Chega ao Brasil Peter Blake, campeão da America's Cup.Ele veleja pelo mundo em defesa do planeta e seu próximo destino é a Amazônia

Depois do kiwi, Sir Peter Blake é o fruto neozelandês mais conhecido e admirado internacionalmente. Herói em seu país, Sir Blake ganhou respeito globalizado ao arrematar pela primeira vez para a Nova Zelândia a ultracobiçada taça da America’s Cup. Para os não familiarizados, trata-se de uma espécie de Copa do Mundo do iatismo. Os americanos mantiveram por mais de um século a soberania nas águas. Mas em 1995 Sir Peter Blake – com seu nome de pirata – capturou aquela urna rococó de prata e se tornou o rei da vela. Depois disso, a America’s Cup não saiu mais de Oakland, a capital neozelandesa. A sucessão de vitórias, ao que parece, se tornou tediosa para Lord Blake. Sua atenção já estava concentrada nas pistas onde exibiu seu imenso talento esportivo: as águas do planeta.

“Navegando pelo mundo, em viagens ou competições, notei que coisas estranhas estavam acontecendo. Por exemplo: há duas décadas as embarcações sempre eram acompanhadas por albatrozes gigantes. Dezenas de aves nos seguiam. Hoje, com sorte se vê apenas um. O sumiço não é inconsequente”, disse Sir Blake a Istoé, numa entrevista exclusiva feita na ilha de Cowes, na Inglaterra, no fim de agosto. E foi com base nesta constatação sombria que o atleta virou ecologista militante em tempo integral. Fundador da empresa de pesquisa e exploração Blakexpeditions, ele resolveu singrar as águas numa corrida para a conscientização dos perigos que todos corremos com a morte dos mares e rios.

Assim, em janeiro e fevereiro passados ele estava navegando no Pólo Sul, e mostrando ao vivo, via internet, as belezas e as feridas abertas no continente. Setembro o encontrará em latitudes muito mais quentes, mais exatamente nas águas dos rios Amazonas, Negro e Orenoco. Sua peregrinação pretende alertar o mundo de que a destruição gerada pelo homem não tem fronteiras: vai da Antártica ao Equador e para muito além.

ISTOÉ

O sr. volta de uma expedição ao Pólo Sul e já começa uma outra na Amazônia. Sai do frio para o calor. Por que estes extremos?

Sir Peter Blake

 Tudo faz parte de meu projeto de verificação e alerta para o problema da água em nosso planeta. Um dos slogans que nos ajudaram muito a conseguir apoio a estes projetos diz: “Sem água não há vida.” Tanto a Antártica quanto a Amazônia são grandes termômetros do que está ocorrendo em nosso planeta e é preciso investigar o que estes termômetros nos dizem. Além disso, esperamos que várias pessoas em todo o mundo acompanhem nossas incursões nestas áreas. Não cobramos nada para que crianças em escolas, cidadãos comuns com curiosidade sobre meio ambiente, enfim, qualquer indivíduo possa seguir conosco nesta aventura e ver em primeira mão o que vamos encontrando. Temos um web site, com textos e fotos agregados todos os dias, além de câmeras ao vivo que vão mostrando todo o percurso.
 

ISTOÉ

Qual será o percurso desta expedição amazônica?

Sir Peter Blake

 Nós vamos subir o rio Amazonas, entrar pelo rio Negro e depois seguir pelo Orenoco.

ISTOÉ

 E quanto tempo o sr. espera que dure a jornada amazônica?

Sir Peter Blake

Vamos começar na região no fim de setembro, em Belém, e seguir pelos rios Amazonas e Orenoco até o final do ano. Algo em torno de três meses

ISTOÉ

É de se esperar uma série de modificações na embarcação que o conduzirá. O mesmo barco foi equipado para enfrentar as geleiras do Pólo Sul, e agora tem de navegar pelo Equador.

