Os Estados Unidos vencerão a “monumental batalha do bem contra o mal”, prometeu aos aturdidos americanos o presidente George W. Bush, que comparou os ataques terroristas em Nova York e Washington a “atos de guerra”. Desde o colapso do comunismo, Tio Sam estava órfão de um inimigo externo do porte do “Império do Mal”, como convém a uma nação que sempre se viu como guardiã da liberdade no mundo. Os atentados parecem ter resolvido esse dilema, pelo menos na cabeça de alguns formuladores da política externa americana. Como notou o professor Demétrio Magnoli, o inimigo externo agora é o terrorismo islâmico, definido como uma espécie de “internacional do terror”, composta por diversos Estados (Afeganistão, Iraque, Irã, Sudão) que dariam guarida a uma extensa rede de organizações que atuam globalmente e de maneira coordenada. A reação americana, proposta pelo ex-secretário de Estado Henry Kissinger, deve ser a destruição total dessa internacional terrorista. E os atentados, supostamente, revelaram o nome e o rosto desse inimigo: Osama Bin Laden, o multimilionário saudita acusado de ser o autor intelectual desses e de outros ataques contra os EUA e que há tempos se esconde sob os turbantes protetores do Taleban, grupo integrista islâmico que governa o Afeganistão com uma espada na mão e o Corão em outra. Bin Laden, seria assim, o Che Guevara da revolução islâmica, buscando criar “um, dois, muitos World Trade Centers”.

Mas será que existe mesmo essa tal internacional islâmica do terrorismo? Um relatório da CIA de 1996 já definia Bin Laden como “um dos mais notórios financiadores das atividades islâmicas extremistas em todo o mundo”. O relatório dizia que o saudita financiava campos terroristas na Somália, no Egito, Sudão, Iêmen e Afeganistão. Em fevereiro de 1998, os grupos ligados a Bin Laden elaboraram um manifesto intitulado “Frente Islâmica Internacional para a Guerra Santa contra Judeus e Cristãos”, lançando uma fatwa (sentença): “Matar americanos e seus aliados – civis e militares – é um dever individual de qualquer muçulmano que tenha os meios de fazê-lo em qualquer país.” Em agosto daquele ano, atentados às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia mataram 220 pessoas (12 americanos). Depois disso, a Casa Branca passou a demonizar Bin Laden, acusando-o por qualquer atentado contra os americanos mundo afora. Indiciado numa corte de Nova York, o saudita foi responsabilizado pelo primeiro atentado ao World Trade Center, em 1993; pela morte de 18 soldados americanos na Somália, no mesmo ano; pelos mortos nos ataques a bomba em Riad, em 1995; e em Dhahan, no ano seguinte. Até de um plano para matar Bill Clinton em 1994 ele foi acusado.

É evidente que Bin Laden conhece a maioria dos autores dos atentados praticados por grupos radicais islâmicos em diversos países muçulmanos. A origem desses grupos remonta ao Afeganistão dos anos 80. Na época, Bin Laden liderava um contingente de voluntários sauditas que foram ajudar os mujahedins (guerrilheiros islâmicos afegãos) na luta contra a ocupação soviética. Tratava-se de uma operação montada pelo ISI (serviço secreto do Paquistão) e pela CIA, que consistia em recrutar radicais islâmicos de vários países árabes para participar da “jihad” (guerra santa) contra os soviéticos no Afeganistão. Bin Laden passou a controlar o Makhtab al Khidmat, a organização responsável por recolher os polpudos fundos enviados pelos príncipes e entidades da Arábia Saudita, que custeavam a operação.

Calcula-se que cerca de 35 mil voluntários de mais de 40 países muçulmanos fizeram parte dessas “brigadas internacionais” islâmicas. Em 1989, o milionário saudita montou a Al Qaeda, um centro de serviços para ajudar esses voluntários islâmicos – que ficariam conhecidos como “árabes-afegãos”. As divergências entre as diversas facções guerrilheiras afegãs arrefeceram o espírito de luta dos voluntários. Mas a Guerra do Golfo, em 1991, quando tropas de 27 países liderados pelos EUA atacaram o Iraque, iria fornecer o novo pretexto de que os radicais estavam precisando para combater os americanos e seus aliados – inclusive nos países muçulmanos.

Bin Laden tem contatos com figuras proeminentes da Frente Nacional Islâmica do Sudão, do Hizbolá (Partido de Deus) libanês, do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) da faixa de Gaza e Cisjordânia. Além disso, muitas organizações terroristas islâmicas são controladas por veteranos “árabes-afegãos”, como o GIA (Grupo Islâmico Armado), da Argélia, e o Gama al-Islamiya, do Egito, que foi liderado pelo sheik Omar Abdel Rehman, o pregador cego que está preso nos EUA, acusado de planejar o primeiro ataque ao World Trade Center, em 1993. Sabe-se que Bin Laden também ajudou a treinar milicianos paquistaneses que lutam na Caxemira contra forças da Índia.

O saudita financiou muitas operações terroristas dos fundamentalistas islâmicos, mas é pouco provável que ele controle a agenda de todas essas organizações. Na verdade, não existe uma internacional terrorista islâmica coordenada e centralizada nos moldes, por exemplo, da Internacional Comunista (1919-1943) liderada por Moscou. O terrorismo islâmico, que já teve seu centro irradiador em Teerã (Irã), espalhou-se de maneira centrífuga depois da jihad afegã e da Guerra do Golfo. Tio Sam, que ajudou a criar esses monstrengos na sua cruzada anti-soviética, agora pode encontrar neles o paradigma de inimigo externo que perdeu com o fim da URSS. A história se repete como (trágica) farsa.