A porta foi arrombada. Dentro, a Polícia Federal encontrou o deputado federal José Priante (PMDB-PA), primo e braço direito do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), comandando, em nome do chefe do clã, um esquema de coleta de propinas de empresários com projetos na Sudam. O objetivo: consolidar o domínio político de Jader em Altamira, uma cidade pobre de pouco mais de 80 mil habitantes no interior do Pará, mas de localização estratégica para grandes projetos empresariais. Documentos, cheques e depoimentos reunidos pela PF nas duas últimas semanas na cidade de Altamira mostram de forma explosiva o desvio de dinheiro da Sudam para pagamento de propinas e o envolvimento direto do clã Barbalho. Parte do dinheiro liberado pela Sudam foi desviado para financiar a eleição do atual prefeito da cidade, Domingos Juvenil (PMDB), apadrinhado do presidente licenciado do Senado. Definiu-se até um critério para as contribuições, arrecadadas de um seleto grupo de empresários e políticos locais ligados à “família” de Jader, todos com projetos junto à Sudam e, por isso, conhecidos na cidade como “sudanzeiros”. A cota era de R$ 20 mil por projeto. Aqueles que tocavam apenas um negócio desembolsavam o piso. Quem tinha dois, entrava com R$ 40 mil, os donos de três empreendimentos irrigados com dinheiro da Sudam pagavam R$ 60 mil, e assim por diante. A esses desvios, somam-se as propinas cobradas pela contadora Maria Auxiliadora Martins, principal intermediária do esquema de liberação de verbas dentro da superintendência.

A PF já tem provas para indiciar os cabeças do esquema: Jader, Priante, Maria Auxiliadora, Domingos Juvenil e o ex-superintendente da Sudam, Arthur Guedes Tourinho. Maria Auxiliadora, que alterava os projetos deixando os empresários reféns do esquema, pode ser indiciada e presa nesta semana. O inquérito-mãe deve estar fechado em 30 dias. A verba surrupiada da Sudam foi decisiva para amarrar o domínio de Jader Barbalho na região de Altamira, a 60 quilômetros do porto de Vitória do Xingu, que recebe navios de grande porte, próprios para exportação. De 1998 para cá, quando finalmente a rede elétrica chegou à cidade, a Sudam, um feudo do senador, despejou na região mais de R$ 200 milhões em 48 projetos agropecuários. Muitos nem saíram do papel. A maioria dos sudanzeiros que pegaram o pedágio, mas investiram no projeto, ficou duplamente enrolada: eles entraram num esquema criminoso e não conseguem agora tocar seus negócios. Com o bolso furado, pelo menos quatro deles, pressionados pelas investigações, resolveram confessar à PF o funcionamento do esquema. Descreveram-no em depoimentos sigilosos.

“Taradão” – A Polícia Federal descobriu detalhes escabrosos de reuniões em que houve arrecadação de dinheiro para campanhas políticas. Priante, identificando-se como representante de Jader, esteve pessoalmente em vários lugares com os sudanzeiros, ao lado do então candidato Juvenil, e cobrou o pedágio dos empresários para a campanha do atual prefeito. Um desses encontros aconteceu no Xingu Praia Clube, um dos dois clubes de Altamira. O outro foi no haras de um dos homens mais fiéis aos Barbalho, Wanderlan Cruz. Durante as reuniões, o grupo, constituído de pouco mais de dez pessoas, pingava as contribuições nas mãos de dois ou três companheiros. Eram pagas em dinheiro ou em cheques, sempre emitidos pelas empresas dos sudanzeiros, no Banco da Amazônia (Basa), onde a superintendência depositava o dinheiro destinado aos projetos. Os cheques recebiam no verso o endosso do tesoureiro responsável pela arrecadação ou do próprio Juvenil. Seriam descontados quando as parcelas fossem liberadas. O endosso servia como garantia para que fossem trocados antecipadamente por agiotas locais. A polícia federal apreendeu dezenas desses cheques no cofre do agiota que mais operava com o esquema em Altamira, Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como “Taradão”. Um dos responsáveis pela coleta da propina nas reuniões era Silvério Albano Fernandes, dono de um projeto e que contribuiu com R$ 20 mil. A PF encontrou cinco cheques de sudanzeiros endossados por Silvério. Outro integrante do grupo responsável pela arrecadação era Waldecir Maia, membro do diretório do PMDB em Altamira.

