Adotar tratamentos mais personalizados e humanizar o atendimento são duas metas da medicina atual. Esses conceitos já fazem parte do cotidiano dos cerca de mil médicos espíritas brasileiros. Diferentemente do que algumas pessoas imaginam, eles são especialistas que fazem uso da ciência para tratar o paciente. Não só isso. Durante a terapia, avaliam o corpo integralmente (e não apenas a parte doente) e levam em consideração também a mente e o espírito. São homens de branco que estão longe de adotar práticas místicas. O objetivo desses profissionais é mostrar que ter fé também faz bem à saúde.

Muitas pessoas costumam procurar os médicos espíritas depois de não conseguirem, na medicina tradicional, alguma promessa de cura. Por isso, é comum esses profissionais se depararem com casos difíceis, às vezes dados como perdidos por outros especialistas. O que eles fazem, normalmente, é levar esperança junto com a terapia convencional. É um modo de motivar os doentes a continuar lutando contra a enfermidade. Mais otimista e empenhado, o paciente é capaz de obter sucesso antes do tempo previsto. “Ter fé e acreditar na cura nunca atrapalha”, analisa Roberto Luís D’Avilla, diretor corregedor do Conselho Federal de Medicina (CFM) e católico não praticante. O CFM considera que falar de espiritualidade durante o tratamento pode ser muito bom. “Tudo o que ajuda a deixar as pessoas mais fortes, mas sem falar em milagres, é válido”, afirma.

Barreiras – Mesmo assim, o preconceito em relação aos médicos espíritas é grande. Muita gente não acredita que ciência e religião possam andar juntas. Por isso, esses profissionais estão empenhados em desenvolver ações anticharlatanismo, como desmascarar pessoas não espíritas e sem formação médica, que se dizem capazes de realizar milagres. Desde 1968, eles estão reunidos numa entidade paulista que, em 1995, se tornou a Associação Médico Espírita (Ame) do Brasil. A integridade da associação é atestada pelo próprio CFM, que nunca registrou uma queixa contra ela e assegura que não faz oposição ao trabalho da Ame. “O preconceito só pode vir de quem não sabe nada sobre nós. Quem nos conhece, mesmo que não compartilhe de nossas crenças, sabe que somos sérios”, afirma a ginecologista aposentada Marlene Nobre, presidente da entidade.

Engana-se quem pensa que, no dia em que entrar num consultório de um médico espírita, irá se deparar com um tratamento diverso daqueles adotados por profissionais não religiosos. “Antes de tudo somos médicos. Inclusive muitos de nós fazem questão de nunca demonstrar sua crença. Temos grande respeito pelo paciente”, explica Marlene. A diferença está no atendimento. Principalmente se a pessoa abre espaço para uma conversa sobre espiritualidade. Além de pedir informações sobre o estilo de vida, o médico procura detalhes sobre a história do paciente e avalia qual é a esperança de cura. Para quem tem a mesma crença, nada melhor. “Eles cuidam do material e do espiritual. Sinto-me mais segura”, conta Áurea Moya, 59 anos, que aderiu ao espiritismo na infância. Mas o desafio está no atendimento de pacientes que não seguem a doutrina. E o resultado é bom. “Isso acontece porque não impomos nada. Na verdade, o que estamos visando não é a instituição religiosa, mas a espiritualidade inerente às pessoas, a fé”, reforça o neurologista Nubor Facure, diretor do Instituto do Cérebro em Campinas, interior paulista.

Convicção – Ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Facure é um dos médicos que não escondem a sua crença. Ele falava da importância da espiritualidade até mesmo durante as suas aulas na faculdade de medicina. Nas paredes do Instituto do Cérebro estão quadros com mensagens de Chico Xavier, o mais médium mais famoso do Brasil. Uma vez por semana, Facure organiza no local uma leitura conjunta do evangelho. “Muitas pessoas não espíritas comparecem ao encontro. Isso porque abordamos a solidariedade e a caridade, temas importantes para todos”, explica. Quem vem de fora com frequência assina embaixo. Católica praticante, a aposentada Maria Possola, 68 anos, e seu filho Renato Possola, 42 anos, participam dessas reuniões. “São apenas mensagens de esperança, não é nada direcionado ao espiritismo”, diz. Renato tem esclerose múltipla (doença que prejudica o funcionamento do sistema nervoso). Para Maria, o neurologista é mais do que um médico. “É um amigo, um confidente, alguém que nos dá força”, completa. Desde que entrou pela primeira vez no consultório de Facure, há 20 anos, Renato, junto com seus familiares, tem certeza de que está em boas mãos.