Beatriz Milhazes é uma das artistas mais desejadas da arte contemporânea brasileira. Colecionadores pegam meses ou até anos de lista de espera para adquirir uma obra sua, já que seu complexo processo de trabalho, cheio de fases e camadas, leva-a a pintar apenas cerca de cinco a dez telas por ano. Mesmo assim, Beatriz Milhazes teve fôlego para encher as paredes de duas grandes instituições neste início de 2015. Até janeiro, realizou sua primeira retrospectiva nos EUA, apresentando 40 telas de grande formato no Perez Art Museum de Miami, e, partir de fevereiro, ela expõe cerca de 50 pinturas, colagens e gravuras, no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza. Explica-se: Beatriz Milhazes pinta sem parar há mais de 30 anos.

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MOTIVOS
Detalhe da tela "O moreno", de 2005, pertencente à coleção
Edson Queiroz, de Fortaleza

Sua opinião sobre a pintura não é importante simplesmente porque suas telas superam quantias de US$ 2 milhões, ou por ser a artista brasileira viva mais valorizada de todos os tempos. E sim porque Beatriz é uma militante da pintura. “Sempre estou criando motivos novos, mas o mundo da pintura é sempre o mesmo. É cor, forma e composição. E acabou”, disse à Istoé antes da abertura da exposição “Coleção de Motivos”, em Fortaleza. “Sua coleção de motivos está sempre em expansão”, afirma Luiza Interlenghi, curadora da exposição, que colocou em ênfase o processo criativo de Milhazes. “Recentemente, ela começou a trabalhar com motivos aborígenes da Austrália”.

A exposição reúne obras da coleção da Fundação Edson Queiroz, do acervo da artista e de coleções públicas e particulares, como “O Moreno”, pertencente à coleção de Airton Queiroz, chanceler da Unifor e responsável pela coleção da Fundação Edson Queiroz, que construiu um importante acervo de arte moderna do século 20, fora do eixo Rio-SP.

ISTOÉ – Qual o maior desafio da pintura contemporânea?
Beatriz Milhazes –
Posso falar a partir de minha observação dos artistas jovens, de 20 e poucos anos, que estão finalizando a graduação em pintura e que eu acompanho nos Visting Programms das Universidades americanas. Acho que o grande desafio hoje é o foco na própria pintura. Parece simples mas não é.

O momento hoje convida todos, não só o artista, à dispersão. Você tem muitas ofertas, a começar pela internet, que tem todas as vantagens, desvantagens e armadilhas pra você cair. A pintura é um meio que requer concentração, foco, solidão. Você não vai conseguir resolver problemas pictóricos sem estar dentro do ateliê tentando resolvê-los. Pra um jovem hoje fazer essa opção, num mundo em que a arte contemporânea abriu um leque tão ilimitado – o que agora já está virando um problema – é difícil fazer essa opção por ficar concentrado dentro do ateliê pra tentar descobrir alguma coisa.

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LIÇÕES DE PINTURA:
"A pintura carrega toda a história da cultura ocidental", diz Milhazes

ISTOÉ – Qual o peso da história da arte para esse jovem artista?
Milhazes –
Toda história da arte ainda é centrada na pintura, então existe toda uma história antes de você. Nós brasileiros somos sempre mais flexíveis e abertos, temos uma leitura da nossa história com muitas lacunas, ela não foi tão estratificada, ela não exerce um peso sobre a nossa criação. Mas esse não é caso na Europa ou dos EUA, onde a história é um peso para os artistas. E a pintura carrega três vezes isso, no sentido de que nela está toda a história da cultura ocidental.

ISTOÉ – Então, filtrar e selecionar são desafios contemporâneos?
Milhazes –
Exatamente. Sempre estou criando motivos novos, mas eles com certeza vêm de uma leitura do mundo que existe. É que o mundo da pintura é cor, forma e composição. E acabou. E pincel e tinta. Esse é o universo da pintura, sempre. E o raciocínio também é sempre bidimensional. Isso é o fascinante da pintura.

FOTOS: Crédito foto de abre: Stephen White (Cortesia Stephen Friedman); Eduardo Eckenfels