Nós precisamos reconciliar nossas diferenças, através da razão, do debate e do compromisso”, disse uma vez Nelson Mandela. O homem que venceu o apartheid também dizia que na luta contra a discriminação racial o verbo é apenas o início. Ao deixar a Conferência contra o Racismo, sediada em Durban, na África do Sul, durante os dias 31 de agosto e 8 de setembro, o Brasil saiu da condição de país debatedor, que reconheceu perante o mundo sua problemática racial, para a de propositor, buscando um acerto de contas com a sociedade civil.

O governo brasileiro, com outras 99 nações, assinou os dois documentos finais (Declaração e Plano de Ação) que reconhecem a escravidão e o tráfico de escravos como “crimes contra a humanidade”, mas não mencionam a reparação aos descendentes de escravos. Mas, tanto para o governo como para as instituições ali presentes, as reparações deverão ser resolvidas domesticamente. “Quer implantemos ou não o sistema de cotas, o governo adotará medidas compensatórias”, disse a ISTOÉ o ministro da Justiça, José Gregori. E isso será cobrado. “O que se deve exigir do governo é um programa amplo de combate ao racismo que abranja os vários setores, Executivo, Legislativo e Judiciário, interferindo de maneira decisiva na forma de vida das populações discriminadas”, diz Sueli Carneiro, coordenadora da ONG Geledés Instituto da Mulher Negra.

No artigo 114 do Plano de Ação fica estabelecido que até 2015 algumas metas devem ser cumpridas no combate às formas de discriminação racial e à eliminação das desigualdades, em particular no que diz respeito às taxas de analfabetismo, de educação primária universal, de mortalidade infantil e de saúde. A aprovação dessas políticas também levará em conta a promoção da igualdade de gênero. A vice-governadora do Rio, Benedita da Silva, disse que “cada país está pedindo o que considera para si uma ação compensatória”.

Algumas ações afirmativas já existem no Brasil. Um projeto de referência na área de educação é o Geração 21, que, em parceria com o Banco de Boston, a Fundação Palmares e o Geledés, investe em 21 adolescentes negros que foram selecionados para serem acompanhados até o curso superior. Os critérios adotados na seleção dos alunos de várias escolas públicas foram a origem racial, idade, escolaridade e a renda per capita (um ou dois salários mínimos). O projeto não cuida só do aluno, mas também investe na família, oferecendo, por exemplo, cursos supletivos às mães dos alunos. “A integração social desses jovens passa por muitas coisas, como a situação econômica familiar. É necessário dar condições para que esses jovens tenham sucesso escolar”, diz Maria Aparecida da Silva, presidente do Geledés.

Por isso, quando se restringe o debate à questão das cotas, a discussão sobre as políticas compensatórias fica limitada. Esta é a opinião do deputado Paulo Paim (PT-RS), autor do Estatuto da Igualdade Racial, que defende cotas para negros: 20% nas universidades, 25% nas mídias, 40% nas peças publicitárias, 30% nos partidos políticos e 20% no funcionalismo público. Na quarta-feira 12, foi instalada pela Câmara dos Deputados uma comissão que irá analisar o projeto que estabelece a criação de conselhos municipais, estaduais e federais para estudar medidas para acabar com o racismo no País. “Meu projeto vai além das cotas, que é uma política transitória. No momento em que não houver mais necessidade, elas serão excluídas”, afirmou o deputado gaúcho.