Sir Peter Blake

 O Seamaster é uma escuna de 36 metros, com dois mastros de 27 metros de altura. A torre de observação, a 25 metros, possibilita vista panorâmica. O barco foi desenhado e construído pelos arquitetos navais Luc Bouvet e Oliver Petit para exploração polar. Os mesmos que projetaram o barco de Amyr Klink. Tem um casco de forma arredondada, com quilhas retráteis para percorrer águas rasas, e suas hélices estão dentro de túneis para manobrar bem perto das margens. Seus motores – dois MWM de 350 HP – proporcionam capacidade de navegação de dez mil milhas marítimas. Tem couraça especial de alumínio, com proteção extra numa espécie de sanduíche reforçado no casco. Lembre-se que este mesmo barco foi projetado para quebrar gelo. Nós temos um sistema de purificação de água, instalado anteriormente. Assim, não há muito o que modificar no Seamaster. Foi por isso que quando a Omega (empresa patrocinadora das explorações de Peter Blake) nos ajudou na compra do Seamaster ficamos ultrafelizes. Resolvemos que nem mesmo o ar-condicionado do barco será ativado: queremos viver na temperatura local, com mosquitos e tudo mais.

ISTOÉ

Assim, o sr. passou de competidor de navegação temido nos sete mares a ecologista desbravador. O sr. não sente falta das vitórias esportivas, como a conquista da America’s Cup, em 1995?

Sir Peter Blake

Sinto saudades em uma ou outra ocasião. Mas, sabe, eu já conquistei tudo o que queria no iatismo. Não tenho razões para querer voltar às competições. Além disso, a minha jornada agora, no campo da ecologia, também é bastante emocionante e satisfatória. Em certos aspectos, até mais satisfatória do que as competições esportivas. E nos propomos a fazer um trabalho diferente nesta área. Não sou um ecologista radical, ou, como dizem por aí, um abraçador de árvores. Nossa proposta é encorajar as pessoas a pensar nas questões ecológicas, a partir de fatos que mostramos a elas. As crianças, por exemplo, podem usar qualquer foto, ou texto, de nosso web site em seus trabalhos escolares, sem ter de pagar direitos autorais por isso. É tudo gratuito. Nosso pagamento será o alargamento das discussões e a tomada de consciência das questões ecológicas.

ISTOÉ

O sr. conseguiu algum apoio dos governos da região amazônica por onde passará?

Sir Peter Blake

 Não pedimos nenhuma ajuda governamental. Não se trata de uma expedição que necessite desta ajuda. Vamos seguir por nossa conta. Mas temos também alguns cientistas regionais muito bons, que vão acompanhar nossos trabalhos, fazer sugestões e dar informações. Alguns deles vão se juntar a nós em Manaus, e são especialistas em golfinhos. O nosso guia para a Amazônia é o mesmo guia usado pela expedição amazônica de Jacques Cousteau. E há diversos grupos de populações indígenas que estarão conosco em partes distintas do rio Amazonas.

ISTOÉ

Minha pergunta sobre o apoio governamental está relacionada com questões de segurança. Como o sr. sabe, a região está sob ameaça de ser engolfada por um conflito generalizado, a partir da militarização regional por causa dos conflitos na Colômbia. O sr. não acha que corre muito risco sem ter apoio logístico de militares da área?

Sir Peter Blake

 Estamos bastante cientes desta situação, e nos preparando muito bem. Estamos falando com as pessoas certas e procurando garantir nossa segurança. Se o pior acontecer, ofereceremos dura resistência a ataques. Temos uma tripulação grande, com mais de 20 pessoas, e teremos também guardas.

 

ISTOÉ

Esta não é a primeira vez que alguém se aventura pela Amazônia. O sr. espera fazer alguma descoberta – encontrar algo que tenha passado despercebido por outras expedições?

Sir Peter Blake

 A Amazônia já foi muito visitada. Mas há muito o que se descobrir por lá. Para se ter um exemplo, 30% dos peixes que estão à venda nas barracas das feiras em Belém são espécies que nunca foram identificadas e catalogadas. As pessoas nem sabem que tipo de peixe vão comer no almoço. Assim como estes peixes, existem infinidades de animais e plantas que também esperam reconhecimento. Mas não é só isso: a Amazônia é muito grande e pouco de seu território foi palmilhado. Por exemplo: nosso guia já nos apontou uma caverna onde existem fantásticas pinturas rupestres. Por causa das inundações, durante boa parte do ano esta caverna fica submersa. A escolha deste local para receber as pinturas do povo daquela região foi proposital: não era coisa para ser vista pelos espanhóis ou portugueses invasores. Assim, durante muitos séculos o segredo da caverna permaneceu bem guardado pelas águas. Nós vamos chegar até lá e documentar essas pinturas.

