Se você não estiver enxergando o horizonte, não pense que é apenas mais um efeito visual produzido pelo apagão. Desde que o governo acenou com a possibilidade de o País ficar às escuras, uma série de acontecimentos vêm tirando o humor e estarrecendo até os mais otimistas. Quando se pensou que a má fase teria chegado ao auge com os ataques terroristas que puseram abaixo o moral americano junto com o World Trade Center na terça-feira 11 – sem dúvida a maior das tragédias –, o noticiário mostrou que muito ainda estava por vir, inclusive a ameaça de uma guerra. No dia anterior, o prefeito Toninho do PT foi assassinado com três tiros. Quatro dias depois, o piloto italiano Alessandro Zanardi, 34 anos, perdeu as pernas em um acidente no Grande Prêmio da Alemanha. Sequestros, acidentes com aviões e helicópteros completaram o quadro de tragédias. Na semana passada, a injeção de recursos do governo dos Estados Unidos na Bolsa de Valores não evitou que as companhias aéreas demitissem quase cem mil funcionários no mundo todo. A desvalorização do real em relação ao dólar também assustou, batendo o recorde: R$ 2,75 na quinta-feira. E tudo isso afeta um país como o Brasil, cuja população não aguenta mais tanta violência, desemprego e corrupção.

Antes mesmo de digerir tanto desastre, quem tem filhos se preocupa em como apresentar a situação a eles sem transferir sua própria insegurança. A atriz Ju Colombo, 36 anos, por exemplo, usou os últimos acontecimentos para mostrar aos filhos Gabriel, 14, e Alexandre, dez, o prejuízo que traz a intolerância às diferenças e o desejo de supremacia. “Temos que reconhecer a gravidade da situação, mas usar isso para mudar o que não é bom no mundo e em nós mesmos. Essa catástrofe é o efeito do imperialismo autoritário. Então usei esses argumentos para discutir a rivalidade entre os irmãos”, explica ela. A empresária paulista Denise Tarantino também usou o atentado para explicar ao filho, André, 13 anos, o que são fanatismo religioso e diferenças sociais. “Contei como é a guerra no Oriente Médio e que a maioria das crianças de lá cresce com uma arma na mão. Acho que é a hora de revermos valores”, diz Denise. A atitude dessas mães é endossada por especialistas. A psicanalista infantil Ana Olmos, de São Paulo, aconselha os pais a aplicar conceitos despertados pela tragédia aos fatos do dia-a-dia. “Revanchismo e vingança são atitudes que as crianças precisam conhecer para aprender a evitar. O espírito do terrorismo é uma deixa para isso.”

As escolas também não ficam fora da discussão. Algumas têm trabalhado com os alunos discutindo os acontecimentos em sala de aula. Na Nossa Senhora das Graças, em São Paulo, mesmo crianças de primeira a quarta séries discutiram o atentado. A atitude dos professores foi deixar que os pequenos pontuassem suas dúvidas e angústias e orientar sem emitir julgamentos. “Na aula de artes, a professora da quarta série mostrou o quadro Guernica, de Pablo Picasso, e explicou o que levou o artista a realizar aquela obra. Em seguida, pediu às crianças que fizessem um trabalho associando as imagens do atentado à guerra civil espanhola”, relata Vera Lúcia Simões, coordenadora do Ensino Fundamental da escola.

Entre os adultos, os efeitos dessa enxurrada de sustos foram registrados pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo a instituição, houve um aumento de 15% na procura por antidepressivos e tranquilizantes. O médico psiquiatra Antônio Egídio Nardi, professor adjunto do Instituto, admite que quem tem tendência à depressão piora em fases como essa. “Quem tem predisposição fica mais vulnerável”, afirma. No entanto, é preciso – e possível – buscar a luz no fim do túnel. Esta, como todas as dificuldades, é para os otimistas uma oportunidade de desenvolvimento e superação. Pode parecer uma máxima de Poliana – aquela personagem do best seller que nunca se deixava abater pelas tristezas por acreditar que depois viriam as compensações. Mas especialistas renomados da psicologia defendem que, uma vez consumados os revezes, é preciso decidir o que fazer a partir deles.

Para a presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Ana Bock, o primeiro efeito positivo de tragédias como a que abalou os Estados Unidos é o combate à banalização da violência e a consequente valorização da vida. Ela lembra que todos os dias há milhares de mortes no mundo e nem por isso as pessoas se abalam a ponto de mudar seu cotidiano. Foi preciso ter um dos maiores símbolos de segurança atingidos para causar impacto. “Depois do susto, vem o medo, mas junto dele estão a reflexão e o amadurecimento. Uma pessoa é psicologicamente saudável quando não ignora os problemas por ter recursos para superá-los.”

