Este foi um agosto cheio de golpes de publicidade militar. Primeiro, o Iraque anunciou, na segunda-feira 27, que havia derrubado um avião espião Predator, da Força Aérea Americana (Usaf), que valia US$ 3,2 milhões. No dia seguinte, numa terça-feira calorenta em Israel – e num imutável tempo quente na Cisjordânia – mísseis israelenses destroçaram um cômodo no terceiro andar de um prédio na cidade de Ramallah, administrada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), matando o líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Foram dois episódios separados por mais de mil quilômetros, mas que, no tabuleiro de xadrez do Oriente Médio, representam lances semelhantes, servindo de exemplos de jogos paralelos. Principalmente no que diz respeito à tecnologia empregada em cada um dos casos. No primeiro episódio, que o Departamento de Defesa americano jura ser um acontecimento provocado simplesmente por falha técnica de um avião, as baterias antiaéreas de Saddam Hussein abateram muito mais do que um aparelho espião. É verdade que não haverá sacos plásticos contendo corpos de oficiais americanos desfilando em frente ao Palácio Presidencial Al Karkh. O Predator – assim batizado em homenagem a um filme de 1987 com Arnold Schwarzenegger – é uma aeronave que dispensa piloto, voando por controle remoto pré-programado. Mesmo assim, sua suposta derrubada é um trunfo iraquiano, pois a aeronave é a maior aposta do complexo militar americano para a guerra e a bisbilhotagem do século XXI. Já os palestinos foram vítimas de um esquema de vingança israelense muito mais elaborado, com alta capacidade tecnológica e velhos recursos de espionagem. Nesse último episódio, o líder da FPLP, Mustafá Zubari, conhecido como Abu Ali Mustafá, desapareceu do mapa, literalmente, depois de servir de alvo para dois petardos dirigidos a seu apartamento.

Abu Ali Mustafá era um velho de guerra: tinha 63 anos, dois terços dos quais passados na militância armada palestina. A justificativa do governo do primeiro-ministro Ariel Sharon, de Israel, é que o líder morto não cumpriu a promessa de abandonar as ações armadas contra Israel. Mustafá era o dirigente máximo da Frente Popular para a Libertação da Palestina, uma facção radical da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a segunda força mais importante depois da Al Fatah de Yasser Arafat. No passado, a FPLP foi um grupo marxista palestino liderado pelo legendário George Habashe (morto no ano passado), baseado em Damasco (Síria) e que se tornaria conhecido na década de 70 pelo sequestro de vários aviões. A organização se opôs aos acordos de paz entre Israel e a OLP em 1993, recusando-se a participar da Autoridade Palestina. A organização reconciliou-se com a OLP em 1999, quando Mustafá foi autorizado a voltar à Cisjordânia, depois de 32 anos de exílio. Em 1996, pouco antes das eleições gerais que elegeriam o premiê direitista Benjamin Netanyahu, Mustafá disse a ISTOÉ que seu maior desejo seria morrer no Estado Palestino. Pode-se dizer que realizou parte de seu sonho. Naquela segunda-feira, ele estava sentado em sua escrivaninha no escritório da FPLP, numa cidade administrada pela ANP, Ramallah, na Cisjordânia, quando foi atingido pelos mísseis israelenses. Foi a primeira vez que as ações de represália contra os intifadehs (participantes da Intifada, rebelião palestina contra Israel), iniciadas há 11 meses, atingiram um representante do alto escalão da Autoridade Nacional Palestina. Enquanto a explosão reduzia Mustafá a pedaços que só seriam reconhecidos por sua roupa chamuscada, os filhos dele brincavam no andar inferior. Não sofreram ferimentos, mas é de se imaginar o trauma causado pelo ataque.