Nós criamos nosso mito. O mito é uma crença, uma paixão. Não é necessário que ele seja realidade.” Essa máxima foi proferida em 1922 por Benito Mussolini (1883-1945), quando ele ainda não se tornara Il Duce (chefe), o rocambolesco ditador da Itália fascista. Dos mitos que o fascismo criou, um dos poucos que tinham sobrevivido à sua derrocada foi a idéia de que Mussolini era um macho viril, rodeado de amantes e com uma esposa fiel e submissa, como prescreviam os cânones do regime. Agora, 56 anos depois de sua morte, nem isso sobrou. Uma revelação bombástica está levando os herdeiros do Duce a trocar impropérios e a lavar roupa suja em público. Numa entrevista realizada em 1995, mas só divulgada na segunda-feira 3 pela rede de tevê estatal RAI 3, a filha mais velha e a predileta do ditador, Edda Mussolini Ciano, revela que sua mãe, Rachele, teve um amante a partir de 1925, três anos depois de Mussolini ter se tornado o senhor absoluto da Itália. A confissão foi feita por Edda num hospital em Roma poucos meses antes de sua morte. O jornal Libero, de direita, ligado ao primeiro-ministro Silvio Berlusconi, tascou na primeira página: “Mussolini era corno.” “É mentira! É mentira, é tudo falso!”, estrilou Alessandra Mussolini, neta do Duce e sobrinha de Edda. “Meu avô nunca foi corno e minha avó não o traiu, nem mesmo em pensamento. Minha tia disse essas coisas porque vovó e ela viveram em conflito permanente”, garantiu a deputada pela Aliança Nacional (partido neofascista), herdeira política de Mussolini. Alessandra, cujo passado como modelo erótica que posou para a revista Playboy lhe valeu o apelido de “Cicciolina neofascista”, também é sobrinha da atriz Sophia Loren.

Genro executado – Aos 39 anos, a deputada não tem idade para ter conhecido o ditador fascista, além do convívio de poucos anos com Rachele. Assim, tantas certezas sobre o comportamento de seus avós estão baseadas unicamente em declarações feitas pelo pai, Romano, o filho caçula de Mussolini. Alessandra garante que sua tia Edda jamais perdoou o Duce pela execução do marido, o conde Galeazzo Ciano. Casado com Edda em 1930, o conde subiu rapidamente na hierarquia do regime e chegou a ministro das Relações Exteriores, posto que ocupou por sete anos (entre 1936 e 1943). Contrário à entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha, Ciano perdeu força no governo. Mas em julho de 1943, com a derrocada da Itália, o genro de Mussolini foi um dos membros do Grande Conselho Fascista que votaram pela destituição do Duce. Capturado pelos alemães, o conde foi entregue aos partidários de Mussolini e fuzilado por traição em janeiro de 1944.

Segundo a reportagem, Rachele Mussolini, que teve cinco filhos com o ditador, manteve um relacionamento amoroso com um homem – cujo nome não foi revelado –, o cunhado do chefe da estação ferroviária de Predappio, na Romagna. Uma ironia, se lembrarmos que uma das conquistas apregoadas pelo fascismo foi justamente a pontualidade dos trens. O sujeito frequentava a casa do casal Mussolini naquela cidade e Edda ouviu a mãe fazer declarações confessionais ao marido. “Quase nunca consigo te ver. Você vive cheio de mulheres, mas eu tenho uma pessoa que me quer bem e me faz boa companhia.” A reportagem revela ainda que, quando tomou conhecimento do affair da mãe, Edda, com 15 anos, reagiu como típica mulher-modelo do fascismo: “Sendo homem, papai podia fazer o que queria, mas mamãe, não!” Tempos depois, Edda mudou de opinião, não por influência do feminismo, mas porque, segundo ela própria, aprendeu a compreender melhor os motivos da mãe. Na entrevista, a filha predileta de Mussolini lembrou que o pai teve várias amantes, além da mais famosa, Clara Petacci, que compartilhou o trágico fim do Duce: ambos foram fuzilados e dependurados pelos pés na Piazzale Loreto, em Milão.