Domingo 2, 15h50. Sentado na grama do Parque Villa Lobos, zona oeste de São Paulo, um grupo aguarda o convidado mais esperado da tarde. Apesar do atraso, ninguém está irritado. Todos acreditam que ele não faria a desfeita de deixar todo mundo no chão. Às 16h15, finalmente ele aparece. Mesmo sem a força e a intensidade desejadas, o vento chega e as pipas, ou melhor, kites, transformam o espaço aéreo do Villa Lobos em um grande mosaico de cores e poesia.

Todos os finais de semana, cerca de 30 kiteros, ou eolistas, os amantes do vento, ganham uma passagem de ida e volta à infância. Nessa viagem, ficam na gaveta da memória as varetas de bambu, a folha de seda e a famosa linha de costura 10, os ingredientes mais usados na alquimia das velhas pipas, papagaios, pandorgas ou como quer que sejam chamados pelo Brasil afora. Nos kites, agora até o nome é em inglês, as varetas são de fibra de carbono, o corpo é de ripstop, o mesmo material usado na fabricação de pára-quedas e as linhas são uma mistura de uma fibra chamada kevlar e poliéster. Essas características o tornam um brinquedinho caro. A maioria dos kites é importada dos Estados Unidos e da Europa. Os mais baratos ficam na faixa dos US$ 100. Os mais caros podem passar dos US$ 1 mil. Isso explica por que não se vê a criançada na brincadeira. Quase todos os praticantes estão na faixa dos 40 anos. São profissionais liberais e empresários que fazem questão de manter o doce vício adquirido na infância. “Vou morrer empinando pipa”, diz Ademar Casarim, 65 anos, o vovô da galera. Casarim divertia-se ao comando de um Nasa Wind, um rápido kite em formato de um daqueles pára-quedas projetados para amortecer a queda das cápsulas das naves do projeto Apollo.

As pipas hi-tech são divididas em duas categorias: estáticas e de manobra. As do primeiro grupo foram feitas para os que preferem tranquilidade à adrenalina. Quase não ganham velocidade. A grande vedete da classe é um gigantesco polvo vermelho – um dos raros kites confeccionados aqui. O brinquedo mede mais de 30 metros de altura e pesa 25 quilos. O autor da preciosidade, o projetista Eduardo Domingues Rodrigues, 43 anos, gastou mais de 250 metros quadrados de náilon na sua construção. Para empiná-lo, Rodrigues usa um cinto amarrado à cintura. Em dias de vento forte, o polvo é capaz de arrastar uma pessoa. “Essa é a maior pipa da América Latina”, garante Rodrigues, dono de uma das seis fábricas de kite instaladas no País. O projetista ainda mandou ao céu outra jóia, um kite feito com 55 polvinhos milimetricamente enfileirados.

O estudante Oliver Düssel, 15 anos, vê beleza nos estáticos, mas seu negócio mesmo é adrenalina. Ele é fã das pipas de manobra, também chamadas de tração, projetadas para rasgar o céu em rápidos e ousados movimentos. Essa galera gosta de dizer que não empina, mas pilota. Düssel torcia para o vento aumentar. Queria mais pressão no seu kite em formato de paraglyder. Mesmo sem tanta força, o deslocamento do ar fez estragos. “Ralei todo o meu joelho”, dizia Düssel, que realizava suas manobras preso a um trapézio semelhante ao utilizado pelos praticantes de windsurf. Esse tipo de pipa chega a puxar um carrinho capaz de levar até duas pessoas. O kite mais radical é o revolution. Em forma de trapézio, a pequena pipa tem comando quádruplo, feito por quatro linhas. Pilotá-lo é tarefa para os mais experientes. “É um videogame ao vivo”, diz o kitero e projetista Celso Canhettti, 52 anos.

De tração ou estáticos, isso pouco importa. O que essa galera quer mesmo é relaxar. “Essa é a melhor terapia anti-stress que existe. Você sai daqui outra pessoa”, afirma o cirurgião dentista Max Ferreira, 43 anos, um dos pioneiros da turma do Villa Lobos.