida. Eu estudava música e queria ser cantor de ópera. Mudei para Nova York, em 1990, era uma época terrível. A Aids estava em todos os lugares. Pessoas morriam. Os hospitais estavam superlotados. Alguns deles não aceitavam pessoas com Aids. Sou gay e vi isso acontecer. Tive medo de morrer. Mas me apropriei daquela responsabilidade. Me tornei ativista e comecei a trabalhar em um hospital de Nova York, como voluntário. Há 21 anos, entrei para a amfAR como assistente do diretor no escritório em Nova York. Simplesmente fui ficando. 

 
ISTOÉ

 O sr. conviveu ou trabalhou com a Elizabeth Taylor?

 
Kevin Frost

  Quando Liz era viva, eu ainda não era CEO da amfAR. Pude encontrá-la, mas não a conhecia bem. Ela era fantástica. No gala em São Paulo, leiloamos uma foto dela como Cleópatra. Com a ajuda de Liz, a amfAR completa 30 anos em 2016. Mas a organização é mais antiga. Em 1983, era Aids Medical Foudation (AMF), em Nova York. Em 1985, Rock Hudson morreu e foi uma comoção. Em 1986, nos unimos a National Aids Research Foudation, de Los Angeles, e virou um grupo só.

 
ISTOÉ

  O sr. perdeu pessoas?

Kevin Frost

 Muitas. Como meu colega de faculdade, Kevin. Estava morando em Dallas, no Texas, e trabalhando  para a companhia de ópera. Nós dividíamos o mesmo quarto e ele era o diretor de palco. Ele ficou doente muito rapidamente, e a gente não sabia por que. Em dois meses, ele morreu. Ele nunca disse que tinha Aids e ficou com muito medo, foi para o hospital porque tinha pneumonia e morreu. Eu tenho 30 histórias como essa, de amigos que morreram. 

 
ISTOÉ

 E o sr. tinha medo que pudesse lhe acontecer isso?

 
Kevin Frost

 Todo mundo tinha. Todo gay em Nova York. Havia um sentimento de que a epidemia mataria todos nós. Ninguém estava seguro. Eu senti a Aids como uma ameaça real. Me tornei ativista para ajudar pessoas com Aids, mas reconheço que estava fazendo aquilo por mim. Eu acreditava que em algum momento eu ia ter Aids e morrer. Achava que se tornaria realidade. Mas de algum jeito não aconteceu. Isso foi sorte, simplesmente sorte.