O PMDB mostrou na última semana por que é, apesar de todas as divisões, o ponto de equilíbrio da política brasileira. Num jogo em que não há lugar para amadores, o partido mostrou que tem talento para trabalhar nos bastidores. A ala governista conseguiu dar uma sobrevida ao senador Jader Barbalho (PA) e atuou com o Palácio do Planalto para barrar José Sarney (AP) e colocar o ex-ministro Ramez Tebet na presidência do Senado. O ex-presidente sofreu uma dura derrota ao ser atropelado pelo PMDB. A sorte de Sarney foi selada no final da noite da terça-feira 18 – horas depois do discurso em que Jader renunciou à presidência – em uma reunião da cúpula do PMDB no restaurante italiano Trastevere, em Brasília. Enquanto jantavam e degustavam um bom vinho, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, o ex-governador Moreira Franco – assessor especial do presidente Fernando Henrique Cardoso –, os deputados Michel Temer (SP) e Geddel Vieira Lima (BA) e o líder no Senado Renan Calheiros (AL) acertaram com o ministro da Integração Nacional, Ramez Tebet, a virada de mais uma página na história do partido. Depois de ter desempenhado papel decisivo no comando do Conselho de Ética para as renúncias de Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, Tebet foi escalado para assumir a presidência do Senado e tentar desvincular o PMDB da traumática gestão de Jader.

O partido já reconhece que o destino de Jader está traçado: vai renunciar ao mandato para evitar a cassação e a perda dos direitos políticos por oito anos. Mas Jader ainda tenta adiar o início da contagem regressiva. Na quinta-feira 20, o senador conseguiu impedir que o Conselho de Ética votasse o relatório da comissão de inquérito que propõe a abertura de processo de cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Em uma manobra combinada com o presidente do Conselho e também peemedebista Juvêncio da Fonseca (MS), Jader apareceu de surpresa na reunião exigindo direito de “ampla defesa”. Fonseca indeferiu o pedido. A decisão permitiu a Jader apresentar um recurso na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que terá de examinar o caso. Com isso, a votação do relatório teve de ser remarcada para esta semana.

A escolha de Tebet foi definida pelo comando do PMDB depois do fracasso da tentativa de emplacar Renan Calheiros na presidência do Senado por ser muito ligado a Jader. “Não dava para o PSDB e o PFL aceitarem o Renan. Do PMDB, Ramez é o nome que mais soma em toda a base governista”, avaliou o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP). Mas faltava tirar Sarney do páreo. Ao mesmo tempo em que davam corda ao ex-presidente, nos bastidores os dirigentes do partido tramavam com o Palácio do Planalto uma maneira de inviabilizar sua candidatura. A fórmula encontrada foi a exigência de Sarney de ser indicado por consenso, sem se submeter a uma disputa na bancada do PMDB. Sarney foi torpedeado pelo lançamento da candidatura do senador José Alencar (PMDB-MG), inflada pela própria cúpula peemedebista, mesmo sabendo que ela não tinha a menor chance de vitória. A recompensa de Alencar, que também ganhou pontos no Planalto ao se opor ao governador Itamar Franco no PMDB mineiro, é substituir Ramez Tebet no Ministério da Integração. Além do veto de FHC, pesou contra Sarney suas ligações com o PFL e com ACM. Mais uma vez, o baiano atrapalhou os planos do ex-presidente ao reaparecer com ar vitorioso logo após Jader formalizar sua renúncia.

Turma da paçoca – Em seu discurso de renúncia, pela primeira vez Jader confirmou ter feito um acordo de proteção mútua com Antônio Carlos Magalhães. Os dois selaram uma trégua em um telefonema intermediado por José Roberto Arruda e por Edison Lobão (PFL-MA). De acordo com o combinado, ACM seria punido com suspensão do mandato por 180 dias. Renan Calheiros e o líder tucano, Sérgio Machado, chegaram a ser escalados para viabilizar a proposta, mas não conseguiram convencer as oposições e desistiram da idéia. À revelia de Jader, os dois participaram de uma longa conversa na casa do senador Paulo Hartung (PPS-ES), com Ramez Tebet e a senadora Heloísa Helena (PT-AL), na qual resolveram endossar a proposta de cassação de ACM e Arruda. Surgiu aí a famosa turma da paçoca. Enquanto montavam a estratégia que levaria à renúncia de ACM e Arruda, os cincos senadores degustaram uma paçoca de farinha com carne-seca, levada por Tebet. Quando tomou conhecimento da decisão, Jader ficou irritado e pressionou os colegas para revertê-la. Não teve êxito. Conseguiu apenas se atritar com Tebet e até hoje atribui ao não-cumprimento do acordo com ACM sua própria desgraça no Senado.