Crise – O editor carioca Ronaldo Teixeira, 48 anos, sabe bem disso. Sofreu sua primeira crise de síndrome do pânico há 20 anos. Demorou para identificar a doença e tratar-se, mas depois de quatro anos sentiu-se curado. “Naquela época, cheguei ao cúmulo de comprar uma bomba de oxigênio portátil (falta de ar e taquicardia são sintomas da síndrome) e ir ao cinema perto de minha casa andando de marcha à ré, para não perder o prédio de vista”, lembra. Agora, a situação internacional e as consequências econômicas nacionais o puxam para baixo. Ele sabe que pode driblar a ansiedade, nem que seja com doses extras de remédios. Teixeira, entretanto, sente-se mais seguro por já ter superado o problema antes.

Como ele, a maioria das pessoas ativou sua memória de traumas ao assistir às imagens da explosão do World Trade Center. O psicanalista Fabio Hermann, da PUC de São Paulo, explica que todos temos “arquivados” em nosso cérebro vários acontecimentos, bons e ruins. Mas não é possível viver o dia-a-dia pensando em desgraças. Então, esquecem-se temporariamente esses problemas. Só que, quando nos deparamos com qualquer um deles, a memória é ativada e desperta-se não só o medo da situação presente, mas também os terrores passados. “Quando se ouve a notícia de um sequestro, fica-se com medo de ser sequestrado. Da guerra, do fim dos tempos. Mas depois passa”, diz Hermann. “Por isso, é importante equacionar. Estamos em guerra há muito tempo e o mundo não acabou – nem vai acabar.” Para o especialista, é justamente essa ativação da memória que faz com que se fique grudado nas notícias para saber cada detalhe das catástrofes. “Há uma espécie de identificação com a violência. É como se ela descarregasse alguma coisa dentro das pessoas”, completa ele.

Mas é também dando de cara com as dificuldades que as pessoas descobrem a força que têm dentro de si. A empresária Beatriz Ab Bueno, 47 anos, perdeu há três anos, num intervalo de seis meses, o pai e o irmão. “Fui consumida pelo sofrimento, não via graça em quase nada. Abandonei até os amigos”, recorda-se. Com o apoio do marido e da filha, Talita, Beatriz recobrou a vontade de viver. Até que na busca por seus antigos prazeres deparou com as aulas de dança de salão, ministradas pelo professor Alex Cavaco. “A dança me levanta o astral. Mesmo com esse atentado me mantive firme. Se estou de mau humor, fico bem em 15 minutos de dança”, diz. A transformação de Beatriz foi tanta que Talita aderiu à atividade. “Nunca tinha visto minha mãe tão bem. Resolvi ver se o mesmo valia para mim. Estou adorando.”

O psiquiatra Antônio Nardi, da UFRJ, reafirma a importância de manter a vida mais saudável possível para evitar os ataques de baixo-astral. “Além de lidar com os problemas de forma prática, devem-se fazer atividades físicas e intelectuais, dormir e se alimentar bem e evitar drogas. Atividades exercidas sob a luz solar têm um excelente efeito antidepressivo”, aconselha. A psicoterapeuta corporal e analista bioenergética Ana Sílvia Lameirinha, de São Paulo, explica que diante de uma tragédia tende-se a ficar paralisado no medo, na ansiedade. E o melhor remédio é a movimentação. “Os exercícios aceleram a oxigenação das células e renovam a vida no corpo. A pessoa sai do torpor.”

Algumas pessoas, no entanto, não precisam passar por situações-limite para se renovar. Professora de ioga há 18 anos, Beatriz Esteves, 61, sentiu que suas alunas estavam tocadas com os acontecimentos. Umas expressavam grande medo pelo que poderia vir, outras achavam que os Estados Unidos deveriam mesmo revidar. Ela por sua vez tinha motivos pessoais para temer. Seu filho, Roni Holzer, 30 anos, que vive em Boston, serviu no exército de Israel, país de seu pai. “Em caso de um grande conflito, ele poderia ser chamado a combater. Tanto o medo quando a raiva são sentimentos desequilibrantes”, explica ela. Beatriz decidiu, então, incrementar as aulas para que pudessem manter a serenidade. “Além dos exercícios de alongamento e de meditação, usamos mantras e mentalização para a paz no mundo. Nestes momentos, é preciso substituir as cenas trágicas por imagens de construção”, ensina ela.

