A Aids avança sobre a terceira idade (cerca de 60 anos). Uma década atrás, a frase soaria surreal, mas hoje é bem realista. Dos 34 novos casos que apareceram de 18 de julho a 23 de agosto no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro, 10% estão nessa faixa etária. “Há dias em que o ambulatório fica parecendo uma geriatria”, afirma o infectologista Rogério Motta, que há 12 anos trabalha com pacientes soropositivos. “No início da década de 90 era uma raridade aparecer algum idoso”, diz o médico clínico Fernando Ferry.

É um problema assustador. Dados do Ministério da Saúde já confirmam um leve aumento de novos casos na população mais velha. Nos últimos dois anos, o porcentual de pessoas contaminadas na faixa etária entre 50 e 59 anos cresceu de 5,4% para 6,6% (no grupo feminino) e de 6% para 7% (no masculino).

As estatísticas indicando a propagação do HIV na terceira idade podem ser a face cruel da melhora da qualidade de vida. Não, não é um paradoxo, se forem considerados alguns fatores. Atualmente, os sintomas da andropausa e da menopausa são cada vez mais controlados pelas terapias de reposição hormonal. Cresce a oferta de novos medicamentos, como o Viagra e o Uprima, e de injeções e próteses que resolvem os problemas de disfunção erétil, mais comuns entre os idosos. Além disso, há um inevitável estranhamento entre os mais velhos em fazer uso dos preservativos. E mais: não há campanhas que difundam a necessidade da camisinha para esse público. “É como se os idosos não se contaminassem”, critica Carlos Alberto Morais de Sá, professor de clínica médica e coordenador do Programa de Pesquisa de Aids do Gaffrée e Guinle.

Para o coordenador nacional do Programa Brasileiro de Aids, Paulo Roberto Teixeira, a melhora da qualidade de vida do idoso, associada à resistência dos mais velhos em usar preservativos, pode realmente aumentar a incidência da síndrome nas faixas etárias superiores. Há agravantes inclusive na hora de prestar atendimento correto a essas pessoas. Quando um idoso aparece com uma pneumonia ou uma infecção, dificilmente o médico investiga o problema como se fosse uma doença oportunista, facilitada pela baixa imunidade do paciente contaminado pelo HIV. O assunto sexo quase não é tocado nas consultas médicas porque se pressupõe que indivíduos nessa idade já não o pratiquem. “Tudo isso leva a um subregistro do número de doentes”, acrescenta o professor Morais Sá.

Não estimular o sexo seguro dentro dessa população é um grave erro. De acordo com o médico Motta, que trata pacientes infectados de até 90 anos, 100% das transmissões se deram por meio de relações sexuais. Foi assim que a mãe-de-santo baiana Maria de Lourdes Jesus Fonseca, 58 anos, moradora do Rio, se contaminou. “Por amor”, ela resume. Seu parceiro, o bancário Rubens, que morreu em 1997 com apenas 25 anos, contraiu Aids em uma transfusão de sangue quando se submeteu a uma operação no intestino. “Ele nem sabia que tinha a doença, até começar a emagrecer e a ficar muito fraco. Nessa altura, já tinha me contaminado”, recorda-se, emocionada. Maria de Lourdes, conhecida como Mariazinha Mãe de Ogum, apresenta um programa de rádio. No momento, está de licença médica, debilitada pela doença que a fez perder 30 quilos nos últimos três anos. Mas Mariazinha não vê a hora de voltar ao trabalho para continuar a ajudar seus ouvintes. “Adoro saber que alguém melhorou com meus conselhos.” Afirma não ter medo de morrer e acha que ainda vai voltar a ser “gorda e gostosa”.

Preconceito – Maria de Lourdes, mãe de nove filhos, sabe que o preconceito em relação à doença é forte. Especialmente na sua idade. “Os pacientes se sentem muito envergonhados. Estão sempre de cabeça baixa e a cobrança que sofrem é enorme”, completa a médica Maria José Mendes, imunologista do Gaffrée e Guinle. Algumas vezes, pesa sobre essas pessoas o abandono da família. Em outros casos, o paciente sofre com a reação da sociedade.

Benedita (nome fictício), 60 anos, soropositiva desde 1993, se ressente do tratamento dado pelos oito irmãos. É como se ela não existisse. “Nunca me ajudaram”, lamenta. Felizmente, sua filha sempre a apoiou. Quando descobriu que estava com Aids, Benedita se abateu muito. “O chão se abriu e eu entrei nele. Fiquei no buraco até ser tirada de lá pelo psiquiatra”, lembra. Benedita foi contaminada pelo marido, com quem foi casada durante 38 anos. O companheiro, que em 1983 havia recebido uma transfusão de sangue, nunca manifestou sintomas e morreu de ataque cardíaco. A má notícia só chegou à mulher quando ela retirou exames feitos pelo marido algum tempo antes de sua morte. Benedita confirmou que estava doente quando teve síndrome de púrpura, uma diminuição das plaquetas no sangue que causa manchas roxas na pele.

A nordestina Bernardete (nome fictício), 61 anos, não sofre com o preconceito dos familiares. Seus três filhos a ajudam, mas ela guarda a doença como um pesado segredo, com medo da reação dos vizinhos. Ela é separada e seu ex-marido não tem a doença. A única explicação que encontra para a contaminação foram os tempos em que trabalhou como enfermeira num hospital público do Rio. A médica imunologista e alergista Juçara Árabe, que a acompanha desde 1996, tem outros cinco pacientes de terceira idade em seu consultório. Para ela, só há um jeito de reverter o avanço da doença dentro desse grupo: “É preciso intensificar as campanhas de esclarecimento”, conclui.