Aniversário – A turma da paçoca também ajudou a detonar a candidatura Sarney. Hartung e Heloísa Helena foram os primeiros a estimular a entrada de José Alencar no páreo. Num primeiro momento, isso beneficiaria Renan, cuja candidatura vinha sendo trabalhada em sigilo pelo comando do PMDB. Num erro de avaliação, tornaram essa opção pública no domingo 16, quando Renan completava 46 anos e comemorava o aniversário em sua casa. Além de dirigentes do PMDB, Sérgio Machado também participou da festa e do apoio a Renan. Foi o suficiente para irritar o tucanato, que decidiu não esperar sua transferência para o PMDB e afastá-lo logo da liderança do PSDB. A sucessão de Machado expôs a divisão dos tucanos: o ministro da Saúde, José Serra, trabalhou intensamente para a escolha do senador Romero Jucá (RR) e o governador do Ceará, Tasso Jereissati, pelo senador Geraldo Melo (RN). Na noite da quarta-feira 19, enquanto a bancada do PMDB sacramentava a escolha de Tebet, que derrotou Alencar e o senador José Fogaça (RS) depois que Sarney desistiu da disputa, os tucanos não conseguiram eleger o novo líder. Pupilo de Tasso Jereissati, o senador Luiz Pontes (CE) tentou impedir que Machado votasse. O bate-boca só não terminou em troca de tapas porque os dois foram contidos pelos colegas. Os votos foram rasgados e a eleição adiada para a quarta-feira 26.

Torpedeado por tucanos e pefelistas, Renan ainda tentou superar o mal- estar com Sarney. Na manhã da terça-feira 18, em companhia de Hartung e Carlos Wilson (PTB-PE), foi ao gabinete de Sarney para comunicá-lo que não havia veto algum a seu nome. Desconfiado, Sarney pediu um tempo para decidir se iria ou não se candidatar. Dias antes, uma manobra do PFL quase emplacou sua candidatura. Os presidentes dos partidos governistas conversaram na quinta-feira 13 com Fernando Henrique e fizeram uma lista com quatro nomes do PMDB que seriam recebidos sem maiores problemas.

Disfarce – Após a reunião, o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), telefonou a FHC e informou que haviam chegado a um consenso em torno de Sarney. Fernando Henrique não gostou, mas disfarçou a contrariedade. Depois de checar a informação, comprovar que não era verdade, FHC estimulou os parceiros do PMDB e do PFL a trabalhar contra Sarney. A escolha do novo presidente do Senado aconteceu na quinta-feira 20 e mostrou que a tarefa de Tabet será árdua. Ele teve 41 votos dos 75 presentes. Unidos, senadores da oposição e do PFL somaram 31 votos em branco. Para provocar, pefelistas abandonaram o plenário no meio do discurso de posse de Tebet. “Vai continuar o estado de beligerância”, prevê o senador petista José Eduardo Dutra (SE).

Definida a sucessão no Senado, Jader volta a ser o centro das atenções: o Conselho de Ética marcou para a quinta-feira 27 a votação do relatório que pede a abertura de processo de cassação contra ele. Mesmo com a esperada renúncia do senador, o clã dos Barbalho continuará a ter problemas no Congresso. O primeiro suplente é seu pai, Laércio Barbalho, também envolvido no escândalo da fraude no Banco do Estado do Pará. O segundo suplente, seu ex-secretário Fernando Ribeiro, é outro beneficiário dos recursos desviados do Banpará. Na terça-feira 18, outro parente de Jader caiu na rede: o presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), enviou ao corregedor Barbosa Neto o relatório do delegado Hélbio Afonso Dias Leite, da Polícia Federal, repleto de denúncias de envolvimento do primo de Jader, o deputado José Priante (PMDB-PA), no bilionário rombo na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O relatório, que também acusa o próprio Jader, foi divulgado por ISTOÉ na edição 1668. Além de Jader, outro senador do Pará também está encalacrado: o relatório da senadora Heloísa Helena ao Conselho de Ética proporá a punição de Luiz Octávio (sem partido) pelo desvio de R$ 13 milhões do BNDES destinados a construção de balsas, com base em denúncia publicada por ISTOÉ.