O Brasil parou para assistir pela tevê ao drama vivido pelo empresário Senor Abravanel, o Silvio Santos, um dos homens mais populares do País, dono do SBT, a segunda maior rede de televisão brasileira. Sete horas sob a mira de uma pistola, Silvio virou o retrato da insegurança nacional, marcada pelo medo, pela incompetência, pela desigualdade e exclusão social. O palco para o show do vilão Fernando Dutra Pinto, 22 anos, foi, mais uma vez, a mansão da família Abravanel, no Morumbi, e contou com coadjuvantes ilustres, entre eles o governador tucano Geraldo Alckmin, o comandante-geral da PM, coronel Rui César Melo, e o secretário de Segurança, Marco Vinício Petrelluzzi. Nove dias após invadir a mansão dos Abravanel e sequestrar Patrícia, 24 anos, filha de Silvio, mantendo-a sete dias sob cativeiro, Fernando voltou à casa do empresário na manhã de quinta-feira 30. Foi buscar a ajuda que Patrícia prometera no cativeiro, conforme contou à polícia. Ex-líder evangélico, Fernando estava apavorado. Tinha medo de ser eliminado pela polícia. Horas antes, matara dois policiais para, cinematograficamente, escapar do cerco montado no luxuoso flat Pathernon L’Etoile, em Alphaville, condomínio nobre, no município de Barueri, na Grande São Paulo.

Até a noite de quarta-feira 29, Fernando, que recebera o resgate de R$ 500 mil, estava tranquilo, apesar da prisão do irmão Esdras Dutra Pinto e de Marcelo Batista dos Santos, comparsas em seu primeiro grande crime. No dia anterior, poucas horas depois de ser solta, uma sorridente Patrícia, da sacada da mansão, evocou por mais de 60 vezes o nome de Deus, perdoou os sequestradores, pregou justiça social, distribuição de renda e condenou a corrupção no País. Ela chegou até a criticar o papel de seu pai na sociedade. Enquanto isso, Fernando se preparava para se hospedar no flat, com nome falso e cabelos pintados de louro, e ocupar o quarto 1004. No jardim do Pathernon, pediu um martíni e uma porção de azeitonas. Foi atendido pelo garçom Nailson, que também lhe serviu uma dose de uísque escocês Red Label e uma Ceasar Salad’s que deveria ser levada ao quarto. Vestia um blazer, carregava maços de notas de R$ 50 no bolso e disse ao garçom que não tinha dinheiro trocado para deixar de gorjeta. No dia seguinte, Fernando foi ao shopping comprar camisas sociais e sapatos. Lá teria se encontrado com a namorada, Jennifer, que participou do sequestro e até quinta-feira à noite estava sendo procurada pela polícia. Pouco antes das compras, alguém do flat que o vira armado chamou a polícia. Os investigadores do 91º Distrito Policial aproveitaram sua ausência para verificar o quarto e viram que se tratava do sequestrador de Patrícia Abravanel. A partir daí, a história é nebulosa. Segundo a versão oficial, os três encontraram R$ 464.850 em notas de R$ 50 e R$ 100, armas e munição no quarto de Fernando. Resolveram esperar. Quando o sequestrador chegou, um dos policiais estava no saguão do flat e teria tomado o elevador junto com ele. No 10º andar, ele teria percebido a emboscada, pois dois policiais estariam à porta. Houve troca de tiros. Os policiais Marcos Amorim Bezerra, 38 anos, e Tamatsu Tamaki, 46, morreram e Reginaldo Nardi, 41 anos, ficou ferido. Policiais militares, no entanto, asseguram ter ouvido de Fernando uma outra versão. Segundo eles, os três policiais civis receberam a informação de que o sequestrador estaria no flat e resolveram agir por conta própria, com o objetivo de levar parte do resgate. O plano não deu certo porque acidentalmente a arma de um deles teria disparado e atingido o outro. Com a confusão, Fernando teria tido tempo para reagir e iniciar uma troca de tiros. “Essa ação foi desastrada, cheia de falhas e precisa ser investigada”, disse o secretário Petrelluzzi.

