Ele chegou de verdade, em papel-moeda, e deslanchou, a partir de segunda-feira 3, o verdadeiro bug do milênio: o euro, moeda comum de 12 países da Europa, apresentado oficialmente em Frankfurt no dia 30 de agosto por Wim Duisenberg, presidente do Banco Central Europeu (BCE), acaba de acionar a maior operação de troca de moedas da história das finanças, envolvendo milhares de veículos especiais que já estão distribuindo aos bancos moedas e cédulas que entrarão em circulação em 1º de janeiro de 2002. Ao todo serão impressos 14,5 bilhões de cédulas e cunhados 49,8 milhões de moedas. Os bancos irão repassar as cédulas de cinco a 500 euros e as moedas de um centavo até dois euros ao comércio, aos fabricantes e às empresas de manutenção de máquinas automáticas. É a maior troca de dinheiro que o mundo já viu. “É o símbolo da integração européia no real sentido da palavra”, disse o alemão Duisenberg.

O euro vai movimentar uma economia de US$ 6,1 trilhões, 16% do PIB mundial, aumentando a força da Europa em relação aos Estados Unidos, que, sozinhos, têm 21% do PIB mundial. Até Cuba está interessada no sucesso e na consolidação da nova moeda. Segundo o jornal The Washington Post, o governo de Fidel Castro usará a moeda comum da Europa para reforçar sua relação comercial com as nações daquele continente e, evidentemente, minimizar o peso do dólar em sua economia. Ana Maria Nieto, especialista do Banco Central cubano, resumiu em poucas palavras a expectativa que a nova moeda alimenta numa boa parte do mundo. Ela disse: “O euro pode converter-se na moeda internacional e desbancar o dólar.” Pode também, em relação a Cuba, ser uma arma efetiva contra o embargo econômico dos Estados Unidos.

Grande Europa – Grã-Bretanha, Suécia e Dinamarca até aqui decidiram não aderir à nova moeda, mas pelo menos para a terra da rainha Elizabeth II a entrada parece inevitável, segundo especialistas que defendem a opinião de que a adoção da moeda única é o caminho lógico para a integração da “Grande Europa”.

As notas não têm muita graça e nenhuma história. Têm 12 estrelas, representando o número de países que aderiram até agora, e centenas de precauções contra falsificação. O euro não terá imagens de pessoas, apenas um mapa da Europa com portões, janelas e pontes, simbolizando, segundo o BCE, a cooperação e comunicação entre a região e o resto do planeta.

Muitos lamentam o desfecho das notas antigas, imagens de gigantes da intelectualidade européia. Os belgas já sentem saudades de Adolphe Sax, inventor do saxofone, que ilustra a nota de 200 francos. Os alemães, de seus grandes escritores, cientistas e artistas. Nem Shakespeare tem chance e nem o argumento de que a África do Sul, por exemplo, decora suas notas com imagens de leões, elefantes e zebras comove o BCE, que faz concessão apenas às moedas, que serão usadas para homenagear as celebridades de cada país.

Há uma ignorância e uma apatia generalizada dos consumidores em relação à nova moeda. Mais da metade dos cidadãos da chamada “eurozona” está com dificuldade para se despedir de seus francos, liras ou pesetas; 24% dos pesquisados em maio pela Comissão Européia achavam que o euro só valeria em seus próprios países; cerca de 80% não sabem a taxa de câmbio entre a moeda local e a moeda européia; apenas 12% dos adultos sabem que as novas cédulas e moedas vão valer em 12 países. As pessoas estão com medo do impacto da moeda sobre sua poupança.

Campanha – Contra tudo isso, o BCE contratou o grupo de comunicação Publicis, um dos maiores do planeta, para criar uma campanha publicitária inusitada no mundo da propaganda: persuadir 300 milhões de europeus a aprender a gostar do euro. É uma campanha publicitária sem precedentes, lançada no dia seguinte à apresentação oficial das notas e moedas, com um custo de 80 milhões de euros (ou US$ 72 milhões, considerando que cada euro equivale neste momento a US$ 0,90). O trabalho é monumental, envolvendo um time principal de 27 profissionais da Publicis e mais 43 que estão espalhados pelas 12 capitais envolvidas na mudança. A “blitz publicitária” começa no outono europeu, final de setembro.

A Publicis já acertou um esquema de parceria com grandes empresas (American Express, IBM, Marks & Spencer, entre outros) para ajudá-la nesse desafio. Não é uma campanha de imagem, é uma campanha de produto e terá de ser dirigida especialmente para cada um dos países, embora com a mesma intensidade. Uma das dificuldades que a agência enfrenta é a de que o “produto” só será liberado no dia 1º de janeiro de 2002 (as moedas estarão liberadas a partir de 15 de dezembro), o que impede que os europeus tenham o gostinho de pegar na nota para se familiarizar.

O objetivo final da Publicis não é vender o euro e, sim, fazer com que 5% da população mundial diga com convicção: “Este é o meu dinheiro.” Enquanto esse milagre não acontecer, comerciantes aproveitam a transição para aumentar preços. O jornal francês Libération publicou, no dia 3 de setembro, um artigo afirmando que cabeleireiros e padeiros já aproveitam o desconhecimento da população para aumentar os preços em euro. Apesar dos apelos do Banco da França à responsabilidade de industriais e comerciantes, na valsa das etiquetas o croissant está mais salgado em euro.

Colaborou Luiz Antonio Cintra