Razão – Há também quem aja de forma estritamente racional e não se abale com possibilidades. É o caso dos adolescentes Júlio Nagy Ferreira de Souza, Ivo Correia Lima e Daniel Borges Olinda, de 16 anos, e suas famílias. Intercambistas da Study & Travel, agência de São Paulo, eles não desistiram de seus planos de estudar nos Estados Unidos. Iam embarcar na terça-feira do atentado, mas ficaram em compasso de espera até a segunda-feira 17, quando finalmente embarcaram. Ivo e Daniel, de Fortaleza (CE), foram poupados das cenas de despedidas em São Paulo, mas Júlio teve que dar tchauzinho para quinze pessoas da família no aeroporto. O clima, no entanto, era de festa. “No início, ficamos apreensivos, mas pensamos que ele vai para Atoka, em Oklahoma, um lugar tão pequeno que não corre riscos”, diz o comerciante Vagner Ferreira de Souza, pai do garoto. A mãe completa: “Se ele tivesse ido naquele dia, eu tremeria. Agora, temos que pensar que a vida continua. Essa será uma grande experiência para ele.”

DURA REALIDADE
A sucessão de tragédias abalou a opinião pública
e deixou os brasileiros traumatizados
4 DE JUNHO – Começou o racionamento de energia. Quem não reduzir o consumo em 20% pode ficar no escuro. A política de contenção veio com aumento nas tarifas e não tem perspectiva de término
27 DE JULHO – O helicóptero de João Paulo Diniz caiu em Maresias, litoral paulista, com quatro pessoas a bordo. Sua namorada, a modelo Fernanda Vogel, e o piloto Ronaldo Ribeiro morreram
30 DE AGOSTO – O apresentador Silvio Santos foi mantido refém em casa, por sete horas por Fernando Dutra Pinto, o mesmo homem que havia comandado o sequestro de sua filha Patricia, uma semana antes
10 DE SETEMBRO – O prefeito de Campinas, Antonio Costa Santos, o Toninho do PT, foi morto com três tiros na saída de um shopping da cidade. A polícia investiga a possibilidade de crime político
11 DE SETEMBRO – No maior ataque terrorista da história, dois aviões foram atirados contra as torres do World Trade Center em Nova York e um terceiro destruiu uma das laterais do Pentágono, em Washington
15 DE SETEMBRO – O piloto italiano da Fórmula Indy Alessandro Zanardi sofreu acidente no Grande Prêmio da Alemanha e teve de amputar as pernas. Aos 34 anos, ele é bicampeão da categoria (97 e 98)
15 DE SETEMBRO – Peça do motor de um Fokker da TAM se soltou e quebrou três janelas. Uma passageira morreu. No dia seguinte, um boeing da Varig chocou-se
com o solo do aeroporto de Goiânia e
deixou dois feridos
20 DE SETEMBRO – O dólar atingiu cotação máxima desde o início do real, em 1994, e fechou em R$ 2,75. Chegou a 98 mil o número de demissões em empresas de aviação do mundo todo

O que dizem os astros

No dia 11 de setembro, os Estados Unidos sofreram o maior atentado terrorista da história. Enquanto fotógrafos e cinegrafistas registravam as imagens que nossos olhos custam a esquecer, astrólogos interpretavam a posição dos planetas no céu. Às 8h45 daquela terça-feira, Nova York sofria a consequência de uma oposição entre dois planetas. Plutão e Saturno opunham-se numa linha de quase 180 graus. Para a astrologia, esses planetas simbolizam, respectivamente, os poderes oculto e constituído, o que pode explicar o conflito.

A astróloga amazonense Maria Eugênia de Castro, presidente da Sociedade de Astrologia do Rio de Janeiro, fez o mapa astral dos Estados Unidos com base na data da independência do país, 4 julho de 1776. “Sob o signo solar de câncer, não é por menos que a nação é tão patriota”, explica. Controvérsias sobre o horário em que se proclamou a independência apontam dois signos como possíveis ascendentes do país: virgem ou sagitário. Mas a oposição entre Saturno e Plutão se deu nas duas casas, por isso as imagens da destruição foram tão marcantes. Segundo o astrólogo paulista Sérgio Frug, o ascendente revela a forma como nos apresentamos para os outros. “Por isso, a força e a potência americanas tiveram sua imagem tão abalada”, diz Frug.

No trânsito do Brasil, Saturno está em quadratura com virgem, o sol do País. “Daí vem o choque de realidade e o pessimismo”, completa Maria Eugênia. Para ela, a situação será amenizada no próximo dia 22, quando Júpiter entrar na casa de virgem, amparando os brasileiros. Outra boa notícia: em fevereiro de 2002, Urano passará sobre aquário, o ascendente do Brasil, trazendo algo inesperadamente bom.