Ao que tudo indica, Paulo Maluf educou muito bem seus filhos. Não deve ser apenas Flávio Maluf quem opera os esquemas financeiros do ex-prefeito no Exterior. Segundo ISTOÉ apurou, sua irmã Lígia fez ligações periódicas, pelo menos desde 1994, para a filial do Citibank na Suíça, onde a empresa de Maluf, Blue Diamond Limited, depois renomeada Red Ruby, manteve uma conta até 1997. Naquele ano os fundos foram transferidos para as Ilhas Jersey, paraíso fiscal no Canal da Mancha. É na Suíça também que está sediado o escritório de advocacia Schellenberg Wittmer, de Genebra, que defende os interesses de Paulo Salim Maluf no Exterior. Os 31 advogados provavelmente cuidam do esquema financeiro internacional da família do ex-prefeito, pelo menos, desde 1999. E aí, sim, entra Flávio Maluf, que seria a ponte entre a família no Brasil e o escritório em Genebra. Em Jersey, só há o dinheiro, na conta da qual Maluf e seus parentes são beneficiários. Nas Ilhas Cayman está registrada a empresa em nome do ex-prefeito, titular da conta de Jersey. E o coração de todo o esquema estaria em Genebra, onde seriam articuladas as transações financeiras.

A rede elaborada por Maluf seria perfeita: os advogados suíços controlariam os fundos depositados em Jersey, estimados em US$ 200 milhões. Ou seja, Maluf nunca precisaria deixar pistas, falando diretamente com o Citibank na ilha ou mesmo viajando para lá. Mas as autoridades suíças entraram no jogo. Interessadas em acabar com a lavagem de dinheiro, pediram informações sobre Paulo Maluf ao Centro de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A troca de dados rendeu a certeza ao Brasil de que a conta fora aberta em 1985 no Citibank daquele país e posteriormente transferida para Jersey. “Sem a participação da Suíça seria impossível descobrir tudo isso. O esquema de troca de informações sobre irregularidades é a grande novidade no combate à lavagem de dinheiro”, diz a presidente do Coaf, Adrienne Sena.

O ex-prefeito certamente não esperava que sua família toda virasse alvo das investigações. Sua mulher, Sylvia, os filhos Flávio, Otávio, Lina e Lígia e ainda a nora Jacqueline, casada com Flávio, estão cercados depois que o juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Alves quebrou os seus sigilos bancário, fiscal e telefônico desde 1993. Prova de que o ex-prefeito nunca esteve tão encurralado pela Justiça foi a briga travada entre a Justiça Federal e o Ministério Público Estadual para saber quem fica com o caso. A juíza Adriana Soveral, da 8ª Vara Criminal Federal, que cuida do processo em que Maluf é acusado de fraude na emissão de US$ 600 milhões em títulos para pagamento de precatórios, pediu que o inquérito criminal sobre Jersey ficasse nas mãos da Justiça Federal. O STJ está julgando a competência do caso. Na quarta-feira 29, porém, os procuradores federais e promotores estaduais reuniram-se e resolveram atuar juntos em cada passo para acelerar o andamento das investigações.

Outro indício de que desta vez o ex-prefeito está mesmo encrencado é que até Nicéia Camargo, ex-mulher de Celso Pitta, sempre disposta a falar sobre as maracutaias malufistas, está com medo. Nicéia, que já havia denunciado a existência de contas de Maluf no Exterior, pediu proteção policial, alegando estar sendo perseguida. Mas ela deve ficar frente a frente com seu algoz em breve. A ex-primeira dama está convocada para depor na CPI da Dívida Pública, na Câmara Municipal de São Paulo, no próximo dia 10, mesmo dia em que Maluf voltará a dar explicações aos vereadores sobre o aumento de 114% da dívida paulistana em sua gestão. A CPI não quer apenas saber a origem do rombo nos cofres da cidade. “Queremos apurar se o dinheiro que está em Jersey saiu daqui”, diz a presidente da CPI, Anna Martins (PCdoB), que também solicitou a quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal da família.

As possíveis origens do dinheiro depositado em Jersey seriam as sobras das campanhas políticas de Paulo Maluf para a Presidência da República, em 1984, e de Celso Pitta para a Prefeitura de São Paulo, em 1996. O superfaturamento de obras públicas e o dinheiro arrecadado com a emissão fraudulenta de títulos na gestão pepebista (1992-1996) também podem ter rendido investimentos no paraíso fiscal. Só o túnel Ayrton Senna, investigado pelo Ministério Público Estadual, teve desviados, comprovadamente, R$ 105 milhões. O esquema para a saída do caixa dois dos cofres da prefeitura paulistana seria através das empreiteiras. Recebendo muito além pelas obras, algumas construtoras remeteriam o excedente do dinheiro ao Exterior, numa conta da qual Maluf seria beneficiário.

Os ministérios públicos estadual e federal esperam receber as listas contendo as transações bancária e fiscal em algumas semanas. A quebra de sigilo fiscal foi decretada na segunda-feira 27, pelo juiz-corregedor Porto Alves, que já está analisando as ligações da família desde quinta-feira 23. Na Suíça, o procurador Jean Louis Crochet – o mesmo que cuida da conta ilegal que o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, envolvido no caso do TRT paulista, possui no país – está com toda a documentação sobre a conta no Citibank de Genebra. “É de praxe abrir um processo depois de colher as informações”, diz Adrienne Sena.

Desespero – Depois de viajar um mês e se negar a falar sobre a enxurrada de inquéritos e processos, Paulo Maluf resolveu se manifestar na última semana. Sua única preocupação quando faz declarações a respeito do assunto parece ser a preparação de sua defesa diante do eleitorado. O ex-prefeito pretende se candidatar ao governo de São Paulo no próximo ano, mas, se forem provadas todas as acusações, deve enfrentar muitos problemas e eleitores, no mínimo, desconfiados. Na semana passada, Maluf disse que, se o dinheiro de Jersey fosse seu, faria uma doação à Santa Casa. Mantendo a costumeira ironia, na quinta-feira 30 insinuou que as ligações de Flávio Maluf seriam invenções do Ministério Público que, segundo ele, quer “implantar no Brasil o estado de terror no lugar do estado de direito.” Maluf, insistentemente, nega ser titular das contas em Jersey e afirma, inclusive, nunca ter telefonado para a ilha. É verdade. Ele tinha quem fizesse isso por ele.