Os quatro delegados que tocam as investigações descobriram outras amostras do envolvimento de Priante. Depois das eleições, nos dias 3 e 4 de março deste ano, quando o Ministério da Integração já fazia uma devassa nas contas dos projetos da Sudam, o principal operador de Jader voltou a Altamira para discutir a suspensão na liberação dos financiamentos determinada a partir das denúncias de fraude na superintendência. Reuniu-se com eles no hotel Augustu’s. Priante trouxe a tiracolo o primo Rubens Barbalho e seu assessor direto, Irenildes do Carmo Rodrigues, o Alemão, que, segundo relatos de sudanzeiros à PF, também circulava com frequência em Altamira com a missão de arrecadar propinas.

Devassa – Priante nunca ficava no prejuízo nas suas viagens a Altamira. Quando esteve lá, em março deste ano, teve as despesas pagas pela prefeitura da cidade. O delegado que coordena as investigações do caso, Hélbio Dias Leite, tem uma nota fiscal que comprova a passagem do deputado e seus acompanhantes. Ingenuamente, o hotel emitiu para a prefeitura uma nota que discriminava o nome dos hóspedes. Para evitar identificações, a prefeitura exigiu uma nova nota, sem nomes. Nos anos anteriores, Priante costumava usar, na cidade, os serviços do Alta Palace, sempre pagos pela prefeitura ou por sudanzeiros.

A devassa no derrame de dinheiro da Sudam na região também provocou uma viagem da intermediária Maria Auxiliadora a Altamira. Ficou na cidade por cinco dias e reuniu-se no Augustu’s com os principais sudanzeiros locais para discutir a situação dos projetos. A contadora usava métodos variados na arrecadação de propinas. No caso do empresário Danny Gutzeit, um dos principais integrantes do grupo político de apoio a Jader na região, Auxiliadora recolhia entre 7% e 10% do valor dos projetos, para alimentar o esquema de corrupção dentro da Sudam. Esse dinheiro era depositado em contas de desconhecidos – laranjas, segundo apurou a PF. Mais grave ainda: a Polícia Federal tem evidências de que Danny, conhecido como “Sudanny”, esteve em Brasília levando pessoas do esquema para se encontrar com Jader. Já o sudanzeiro Jorge Fabrício Mansour, que toca uma plantação de pimenta-do-reino e cupuaçu junto com o pai, Manoel Mansour, diz que pagou a propina – R$ 400 mil de uma parcela de R$ 1,2 milhão – em dinheiro vivo. Às sete da manhã do dia seguinte ao depósito, no Basa, da primeira parcela do financiamento na conta da empresa da família, Auxiliadora já batia na porta dos Mansour para cobrar o pagamento. “O dinheiro nem esquentou na conta”, diz o filho Fabrício.

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Mitsubishi – O velho Mansour, vereador e ex-integrante do grupo de Barbalho em Altamira, conhece Priante há quase dez anos e já votou nele duas vezes. Depois que a fiscalização encontrou uma série de fraudes na papelada do projeto da família, Mansour tentou falar com o deputado, mas não conseguiu. “Se ele não retornou, é porque não tem interesse, certo?”, conclui. Os dois disseram à PF que desconheciam as irregularidades. “Só desconfiei que tinha problema quando veio o fiscal do Ministério aqui e começou a perguntar por coisas que nunca tivemos no projeto, como um trator de esteira, uma camionete Mitsubishi, uma sede de dois andares na fazenda”, diz o vereador. Ao responsabilizar Auxiliadora por todas as fraudes e desvios, a família Mansour conta outros detalhes de como trabalhava a intermediária. “Na época da liberação da segunda parcela, ela enviou dois fiscais da Sudam, um rapaz e uma senhora chamada Lia, que ficaram no máximo 20 minutos na fazenda. Não perguntaram nada. A mulher nem saiu do carro”, diz Manoel Mansour. O vereador, assim como Danny Gutzeit, integrava o grupo dos sudanzeiros que participavam das reuniões de arrecadação supervisionadas por Priante.

Há meses a PF vem acumulando documentos que envolvem o presidente licenciado do Senado, Jader Barbalho, no esquema de propinas da Sudam. São cartas, anotações e depósitos bancários. Dois deles teriam sido feitos em 1998 por sudanzeiros de Altamira na conta do ranário Centeno & Moreira, de Márcia Zahluth, atual mulher do senador. A propina seria para ajudar a financiar a terceira campanha de Jader ao governo do Pará, perdida para Almir Gabriel. A PF também investe em outras frentes para fortalecer as provas contra Jader. Com os depoimentos recolhidos em Altamira, vai pressionar Auxiliadora. Também investirá no depoimento do sudanzeiro José Soares Sobrinho, preso na segunda-feira 3 pela segunda vez. Ligadíssimo ao clã dos Barbalho, Sobrinho tem muito o que contar.


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