A mensagem e a ilustração da capa não deixam dúvidas: o jornal satírico francês “Charlie Hebdo” está de volta com o mesmo humor ácido de antes. O atentado terrorista de 7 de janeiro parece não ter afetado em nada o polêmico humor francês, por muitos considerado ofensivo e de mau gosto por tratar valores religiosos. O ataque deixou 12 mortos, entre eles o diretor e os principais cartunistas do semanário. A publicação retornou às bancas na quarta-feira 25 com a manchete “Voltamos!” e um desenho do chargista Luz, um dos sobreviventes do massacre, que retrata o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, a líder de extrema direita francesa Marine le Pen, o papa Francisco e um jihadista como um bando de cachorros enfurecidos. Esta edição, que marca o retorno à periodicidade semanal, é a primeira depois do exemplar histórico publicado em 14 de janeiro de 2015, uma semana depois do ataque criminoso perpetrado por extremistas islâmicos, e que vendeu oito milhões de unidades.

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ROTINA
Esta edição marca o retorno à periodicidade semanal do jornal

As 16 páginas da nova edição do “Charlie Hebdo” mantêm o mesmo tom sarcástico e a mesma crítica social e política que caracterizaram o jornal. Além de Le Pen, do papa e de Sarkozy, há espaço para charges de Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, que atualmente enfrenta um julgamento por incentivar a prostituição, e para uma entrevista com o novo ministro das finanças da Grécia, Yanis Varoufakis. “O sentido desse número é dizer que a vida continua”, disse o cartunista Riss ao “Libération”, jornal francês onde o “Charlie Hebdo” está temporariamente alocado, após sua sede antiga ser fechada.

O jornal estava à beira da falência e depois do ataque terrorista
arrecadou 10 milhões de euros entre vendas e doações

Se o humor impresso continua igual, o mesmo não pode ser dito do clima nos bastidores do semanário. Além de lidar com o medo de novos ataques e com os efeitos psicológicos do massacre, jornalistas e funcionários do “Hebdo” também enfrentam divergências sobre a administração financeira da instituição. Antes do atentado, a publicação tinha dívidas que quase a levaram à falência. Depois do ataque terrorista, o jornal arrecadou cerca de 10 milhões de euros entre vendas e doações. Só o Google, por exemplo, doou 200 mil euros. Agora, há uma briga interna pelo controle acionário da empresa, que envolve os funcionários e parentes das vítimas. A nova direção do jornal propôs que o cartunista Luz, que geralmente assina as charges de capa, ficasse com os 40% que Charb, diretor assassinado, detinha na sociedade. Luz, porém, não aceitou a proposta e sugeriu a criação de uma cooperativa.

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Se as disputas internas não prejudicarem o funcionamento do jornal, o “Charlie Hebdo” deve seguir um caminho de sucesso, contraditoriamente impulsionado pelos terroristas que visavam minar a publicação. Após o atentado, o número de assinantes saltou de 10 mil para 200 mil. A edição de 25 de fevereiro chegou às bancas com tiragem inicial de 2,5 milhões, número muito superior às cerca de 60 mil unidades vendidas por semana antes da tragédia.

Foto: AFP Photo/Philippe Huguen