Por essa nem o bispo Edir Macedo esperava. Ao proibir tigrões e popozudas, dançarinas de forró e seus shortinhos na sua emissora, ele acabou, sem querer, criando o novo fenômeno da televisão. Há sete semanas seguidas, o programa Raul Gil, da Rede Record, vem provocando uma enorme dor de cabeça aos executivos das poderosas Rede Globo e SBT. Esse é o tempo em que o apresentador lidera o Ibope das tardes de sábado. Vem atropelando Luciano Huck, Carla Perez, Babi, Celso Portiolli. O responsável pelo sucesso é uma das fórmulas mais antigas da tevê: o show de calouros. De meros postulantes a uma chance no próximo programa, Róbson, Liriel, Érika, André Leono, Leila, Rinaldo e os garotos Júnior e Jezrrel, passaram a ser tratados como estrelas.

A cartilha de Edir Macedo proibiu justamente os ingredientes que fazem o sucesso dos chamados programas “populares”. Diante disso, Raul Gil, que trabalha com calouros desde os tempos da TV Tupi, percebeu que o concurso andava meio sumido da telinha. Raul aproveitou o vácuo e, em março, lançou o quadro.

Dois fatores fizeram a aposta de Raul dar certo: a qualidade vocal dos candidatos, apesar do repertório meio duvidoso, recheado de hits de Whitney Houston, Celine Dion e similares, e a velha receita do gente como a gente. Os espectadores se identificaram de cara com histórias de pessoas humildes, como a de Róbson, 26 anos, um ex-office-boy da zona leste de São Paulo que começou a cantar em cultos evangélicos e transformou-se no maior fenômeno do programa. “Tudo o que esperei minha vida toda, aconteceu agora”, comemora Róbson. Raul Gil completa: “Todo mundo abandonou o calouro. Nós resolvemos dar uma oportunidade para eles. Só que aqui o cara tem que cantar. Alguns profissionais não conseguem cantar ao vivo”, alfineta Gil. A opinião do apresentador é compartilhada pelas 350 pessoas que toda segunda-feira lotam o auditório Record. A gravação começa por volta das 15h. A maioria do público é formada por donas-de-casa e adolescentes que abrem faixas na platéia como aquela com homenagem a André Leono, o calouro galã. “Queremos desesperadamente tirar uma foto com você. Sua voz ilumina nossos corações”. No meio da algazarra, a professora Ivani Aparecida Matiussi, 35 anos, tentava explicar o fenômeno. “Eles têm talento e simpatia. São pessoas simples, humildes. Aqui não tem pornografia, seios de fora. O povo cansou disso”, diz a professora.

A fórmula do concurso é outra responsável pelo sucesso. Os candidatos são divididos entre homens, mulheres e crianças. Todos têm direito a cantar a música até o final, mesmo se desafinarem. Depois que todos se apresentam, o júri, composto por três jurados fixos e três convidados, avalia o desempenho do candidato. Caso ele obtenha pelo menos um voto, ganha o direito de retornar no próximo programa. Empates entre dois e até três calouros ocorrem com frequência. Algumas das estrelas do programa, como Érika e André Leono, entretanto, foram derrotados e voltaram pelas mãos do próprio Raul. “Não é justo o calouro ficar várias semanas e depois ser jogado no lixo. Quando acho que merece, dou uma nova chance”, diz.

Para aqueles que torcem o nariz para esse tipo de programa, Raul Gil dá um recado. “Estou levando boa música para o povo. E sinto orgulho disso.” Raulzinho, filho do apresentador e diretor-geral do programa, vai mais longe. “Muita gente quer participar. Tenho sete mil pessoas inscritas esperando por uma chance”, garante Raulzinho, que também administra a carreira de alguns desses calouros, como Róbson e André Leono. Tamanha procura fez com que as inscrições fossem canceladas até dezembro. Pelo jeito, não vai ser fácil derrubar o Raulzão.