O certo é que dois policiais estão mortos, outro ferido, Fernando foi baleado nas nádegas e desceu nove andares pelo lado de fora, apoiando-se em duas paredes paralelas. Uma fuga que surpreendeu a polícia. Ela já tratava o sequestro como um crime de amadores, que seriam detidos sem muito trabalho, como declarou Petrelluzzi cantando vitória. De fato, nenhum dos criminosos apresenta delitos anteriores, a não ser um, cada vez mais comum, de porte de arma. O problema é que a polícia menosprezou a astúcia do rapaz, que leu uma biografia de Silvio Santos e alugou um sobrado próximo à casa do empresário para servir de cativeiro.

Ajuda – À noite, enquanto a polícia cercava Barueri, o sequestrador dormia num terreno ao lado da mansão de Silvio. Amador, mas esperto, ele sabia que depois de ter matado dois policiais viraram alvo de uma caça mortal. Resolveu, então, apelar para as promessas feitas por Patrícia de ajudá-lo caso o sequestro terminasse bem. Por volta das 6h30, Fernando caminhou tranquilamente pela rua. Antes de pular o muro, chegou a ficar dez minutos vagando pelo jardim diante da guarita que dá segurança à casa do empresário. Quem deu o alerta para a invasão foi a repórter da Rede Bandeirantes Carla Augusta Santanna, 24 anos, que estava de plantão em frente à casa de Silvio. Fernando entrou na cozinha, manteve o empresário como refém, libertou os Abravanel, que deixaram a casa de pijamas, e os empregados, que ficaram numa casa vizinha. “Precisei usar Silvio Santos como um escudo. Jamais pensei em matá-lo, queria chamar a atenção para que todos acompanhassem minha prisão, pois não queria morrer”, afirmou Fernando à polícia. No mesmo depoimento, ele confirmou todas as declarações feitas anteriormente por Patrícia. Disse que no cativeiro liam a Bíblia, rezavam a pedido dela, jogavam cartas e mantinham uma conversa bastante amistosa.

Na casa de Silvio as coisas não caminharam tão calmamente. O apresentador de 71 anos estava na cozinha quando foi surpreendido por Fernando. “Eu sou a pessoa que sequestrou sua filha. Não faça nada! Já fiz muito besteira e posso fazer mais”, apresentou-se, segundo noticiou a Agência Estado, para em seguida pedir: “Estão atrás de mim. A polícia quer me matar. Por isso vim aqui. O senhor pode me ajudar?” Silvio ficou sete horas trancado na cozinha com o seu algoz armado. Silvio pediu a Fernando que poupasse a família, ainda sob efeito do sequestro de Patrícia, e ligou a televisão para que ele acompanhasse a movimentação da polícia do lado de fora da casa. O comandante-geral da PM, negociador oficial do governo, permanecia em um cômodo ao lado e as conversas eram feitas aos berros. “Foi uma negociação muito tensa”, disse o coronel Rui Cesar. O momento mais crítico aconteceu quando dois PMs entraram pela lateral da casa. Fernando, que já tinha ficado muito nervoso com a chegada da segurança particular do empresário, gritava para que os policiais saíssem da casa, ameaçando a vida do comunicador. Apesar de toda a tensão Silvio manteve o controle da situação. Trabalhou com a fragilidade do rapaz. De acordo com os policiais ouvidos por ISTOÉ e a médica Silvana Nigro, chamada para tratar dos ferimentos de Fernando, o empresário estava calmo. Vestindo camiseta e shorts, chegou a se posicionar entre o sequestrador e os atiradores de elite que direcionavam miras a laser na cabeça de Fernando e disse aos policiais: “Vamos resolver isso com calma.” Foi o próprio Silvio Santos quem conduziu os diálogos entre os cômodos e conversava pelo celular com o secretário Petrelluzzi. O empresário sentou-se à mesa da cozinha, ofereceu café a Fernando e prometeu ajudá-lo, apesar de a arma do rapaz permanecer apontada para sua cabeça. Sempre tratando Silvio por senhor, Fernando contou seu plano de conseguir um helicóptero para fugir. Mas o sonho durou pouco. Além da médica, o sequestrador exigiu a retirada da Polícia Civil, a presença do governador para garantir sua integridade física e um juiz corregedor. Ainda na cozinha, Fernando foi surpreendido com a chegada do pai, o motorista Antônio Sebastião Pinto, evangélico praticante. De cabeça baixa, ouviu o lamento: “O que você fez? Você e seu irmão deixaram a casa de Deus para nos envergonhar!” A partir daí, Fernando baixou as armas, uma pistola automática e um revólver calibre 38. A PM levou a médica e o juiz Maurício Porto Alves, retirou a Polícia Civil e resistiu à presença do governador. Alckmin, no entanto, atendeu aos apelos de Silvio Santos para resolver o impasse e deslocou-se até a casa do empresário. Só ao ver o governador, Fernando concordou em se render. Pediu para tomar um banho e recebeu roupas e sapatos de Silvio. “Preciso sair daqui limpo”, disse, antes de pedir desculpas ao pai e ao empresário. No Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, a atitude do governador recebeu críticas, pois, se as negociações não terminassem bem, a conta política seria impagável. O mesmo temor agitou o Palácio do Planalto. “O presidente acompanhou o drama de Silvio Santos o tempo todo. Falou com Alckmin algumas vezes e comemorou o final o caso”, afirmou o porta-voz de FHC, George Lamaziere.

