Feita de círculos hipnóticos, a música de Philip Glass não poderia ser melhor trilha sonora para os olhares sombrios de Bela Lugosi, o vampiro mais famoso do cinema que, em 1931, protagonizou Drácula, do diretor Tod Browning, hoje um clássico da sétima arte. Em celebração aos 25 anos de uma criativa colaboração entre Glass e a tela grande, ele criou a série Philip on film, com noites dedicadas à exibição de fitas com suas respectivas trilhas executadas ao vivo. A partir da terça-feira 11*, o compositor fará quatro apresentações em três capitais brasileiras com seu grupo Philip Glass Ensemble. Enquanto na tela, Lugosi perpetra sua expressão gótica na conhecida história baseada no livro de Bram Stoker, o público ouvirá os acordes minimalistas dos teclados de Glass, numa referência às antigas sessões do cinema mudo, quando um pianista dava cor às cenas mudas.

Philip Glass, que já tentou aprender português por causa da sonoridade da língua, ao longo da carreira tem feito experimentações que o colocam numa tênue fronteira entre a música pop e a erudita. Ele é considerado um dos expoentes da música minimalista. Aquela que, como o movimento artístico, consegue o máximo de efeitos com o mínimo de recursos.

Originariamente, Drácula não tem trilha sonora, a não ser os uivos dos lobos que o conde das trevas diz soar como música a seus ouvidos. Para a época talvez fosse mais aterrorizante ver apenas o sorriso sedento de sangue de Bela Lugosi ou seus ingênuos planos para crivar os caninos – nunca mostrados – no lindo pescoço, apenas insinuado, da heroína Mina, interpretada por Helen Chandler. Diante do festival de vísceras que hoje se assiste nas telas, o Drácula de Browning é programa de matinê. Até com certos toques de humor involuntário, como o sotaque proletário do funcionário do manicômio onde se aloja um dos escravos da mente do conde e as interpretações impostadas, incluindo a do húngaro Lugosi, que espertamente acentuou seu sotaque para dar mais charme ao personagem que abandona seu castelo na Transilvânia para vir chupar sangue em Londres.

A fita foi remasterizada e relançada em 1998 já com a trilha composta por Glass a pedido da Universal e dos herdeiros de Browning, morto em 1962. Executada pelo Kronos Quartet, ganhou intensidade, um certo clima, mas não compete com as cenas clássicas. A intenção de Glass foi produzir uma atmosfera moderna para quem hoje assiste ao filme como curiosidade histórica. Diferentemente das outras trilhas criadas para o cinema pelo compositor, entre elas a do impressionante Koyaanisqatsi. 

*Rio de Janeiro, Theatro Municipal (dia 11);
São Paulo, Sala São Paulo (16 e 17); e Porto Alegre, Teatro do Sesi (19).