Se depender de dois passageiros que se conheceram no vôo 3386, viajando do Rio de Janeiro para Belo Horizonte na manhã de sexta-feira, 9 de maio, o ministro Nelson Jobim já tem um lugar definitivo no céu da aviação comercial. Ele tomou posse do "caos aéreo" há menos de um ano. E, nesse meio tempo, botou ordem na desordem dos aeroportos.

Ninguém aqui está dizendo que o ministro acabou com a bagunça. Ele abrasileirou-a. Repôs os atrasos dos aviões em nosso cotidiano, tornando-os normais. Sem tamanho para ocupar telejornais, eles sumiram das manchetes. Recuaram para os debates das salas de embarque. E assim, sem os brasileiros notarem, o "caos" do ano passado ficou tão calado que parece resolvido. A última vez que foi visto nos jornais, andava por Londres. Era a notícia sobre o fiasco da British Airways no aeroporto de Heathrow, onde um terminal que custou US$ 8 bilhões, com tudo para virar prodígio da inteligência artificial, estreou no mês passado como um Congonhas qualquer da era pré-Jobim.

A restauração da bagunça à brasileira tem vantagens operacionais. Libera soluções informais que o rigor dos sistemas eletrônicos e dos horários fixos tende a inibir. Como ficou provado no tal vôo 3386, depois que a funcionária, do outro lado do balcão, trocou o "bom-dia" sorridente pelo diálogo interminável com a tela à sua frente. Pelo tamborilar de seus dedos no teclado, era claro que alguma coisa estava errada. Mas ela não tirava os olhos da tela para explicar o que era.

Pediu números da carteira de identidade e de CPF. Não conferiam. Testou a senha da reserva e o código da passagem. Bingo. Chamou o supervisor. Ligou para colegas. A fila foi crescendo, e o prazo, encurtando. E tudo o que ela tinha a declarar sobre a confusão era a frase: "O sr. já fez check-in." E ainda está para nascer o computador capaz de convencer disso um ser humano que, por falível que seja, sabe muito bem que não fez check-in.

O ministro Nelson Jobim abrasileirou o caos aéreo. Repôs o atraso dos aviões em nosso cotidiano, tornando-os normais

Na última hora, o bom e velho improviso nacional salvou o dia. A despachante parou de argumentar com a máquina. Arrancou de suas entranhas a tripa de papel amarelo que o protocolo da aviação continua a chamar cerimoniosamente de "cartão". E me garantiu o assento 5C no 3386, como mandava a reserva. Só que, a bordo, havia outra pessoa no lugar. E empunhava sua cópia de papel amarelo, garantindo-lhe o 5C. Mas, no avião lotado, sobrava uma vaga na poltrona a seu lado – a do meio, sob medida para casais que, viajando com filho pequeno, desejem imobilizá-lo durante o vôo. Sem escolha, o segundo titular da 5C espremeu-se na cadeira.

Foi sorte, porque ganhou com isso a companhia de um passageiro falante e afável, que se apresentou como "seu xará". Dito isso, sacou o cartão de visitas. Era o mesmo nome, o mesmo sobrenome, a mesma grafia: Marcos Corrêa. Tratava-se do diretor de uma empresa de informática para administração hospitalar, com escritórios em vários Estados. Viajava com freqüência. Tarimbado, memorizara o localizador: EXYYWG. "O seu deve ser igual", comentou. Acertou na mosca. Moral da história: se dependesse do sistema eletrônico de reservas, a confusão deixaria um dos dois no solo. Mas no meio da bagunça havia uma funcionária que não leva palavra de computador ao pé da letra.