O galã de Bangu

"Sou farmacêutico formado. Larguei o emprego na Secretaria de Saúde do Rio para tentar a carreira artística. Deu tudo errado. Torrei todo o meu dinheiro na compra de um violão Wash Burn que me custou US$ 1.200. Algum tempo depois, minha banda acabou. Já tinha abandonado meu sonho quando fiquei sabendo do concurso do Raul Gil. Apesar de ainda não ter nada e dever dinheiro para um monte de gente, agora eu sou alguém. Gostaria de seguir os passos do Róbson, conseguir um contrato, gravar um CD… Depois, comprar uma casa para minhas duas filhas. Moro em Bangu, com meus pais. Fica muito longe de tudo, é pobre. Algumas pessoas já vieram me pedir dinheiro. Tenho certo receio… O carinho das fãs é incrível. Tenho até fã-clube! Faço shows toda semana na boate Saco do Céu, em Campo Grande, baixada fluminense. Antes vinham umas 150 pessoas. Hoje, ficam 150 do lado de fora. Ainda bem que a minha namorada Simone compreende. No começo, vinha do Rio de ônibus. Da minha casa ao estúdio da Record eu gastava umas nove horas. Agora, venho de avião.”

André Leono, 28

A Madona de Diadema

"Fiz a inscrição no programa e não me chamaram. Como sou macaca de auditório, fui até lá com algumas amigas. Em um dos intervalos, elas começaram a gritar para o Raul que eu cantava. Ele me chamou. Interpretei aquela música da Whitney Houston, tema do filme O guarda-costas. Mesmo agradando, demorei mais de um mês para voltar.

O Raul me salvou. Estava desempregada. Tive síndrome do pânico e perdi meu emprego em uma linha de montagem na metalúrgica em que trabalhava, em Diadema, cidade onde moro. Um dia, fui a um shopping e estava acontecendo um concurso de karaokê. Entrei e ganhei. A partir dali decidi que iria ser cantora. É a minha paixão desde pequena. Cheguei a ser desclassificada em um programa.

A produção do Raul recebeu mais de 30 mil e-mails pedindo a minha volta. Esse reconhecimento é maravilhoso. Nem sei quantos fã-clubes eu tenho. Um deles, de uns caras da Praia Grande, litoral de São Paulo, querem que eu faça umas fotos de biquíni, lingerie e sem nada. Safadinhos, né!”

Erika Rodrigues, 20

Gostoso veneno

"Minha mãe tocava em uma banda com meus tios. Num show, minha tia ficou doente e não pôde cantar. Eu tinha nove anos, subi ao palco e de lá nunca mais saí. Aos 12 anos, comecei minha carreira na banda Corpo e Alma, de São José dos Campos, onde vivo. Era a única menina. Fizemos shows pelo interior de São Paulo e Minas Gerais. Muitas viagens foram feitas na Kombi do pai de um dos músicos. Passei por vários conjuntos, desses que animam casamentos e festas. Conheci até a Argentina. Mas nunca fui famosa. Antes de começar no concurso, tive que pular o portão da Record duas vezes para cantar. Hoje, eu tenho fã-clube até em Moçambique.

O programa passa lá. Eu ainda não tenho carro. Quando entro no metrô para ir à gravação, o povo só me deixa sair depois de eu cantar. Teve um fã que me deu um violino, só porque eu coloquei no site do Raul que gostava do instrumento. Só tive um probleminha. O Raul andou insinuando que eu e o Róbson estávamos namorando. As fãs dele ficaram loucas.”

Leila Cristina Gonçalves Coelho, 22

Tietagem nos trilhos

"Minha mãe (ao centro, na foto) trabalha como passadeira aqui na Record. Um dia ela trouxe a gente para conhecer o Róbson. Eu e meu irmão estávamos cantando no corredor quando o Raulzinho, Raul Gil Júnior, filho do apresentador e diretor do programa, nos ouviu. Ele perguntou para a minha mãe por que ela tinha nos escondido. No mesmo dia a gente foi para o palco. Não saímos mais. Somos evangélicos. Desde pequenos cantamos na igreja. Nossa vida mudou para caramba. No trem, o pessoal nos reconhece, pede autógrafo. Teve até uma menina que me beijou na boca. Eu sai correndo. Até meu pai, que nos abandonou pequenos, apareceu. Ele está morando em Portugal. Disse que está rico, vai nos comprar um sítio. Eu não quero nem saber dele. Quando ele puser os pés no Brasil, vai ser preso. Além de cantar, eu gosto de andar de skate, patins, tudo o que é perigoso. O sonho do meu irmão é ser jogador de basquete. Já ganhamos R$ 4 mil. Ainda não sei o que vou comprar com esse dinheiro.”

Júnior, 13 e Jezrrel, 11