ISTOÉ

O sr. tem certeza de que estas cavernas existem mesmo? Uma das riquezas da Amazônia é sua capacidade de criar lendas. O sr. não estará caindo num conto indígena?

Sir Peter Blake

 Não, em absoluto. Eu sei exatamente onde a caverna está. Posso até apontar no mapa. Mas não vou contar agora. Senão estraga-se a surpresa. Mas nossa intenção vai muito além de episódios sensacionalistas. Nós vamos mostrar às pessoas o mecanismo de vida na Amazônia, tanto na floresta – com um time que vai fazer exploração terrestre – como na água. Vamos mostrar que há muitos milênios, antes de a Cordilheira dos Andes se erguer, o Amazonas era ligado ao Oceano Pacífico. Eis aí uma conexão que nos possibilita explicar a presença de golfinhos ou arraias em água doce.

ISTOÉ

O sr. tem intenção de fazer explorações submarinas também no rio Negro?

Sir Peter Blake

Sim, nós temos 17 equipamentos de mergulho a bordo. Da última vez que utilizei um deles, mergulhei em águas polares, com temperatura de menos dois graus. Agora será a vez das águas quentes do Negro. Temos, por exemplo, comunicação constante entre os mergulhadores e o pessoal de bordo. Nossos equipamentos permitem que os mergulhadores conversem normalmente e descrevam aquilo que vêem e filmam. Isso faz com que o atrativo para as pessoas seja ainda maior. Imagine uma criança na Nova Zelândia acompanhando em tempo real – através da internet – uma exploração do fundo do rio Negro. Ou um jovem brasileiro fazendo o mesmo e também aprendendo sobre o seu próprio país.

ISTOÉ

Há décadas as grandes empresas farmacêuticas financiam pesquisas na região amazônica. Existem muitos pesquisadores na floresta colhendo dados. Mas estas pesquisas, na maioria das vezes, não beneficiam nem um pouco os donos da floresta. Ao contrário: as grandes corporações acabam guardando suas descobertas a sete chaves e até patenteiam genes de plantas e animais. Qual sua posição diante desta prática?

Sir Peter Blake

Nós não estamos indo à Amazônia para patentear nada. Nossa missão é exatamente oposta: queremos dividir os conhecimentos que adquirimos durante a jornada. Vamos aprender e nos maravilhar juntos. Tudo o que acharmos será aproveitado gratuitamente e em tempo real por qualquer cidadão do mundo.

ISTOÉ

O sr. tem um casal de filhos adolescentes. Eles também farão parte da expedição?

Sir Peter Blake

 Não, eles certamente irão nos visitar por alguns dias, mas não seguem com a gente. Mas teremos dois adolescentes que farão parte da tripulação. É importante para as crianças que nos vêem na internet constatar a presença de outras crianças. Estabelece-se assim uma comunicação maior. Os jovens tripulantes vão escrever textos com suas impressões para serem lidos em nosso site, além de fazer colunas para um jornal diário da Nova Zelândia.

ISTOÉ

Mas tudo isso será feito em inglês?

Sir Peter Blake

 Infelizmente, só temos condições para textos em inglês. Mas já estamos nos organizando para que tradutores façam, em futuro próximo, as versões para diversos idiomas.

ISTOÉ

Fora os preparativos normais para uma expedição destas, o sr. teria alguma preocupação fora do comum para esta jornada?

Sir Peter Blake

Sim, coloquei muita atenção na escolha do cozinheiro. Será um homem da região, capaz de preparar refeições a que estamos acostumados. Esta preocupação com o mestre-cuca tem base em experiência passada. Quando estávamos na Antártica, tínhamos uma cozinheira jovem e bonita. Um dia a maioria da tripulação mergulhou e deixou a moça preparando a bóia. Quando voltamos à tona, vimos um barco de borracha indo em direção a um iate ancorado a uns 200 metros de distância. Ficamos sabendo depois que era o namorado de nossa cozinheira levando-a embora. O namorado achou que ela estava se divertindo mais do que ele esperava nessa expedição, e foi buscá-la no Pólo Sul. Ficamos sem cozinheira.