Vai longe o tempo que o Brasil penava para conseguir emprestadas obras dos grandes acervos de arte internacional. Da exposição de esculturas de Auguste Rodin em 1995 (150 mil visitantes em 38 dias) em diante, ficou provado para os responsáveis pelas mais valiosas coleções do mundo que o País tem todas as condições técninas de receber e exibir, como também talento para promover e divulgar montagens que por muitas razões deixam raramente a segurança de suas casas oficiais. Nos últimos anos, o Brasil quebrou todos os recordes mundiais de visitação a exposições itinerantes, sendo a maior de todas, marcando 1,2 milhão de pessoas, “A Magia de Escher” realizada em diferentes espaços e cidades brasileiras. Este ano, porém, um vento mudou a paisagem favorecida pelas leis de incentivo fiscal para quem patrocina arte: a disparada do dólar.

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A mostra “Picasso e A Modernidade Espanhola”, que abre para o público na quarta-feira 25, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, apesar do nome, traz apenas quatro pinturas do cubista. Fora isso, obras consideradas menores, como gravuras e estudos (pedaços de esboços) que ele fez para a criação do mais político de seus trabalhos, a tela “Guernica”, que veio inteira uma única vez para o Brasil, em 1953 para a 2ª Bienal de São Paulo.

Maria Ignez Mantovani, diretora da Expomus, que traz o conjunto emprestado do Museo de Arte Reina Sofía, enxerga um momento de paralisação nos projetos expositivos: “É uma pena, pois o Brasil havia se tornado um dos players do circuito internacional. Foi uma conquista de muitas décadas de investimento em confiança e formação profissional e de público”. Para Maria Ignez, a tendência é que os produtores, captadores e patrocinadores se arrisquem muito menos daqui pra frente. Por esse crivo, projetos contemporâneos como a vinda do australiano Ron Mueck, que levou 4.178 pessoas por dia à Pinacoteca do Estado de São Paulo e explodiu a contagem de mídia espontânea nas redes sociais, não serão viáveis nos próximos tempos. “Se o dólar continuar nessa toada, é possível que tenhamos de levar mais arte brasileira para fora, do que trazer arte de fora para o Brasil”, diz a diretora.

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RESUMO
Mostra que abre em São Paulo reúne apenas cinco pinturas de Pablo Picasso,
como “O Pintor e a Modelo”, tela de 1963 (abaixo). Do célebre painel
“Guernica” (acima), tela criada sob o impacto do bombardeio de Hiltler
à cidade de mesmo nome em 1937, vem apenas alguns dos esboços,
como “Cabeça de Cavalo” (no destaque)

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Pieter Tjabbes, diretor da Art Unlimited, realizador da mostra de Escher no Brasil, está na fase de aprovação de empreitada que trará coleção de primeira grandeza de Patrick Mondriand ainda este ano. Mas quando começou a escrever o projeto para a vinda das 70 obras (quase todas nunca vistas por aqui), o dólar girava em torno de R$ 2. Hoje, ele não baixa da casa dos R$ 3,20. “O transporte das peças e das equipes de apoio, uma das etapas mais onerosas do projeto é calculado em dólar. Evidentemente teremos
de fazer adequações”, diz ele.

Os ajustes podem significar, segundo os produtores de exibição de arte ouvidos por ISTOÉ, um enxugamento das mostras já orçadas (menos obras) e, mais adiante, a redução do número de exposições internacionais (menos eventos). “Operamos como importadores e, nesse cenário econômico, o nosso lado do balcão é que se encolhe. Não se pode contar com uma compreensão dos fornecedores externos, vitais no tipo de trabalho que trazemos, em baixar os seus preços diante da queda tão vertiginosa da nossa moeda”, diz Tjabbes. “Da mesma forma que é compreensível que os patrocinadores apertem os cintos, é certo que vamos ter de trabalhar com menos.”

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O Louvre, principal museu da França e um dos maiores do mundo, encomendou uma pesquisa que detectou o brasileiro como seu segundo maior público estrangeiro. De acordo com o levantamento, o turista daqui – esse mesmo que fica cinco horas numa fila sob o sol para ver a obra de uma japonesa que vive numa clínica psiquiátrica (Yayoi Kusama, 522 mil visitantes) — é o que mais se informa sobre o que vê e o único que gasta mais de um dia de viagem para visitar o museu. Ainda que não seja um problema dos fornecedores estrangeiros, a desvalorização do Real vai minguar a nossa invejável programação expositiva, ao mesmo tempo que reduzirá o número de brasileiros que dedicam suas férias fora do país a conhecer arte. Um verdadeiro “perde, perde” para a arte.

Fotos: Denis Doyle/AP Photo; ANDRE LESSA/AE 


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