Atado a uma simplicidade carregada de orgulho próprio, o paranaense Tony Ramos, 53 anos, batizado Antônio de Carvalho Barbosa, reveza com uns poucos colegas o posto de ator mais popular do País. A bola agora está totalmente com ele. Ganhador do Kikito de melhor ator no Festival de Gramado – Cinema Brasileiro e Latino pelo papel do honesto Inspetor Guedes no filme Bufo & Spallanzani, Tony também vem arrancando boas risadas na pele de Manolo, uma geringonça humana engraçadíssima que encarna na novela global das sete, de título quilométrico, A incrível batalha das filhas da mãe no Jardim do Éden, ou simplesmente As filhas da mãe. Por que geringonça? Porque Manolo é construído com “peças” diferenciadas e de funcionamento complicado. Um pobre que ficou rico, dono de bingo, um safado de boa índole, um brega de alta estirpe. “Ele é bem capaz de matar, mas jamais de apunhalar traiçoeiramente”, adverte. Tais adversidades, nas mãos de um ator como Tony Ramos, resultam num tipo que constantemente rouba a cena. Frases do tipo “Eu sou eu”, “Não faço questão de bom-dia!” ou “Os incomodados que se mudem” mostram bem a pouca importância que ele dá aos outros.

Fisicamente, o personagem lembra o cantor Elvis Presley, com grossas costeletas bochecha abaixo. Exceto pelas roupas no estilo da grife dos donos do jogo do bicho e por particularidades como a inenarrável bolsa capanga, as unhas crescidas dos dedos mindinhos e os vários celulares. O resto é assistir a pelo menos um capítulo da novela para rir de Tony Ramos em afinada parceria com Claudia Ohana no papel da exuberante ex-stripper Aurora, que leva Manolo à loucura sempre que imita o sotaque de Sonia Braga em Gabriela.

Na sala de seu novo escritório na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, o ator é convincente ao afirmar que os adereços não o incomodam. É verdade. Nas duas horas em que a equipe de ISTOÉ passou ao seu lado, não houve embaraço. Tomar cafezinho, teclar no computador ou assinar algo são ações que ele já faz como se não existissem as unhas pontudas, lixadas uma vez por semana. “Eu poderia usar tudo postiço. Mas quis saber como seria de verdade, como estala, como coça”, explica ele. As costeletas são pintadas a cada 15 dias e aparadas semanalmente. “Não pode deixar subir na orelha!”, ensina com humor o ator criado nos bairros paulistanos do Brás e Vila Maria. O riso, a comédia, o risível está na vida e na carreira de Tony Ramos. Embora ele seja conhecido em novelas mais como galã e, na vida real, como o bonzinho de plantão. As duas imagens o desagradam. “O ‘pré-conceito’ é a pior coisa. Puxa a intolerância, a ironia burra”, diz.

Orgulho – Neste momento, a simplicidade nata e o orgulho próprio explodem. Tony definitivamente não pede desculpas por não ser moderno, não estar nos noticiários de escândalos, nem ser manchete porque troca de mulher a cada verão – ele está casado há 35 anos com Lidiane. “O bobão, o iludido, o último dos otimistas… Eu sou fruto da esperança, nasci em 1948, fim da Segunda Guerra. Acredito que a vida pode ser boa, que há espaço para todos. Não sou competitivo mesmo. O bem resulta no bem, isso é simples como a matemática.” Igualmente, o papel de galã também não cabe mais num artista tão múltiplo, com 39 anos de carreira, 22 peças de teatro, nove filmes, cerca de 40 novelas, dois filhos e um neto. Tony Ramos já encarnou tudo quanto é tipo de gente. No musical Ópera do malandro, por exemplo, foi o homossexual Geni dançando com um salto 15. “Fiz o primeiro nu masculino na tevê na novela O astro, em 1976. Depois disso, outros nus em outras camas com outras atrizes, em O primo Basílio, O sorriso do lagarto, Grande sertão: veredas…”, relembra.

Muito antes, porém, ele quase seguiu a carreira de cantor. A dupla Tom e Tony, formada por ele e pelo amigo Antonio Carlos – hoje um sociólogo que mora na Alemanha – tinha a petulância de se apresentar num programa de rádio apresentado por ninguém menos que Roberto Carlos, para cantar músicas de Roberto e Erasmo Carlos… em inglês. “Era para ganhar um troco a mais”, conta. “Obviamente não deu certo e não tinha como dar certo”, diverte-se. Já como ator, ele contracenou com praticamente todas as grandes atrizes brasileiras e beijou ardorosamente muitas delas. Invejado pelo público masculino, Tony não mistura ficção com realidade. Recentemente, José Mayer e Mel Lisboa, protagonistas da explosiva minissérie Presença de Anita, trocaram beijos fora dos estúdios, diante da imprensa, gerando fofocas. Algo assim nunca aconteceu com o Manolo de As filhas da mãe. Terminada a gravação, a vida volta ao normal, do jeito que ele gosta. E ele gosta mesmo é de Lidiane.

Monogamia – Ouvi-lo falar da mulher e do equilíbrio da relação – “monogâmica porque vale a pena” – é um privilégio. A voz fica suave, o sorriso franco aparece. “Ela me emociona e me complementa”, resume. Boa parte do mérito é dele, que nunca deu a Lidiane motivos para duvidar do amor e da fidelidade, base do pacto que os dois entendem ser importante para a relação. As briguinhas sempre acabam em brincadeiras ou em bem-humorados pedidos de desculpas. “Acho que um casamento termina quando acaba o humor”, resume. Não à toa, ele decidiu ser ator no dia em que viu o primeiro filme de Oscarito. “Depois de conhecer a chanchada, quando me perguntavam: ‘E aí, garoto, o que quer ser quando crescer?’ eu sempre respondia: “Quero ser Oscarito na vida.” Está no sangue.

Chanchada com conteúdo

Tony Ramos define As filhas da mãe – de Silvio de Abreu, escrita em parceria com Alcides Nogueira – como uma chanchada com conteúdo de crítica social e comportamental. A novela tem vários motivos para garantir seus picos de audiência, com a média de 33 pontos na medição do Ibope. Começando pelo elenco vip, encabeçado por Fernanda Montenegro e Raul Cortez. Depois porque apresenta um novo formato ao costurar a trama através de uma espécie de canto rap. A idéia é de Abreu e a execução, do diretor Jorge Fernando. Vale registrar que a dupla assinou um dos momentos mais gloriosos da história da telenovela brasileira, que é Guerra dos sexos, ótimo pastelão protagonizado pela mesma Fernanda em parceria memorável com Paulo Autran, há quase 20 anos. Para o diretor, o sucesso é a consequência de uma somatória. “O público estava querendo uma comédia e nós estávamos decididos a fazer um trabalho novo, com códigos mais sofisticados.” Achar o tom de cada um numa comédia, segundo ele, é muito difícil. Mas a pior fase passou. “Já consigo assistir à novela aos sábados como se fosse público”, brinca.