Mazelas – No Brasil, as imagens do drama de Sílvio Santos atingiram um ibope semelhante ao dos jogos da Copa do Mundo de 1998. Só na Grande São Paulo, 4,5 milhões de pessoas estiveram sintonizadas na angústia vivida pelo apresentador, enredo da escola de samba Tradição no Rio de Janeiro este ano. O mercado financeiro parou, o Congresso parou. No Exterior as cenas expuseram ainda mais a realidade de um país que tem mais carros blindados do que a Colômbia, que metade de sua população mais pobre tem uma renda equivalente a 1% dos brasileiros mais ricos, ou seja: 1,7 milhão de pessoas recebem o mesmo que 85 milhões juntos. O país, onde 33% da população (54 milhões de pessoas) vive abaixo da linha da pobreza (menos de R$ 80 por mês), virou notícia em toda a imprensa internacional. Esses números colaboram para a banalização da violência, que deixa perplexo tanto o brasileiro quanto o estrangeiro. Para a imagem do País – o 69º do mundo em Índice de Desenvolvimento Humano da ONU –, essa é mais uma mancha que se soma à barbárie vivida na semana passada em Fortaleza, quando foram descobertos os corpos de seis portugueses, enterrados vivos. Na ocasião, o fato do mentor do crime ter sido também um português parecia aliviar um pouco a repercussão negativa, mas a imprensa portuguesa não fez essa leitura. Os jornais de Lisboa estranharam a facilidade com que se encontra mão-de- obra para matar no Brasil. Não é à toa que a universitária Patrícia Abravanel, na alegria de sua libertação, enxovalhou os corruptos e pediu justiça social e distribuição de renda. “O povo brasileiro é bom, mas é malcuidado. É muita diferença social, uns têm muito e outros têm pouco. Os que têm muito, em vez de dividir com os que têm pouco, ficam só enchendo o saco de dinheiro. É lógico que eu perdôo os sequestradores. Não perdôo o sistema de corrupção. Quando você passa fome, não tem jeito (comete atos criminosos)”, politizou a filha de Silvio Santos, o maior pagador de imposto de renda do Brasil. Fernando contou a Patrícia e repetiu à polícia que a idéia de planejar o sequestro surgiu logo após ter perdido o emprego de balconista numa empresa de Cotia.

“Sequestro não é consequência de revolta social, mas um crime essencialmente econômico”, afirma Denise Frossard, professora da Fundação Getúlio Vargas e diretora-fundadora da organização não-governamental Transparência, Consciência e Cidadania, que luta contra a corrupção. “A desigualdade está para o Brasil como a violência está para a Colômbia e o racismo esteve um dia para a África do Sul. Anda de mãos dadas com a violência, mas é como a Geni: todo mundo joga pedra nela, mas ninguém resolve o problema”, diz o economista Marcelo Neri, da FGV e coordenador do estudo Mapa do fim da fome, que calcula o custo da erradicação da miséria no país: R$ 1,8 bilhão por mês – ou R$ 14 por pessoa que ganhe acima de R$ 80 por mês. A questão é decidir quem pode e deve pagar essa conta. Logo depois da entrevista de Patrícia, ISTOÉ Online fez uma pesquisa: Quem faz mais mal para o Brasil, os corruptos ou os sequestradores? 90,49% responderam que são os corruptos e apenas 9,51%, os sequestradores.

