Mais afeito aos traços e aos balões dos desenhos dos personagens Radical Chic e Gatão de Meia-Idade, o cartunista Miguel Paiva, 51 anos, estréia na literatura em novembro com um livro sério: Sentimento masculino – manual de sobrevivência na selva. Em 80 páginas, a obra editada pela Record é um mergulho em uma crise provocada pelo fim do relacionamento de seis anos com a terceira mulher, 15 anos mais moça, com quem tem um filho de três. A experiência de dois casamentos anteriores desfeitos não havia tirado o seu humor. O terceiro quase o jogou na lona. “Fiquei muito mal”, admite. Para escapar à crise, o cartunista tratou de cuidar do corpo e da cabeça. A ginástica fez com que emagrecesse dez quilos. O trabalho fez com que produzisse O livro de pensamentos da Radical Chic e Sentimento masculino, sua primeira incursão na prosa, mais como catarse do que por veleidade literária. “Selva é o homem lidar com os sentimentos”, diz Miguel, que já prepara a segunda incursão literária com o Diário do Gatão de Meia-Idade – só que com humor.

ISTOÉ – Para quem foi casado duas vezes antes, o que explica o desconforto que o levou ao livro?
Miguel Paiva – No primeiro e no segundo casamento, eu tomei a decisão da separação. Desta vez foi diferente. Mas o universo da relação afetiva sempre me atraiu. Radical Chic refletia os anseios da mulher moderna de 30 anos na década de 80. Nasceu na minha crise dos 30, que foi potencializadora, quando estava saindo do primeiro casamento. O Gatão de Meia-Idade surgiu quando eu tinha 40 anos. Reflete os dilemas do homem moderno. O personagem foi criado na minha crise dos 40, quando estava saindo do segundo casamento, que durou 15 anos. A de agora é a crise dos 50 e o problema mistura rejeição com um sentimento de incompreensão do que aconteceu. Com certeza, não se trata de uma questão de idade. Talvez, no máximo, um conflito de gerações.

ISTOÉ – Os anos de análise o incentivaram a buscar no livro uma saída para a crise?
Paiva
– Consegui com os livros domesticar a minha cabeça em nome de algo mais criativo e direto. O livro da Radical Chic foi uma terapia ocupacional. Sentimento masculino foi uma catarse. Escrevi de uma levada. Botei tudo para fora e depois fui moldando a forma. O fantástico é que, quando contei ao analista que a dedicatória se referia a ele como quem havia me dado o mapa e a bússola para a expedição, ele disse: “Eu me considero no máximo um ajudante de jardinagem.” E a analogia do livro é exatamente esta: de quem está perdido em uma selva sem saída. Na realidade, a selva existe, mas ela pode ser transformada em jardim cultivável. Antes da conversa com o analista já havia dado à última parte do livro o título de Lição de jardinagem. A questão é como transformar a selva escura num jardim cultivável.

ISTOÉ – O que é a selva escura?
Paiva – O homem lidar com o sentimento. O homem estrutura muito a vida afetiva em cima de valores que são baseados na força, no poder, na superioridade, em uma série de coisas externas. Ele sabe lidar muito pouco com a parte interna. A mulher tem um espaço dentro dela para se recolher. Talvez seja isso que faça com que ela consiga fecundar e gerar um filho. Nossa referência é toda externa.

ISTOÉ – Mas homens e mulheres ainda se explicam por estereótipos tradicionais?
Paiva – Houve uma evolução dos homens até por força da pressão feminina. As mulheres mudaram tanto que o homem não pode mais deixar de levar em consideração quem está do seu lado. O homem dá mais importância do que antes ao sentimento. As mulheres, por sua vez, hoje empurram o homem muito mais para o dilema sentimental. A minha vontade era entender isso porque não temos o hábito e a habilidade de refletir sobre o sentimento. A dificuldade maior para o homem é se pôr no lugar do outro. O homem está mais generoso em relação aos sentimentos, mas a herança cultural ainda é muito pesada. Como a mulher mudou mais rápido, chegamos a um impasse. Nunca vi tanta dificuldade de relacionamento.

ISTOÉ – O livro tem o subtítulo de Manual de sobrevivência na selva, mas não dá a receita. Por quê?
Paiva – Ele é só um manual para entender a selva. No máximo, tem idéias para ajudar a entender as coisas num quadro de tantas dificuldades de relacionamento. A “galinhagem” não é uma má idéia, mas terapeuticamente acho que não passa de disfarce machista. A saída talvez seja o homem se entender internamente com ele próprio.

ISTOÉ – Escrever um livro ajuda a segurar a barra de uma separação?
Paiva – Como perdi a ascendência sobre a relação e não conseguia nem falar com a pessoa com quem vivia, fiquei sem chão. Talvez tenha sido isso que tenha me deixado mais desestruturado: a impossibilidade da comunicação. Então, decidi cuidar do corpo e da cabeça. Sentimento masculino foi uma viagem ao centro de mim mesmo.