Manoel Soares Leães, o Maneco, piloto que levou o presidente João Goulart ao exílio no Uruguai, morreu aos 78 anos, no dia 7 de agosto, em Porto Alegre, com um balaio de histórias sobre os 26 anos de convivência entre os dois e pelo menos um detalhe capaz de pôr fim às especulações sobre o assassinato de Jango: a de que meses antes de morrer ele se submetera a um check-up no Instituto Cardiológico de Lyon, na França, do qual saiu praticamente desenganado. Nos últimos meses, Jango adotou uma dieta rigorosa e chegou a emagrecer 14 quilos, mas era tarde para quem tinha um extenso prontuário de problemas cardíacos. “Duvido que tenha morrido de outra coisa que não do coração”, contou Maneco ao escritor Kenny Braga, que conclui o livro de memórias do piloto. Maneco estava num avião que fazia o trajeto Montevidéu–Rio quando Jango morreu, em 13 de dezembro de 1976.

O relato do piloto reserva detalhes curiosos. Jango tinha tanto medo de brocas e alicates que foi ao dentista junto com um cardiologista e mesmo assim desmaiou na cadeira. Outra história: no exílio, precisou contratar um empregado para a fazenda Punta del Leste. O primeiro candidato foi um assaltante que acabara de sair da prisão. “Apareceste em boa hora. Tenho de ir a Montevidéu”, disse Jango. Quando voltou, encontrou a fazenda intocada e o ladrão com drama de consciência. “Preciso ir. Vim assaltar, mas não posso fazer isso com quem me confiou a chave de casa”, disse. “Vai embora nada. Você é um ladrão decente”, rebateu Jango, que ficou com o empregado até a morte.

Manoel Leães foi o único a ouvir a conversa entre Goulart e o ministro da Guerra Jair Dantas Ribeiro, que estava hospitalizado, na manhã do dia 31 de março de 1964. Preocupado com o golpe, Jango queria substituí-lo pelo marechal Henrique Teixeira Lott. “Dantas Ribeiro garantiu que controlava tudo”, relembrou o piloto. Foi um erro. Jango foi para Brasília, onde dormiu na noite de 31 de março para 1º de abril. No dia seguinte estava em Porto Alegre para uma reunião na casa do comandante do 3º Exército, general Ladário Telles, numa última tentativa de reverter o golpe que já estava nas ruas.

Aí começava a missão mais difícil do piloto: driblar a Operação Mosquito, montada pela Aeronáutica para abater no ar o avião presidencial, e levar a família Goulart ao exílio. Viajou com a primeira-dama Maria Tereza e os filhos para o Uruguai, onde obteve a garantia do presidente Fernandez Crespo de que Jango seria bem recebido. No dia seguinte, quando Maneco se aproximava do aeroporto de Carrasco veio a ordem para que o avião desviasse para a base militar de Pando, em Montevidéu. “Tínhamos combinado que seria em Carrasco. Volta para o Brasil”, reagiu Jango. O piloto relutou: “Se o senhor voltar será preso ou morto. Vamos para Montevidéu.” Quando o avião sobrevoava a base, outro susto: a multidão fez Jango pensar que ia ser preso. Paranóia. Crespo havia convocado o Ministério para recebê-lo. “Maneco é desses que parecem ocupar um papel secundário na história, mas sem o qual não se saberia tudo o que ela esconde”, diz Kenny Braga.