Com a cara de uma gata siamesa, olhos azuis maiores que bolinhas de gude e roupas que desafiam o adjetivo excêntrico, a cantora e compositora islandesa Björk, 35 anos, se transformou não só na rainha da estranheza como na queridinha infalível dos modernos. Seus dois concertos previstos para os dias 4 e 5 de outubro no Radio City Music Hall, em Nova York, quando foram anunciados tiveram os ingressos totalmente esgotados em apenas cinco minutos. Por que tanta avidez, afinal, em ver e ouvir uma artista que canta como se estivesse sob eterna tensão, respira ofegante como a maioria dos atores da Rede Globo, abusa dos falsetes e compõe músicas que ninguém consegue assobiar? Porque ela inova, causa curiosidade e surpreende no mundo pop acostumado às embalagens de consumo mais palatável.

No seu esforço para manter a diferença, Björk também tem outros pontos favoráveis. Neste seu mais recente álbum, Vespertine – o sexto depois que abandonou os vocais da banda Sugarcubes e iniciou vôo solo –, ela incluiu coro, orquestra de cordas com espaços para sinuosos solos de harpa e programações eletrônicas que até os DJs mais metidos a artistas não seriam capazes de imaginar – exceto o americano Moby, que realmente é um artista. Björk é tão radical nas suas invenções que perto delas o grupo inglês Radiohead – outro arauto dos sons estranhos – fica parecendo Philip Glass. Dá até para lançar um desafio aos fãs mais ardorosos da cantora para saber se um deles é capaz de guardar as melodias de Vespertine e reproduzi-las cantarolando ao menos um pequeno trecho. É impossível. No entanto, sem correr nenhum risco de equívocos, Björk demonstra conhecer e entender de verdade cada pedaço sombrio das suas canções.

Nascida Björk Gudmundsdóttir, em Reykjavik, capital da gelada Islândia, há muito ela apontava para a atual direção. Começou tocando canções folclóricas de seu país e, com apenas 11 anos, gravou um disco misturando música regional com reggae e alguns covers das músicas mais açucaradas dos Beatles. Mais tarde, à frente dos Sugarcubes, incomodou a supremacia do circuito musical Inglaterra–Estados Unidos fazendo um pop bem diferenciado. Virou celebridade instantânea e até hoje mantém a mesma aura empacotada de exotismo. Ainda pertencendo ao Sugarcubes, em 1990 lançou o álbum solo Gling glo, com standards de jazz. Mas em pouco tempo voltou seus interesses para a música eletrônica, saiu da banda e, em 1993, se transformou numa das favoritas do mundinho clubber ao gravar o disco Debut, que deu o verdadeiro início à sua carreira solo.

Incensada, em 2000 protagonizou o amaríssimo filme Dançando no escuro, do dinamarquês Lars von Trier, com o qual ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival Internacional do Filme de Cannes e concorreu ao Oscar de melhor canção, de sua autoria. Compareceu à cerimônia americana vestida de cisne estrangulado. Todo mundo estranhou. É porque ainda não tinham ouvido as canções de Vespertine.