Era 1969 e ele faria a abertura do 1º Congresso Brasileiro de Processamento de Dados. Ao ligar os computadores, uma pane elétrica apagou as luzes do Hotel Glória, no Rio. O corpulento e bem-humorado engenheiro Jean Paul Jacob não perdeu a compostura. Fez seu show para 200 pessoas num breu absoluto. Muitos anos depois, em 1993, Jacob protagonizou outro momento histórico. Subiu ao palco com o escritor Millôr Fernandes para dialogar sobre o futuro da tecnologia. A platéia de 3.500 pessoas gargalhava. Na semana passada, depois de 32 anos de palestras e 40 de IBM, a maior parte na Califórnia, onde mora, o paulistano de 64 anos inaugurou a feira de informática Comdex, em São Paulo. Com raciocínio brilhante e oratória impecável, ele obteve em prazo recorde um duplo doutorado, em matemática e engenharia, pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, onde é professor. “Quando me perguntavam se alguém bateria meu recorde, eu rezava para ninguém do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) aparecer”, disse, em entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – Nesses 30 anos de futurologia, quais foram seus maiores erros?
Jean Paul Jacob – Na história da informática, sempre falamos em limites e erramos nas previsões porque acreditamos neles. Havia uma lei da física que provava que o teletransporte era impossível, mas uns cientistas conseguiram transportar uma onda de um lugar para outro usando princípios de física quântica. Há dez anos, se me perguntassem se era possível fazer um chip de 40 milhões de transistores, eu diria que não, mas já alcançamos essa capacidade.

ISTOÉ – Em 2001, o PC comemora 20 anos. Como ele será no futuro?
Jacob – O PC não tem similaridade com o que existia há 20 anos. À medida que as coisas se popularizam, a tendência é não se falar nelas. A palavra computador tende a desaparecer. O PC do futuro já chegou. Em vez de computador pessoal, a letra C significará companheiro ou comunicador pessoal.

ISTOÉ – Precisamos de máquinas sempre mais velozes?
Jacob – O PC faz coisas demais, muitas desnecessárias, e é muito volumoso. Queremos ter acesso a pessoas, informação, entretenimento e objetos a qualquer hora, de qualquer lugar. Para isso, teríamos que levar um aparelho sempre a tiracolo. As pessoas adoram o computador, mas não o carregam consigo. Objetos comuns, como celular, PC de bolso Palm, crachá, brinco, ou relógio, vão dar acesso à internet. Dentro de cinco anos, o mundo terá um milhão de empresas se comunicando sem fronteiras, um bilhão de pessoas sem usar a gramática, porque ninguém escreve direito na internet, e um trilhão de objetos sem fio.

ISTOÉ – Qual a utilidade das jóias eletrônicas?
Jacob – Imagine um anel que pisca quando recebe mensagem e um brinco com alto-faltante que “lê” e-mails. Ou colocar um microfone num anel e o alto-falante noutro para falar no celular. Uma firma americana criou um chip com 1.200 compartimentos para guardar insulina. Quando a jóia com o chip detecta variação no teor de açúcar no sangue do diabético, ela libera insulina na hora.

ISTOÉ – Esse seria o papel das roupas inteligentes?
Jacob – A roupa pode medir sinais vitais, como a pressão. O próximo passo é inserir chips no corpo, que seriam guiados por robôs até aplicar o remédio no órgão doente, sem afetar o resto do organismo. Saúde e educação são problemas universais, que todos os países querem resolver com tecnologia.

ISTOÉ – Como a informática pode ajudar a cuidar da saúde?
Jacob – O banheiro é um ótimo exemplo. Existem privadas que analisam suas necessidades e enviam esses dados ao médico, em caso de alterações. Testamos um carro com uma câmera que fiscaliza a pupila do motorista. Se os olhos piscam muito, é sinal de cansaço. As pessoas responderam que detestariam que a esposa ou o marido os acusassem de dirigir com sono, mas aceitaram o alerta da máquina. A decisão de parar ou não de dirigir cabe ao motorista.

ISTOÉ – O que as pessoas esperam do PC do futuro?
Jacob – O maior desejo é falar com a máquina. Temos pouca paciência e tolerância com elas. A tecnologia é uma ferramenta para satisfazer necessidades sociais, culturais, econômicas e políticas, mas o ser humano quer comunicar-se com pessoas e objetos, como a porta do carro, que abriria ao reconhecer seu dono, ou o caixa eletrônico que identifica o rosto do cliente e dispensa a senha. A comunicação entre objetos veio para facilitar nossa vida.

ISTOÉ – Qual a importância da tecnologia para um país?
Jacob – É uma decisão política. Temos bons cérebros e vontade. Se investíssemos na mesma proporção, talvez estivéssemos em outro patamar. Cada país escolhe suas prioridades. Há quem diga que é preciso investir em ciência e tecnologia para evoluir na saúde e na educação. Outros dizem o oposto e todos têm razão.

ISTOÉ – Uma de suas previsões mais polêmicas trata do fim do livro.
Jacob – Ele vai desaparecer, como a enciclopédia e o disco de vinil. O livro é tinta sobre árvore morta. Paga-se mesmo por seu conteúdo, que pode ser baixado da rede.

ISTOÉ – Como se preparar para ser bem-sucedido na era do conhecimento?
Jacob – Quando se estimula o intelecto e se dá espaço para a criatividade, ninguém segura um país. Preparar-se para a sociedade digital é como o jogador de boxe que treina abrindo os braços para desenvolver a musculatura. Seria o último gesto que ele faria numa luta, mas dos exercícios depende seu preparo físico. O mesmo acontece com a tecnologia. Precisamos desenvolver intelectualmente nossos jovens para que estejam preparados para as mudanças.