 

Mesma origem – O drama que uniu Silvio Santos a Fernando Dutra Pinto tem um componente perverso. Ambos nasceram em famílias de origem humilde. A diferença é que há cinco décadas o discurso de que o Brasil era o país das oportunidades era mais do que blablablá. Silvio Santos venceu. Trabalhou duro, foi camelô, e graças ao talento conseguiu se transformar no Homem do Baú da Felicidade. Quando Fernando nasceu, o Brasil era outro, estava industrializado e tinha uma economia respeitável, porém, o tal país das oportunidades tinha piorado. Como muitos outros de sua idade, ele frequentou escola, queria fazer Direito, mas não pode realizar o sonho por falta de dinheiro, embora seu pai não se encontrasse entre os mais pobres. Como muitos outros de sua idade, esbarrou na falta de empregos. Como muitos outros de sua idade, buscou na igreja as respostas para suas angústias. Como muitos outros de sua idade, trocou a fé pelas drogas. Como muitos outros de sua idade, visualizou no crime a perspectiva de futuro. Já passou da hora de se quebrar essa corrente, ainda que hoje em dia seja muito mais difícil vencer na vida comprando e vendendo sonhos, como fez Silvio Santos.

Colaboraram: Camilo Vanucchi, Celso Fonseca, Gilberto Nascimento, Greice Rodrigues, Henrique Fruet, Lia Bock e Luiza Villaméa (SP), Paulo Vasconcelos (RJ) e Ricardo Miranda (D

Fernando, o popozudo de Itapevi

Chico Silva e Douglas Tavolaro

calmo, simpático, ambicioso e bastante astuto. Assim os amigos de Fernando Dutra Pinto o definiam. Ninguém imaginaria ver um ex-evangélico, que dedicava suas noites de domingo a ensinar os princípios bíblicos a um grupo de crianças, fazer o que fez. Nascido em Guarulhos, ele se mudou com a família aos dez anos para Itapevi, município pobre e violento da Grande São Paulo. A mãe, dona Anésia, detestou o lugar. O bairro onde a família morava, o Jardim Rosemeire, é um amontoado de casas humildes, sem reboco, construídas em ladeiras íngremes, muitas delas sem pavimentação. As vielas e becos do Rosemeire eram um convite à criminalidade. A mãe, evangélica fervorosa da Assembléia de Deus, identificou o perigo. Começou a fazer uma marcação cerrada nos filhos. Sua rigorosa vigilância era uma tortura para Fernando. Depois dos 16 anos, a mãe brigava para mantê-lo na igreja. “Vi esse menino crescer. Foi uma grande surpresa quando soube que falavam dele na tevê”, disse Rubens Gonçalves, amigo dos tempos de Itapevi, que foi prestar solidariedade à família na quinta-feira 30. O garoto tinha especial carinho pelas mulheres. Perdeu a conta das meninas que namorou no bairro. Uma delas foi Sônia Regina Dourado, 31 anos. “Um dia ele chegou no portão e me pediu em namoro. Estava sozinha e resolvi aceitar”, diz ela. O assédio das garotas ao rapaz impediu a continuidade do romance. “Era charmosão e popozudo. As meninas mexiam com ele na minha frente”, reclama a ex-namorada. “Fernando tinha várias mulheres ao mesmo tempo. Mas nunca se apaixonou por ningúem”, conta Antônio Sebastião Pinto, pai do rapaz.

Aos 14 anos, Fernando começou a trabalhar como empacotador no Sam Supermercados, no centro de Itapevi. O pai, motorista, precisava do dinheiro do filho para manter a casa. Dutra ainda trabalhou como açougueiro até entrar no Extra Supermercados. Aí começaram os problemas. Em janeiro de 1999, foi preso em Cotia, cidade vizinha a Itapevi, por porte ilegal de arma. O pai pagou a fiança. Dez meses depois, outra prisão pelo mesmo motivo. Ao ser levado ao DP de Itapevi, disse aos policiais que andava armado, pois recebia ameaças de morte. A razão seria uma dívida.

Há um ano e meio, a família deixou Itapevi. Fernando se mudou com o irmão Esdras para um sobrado na Vila Progresso, zona leste da capital. Em seguida comprou outra casa para os pais e as irmãs no mesmo bairro. Teria pago R$ 90 mil à vista. A residência, de três suítes e portão eletrônico, é uma das melhores da região. De onde veio o dinheiro é um mistério. Fernando, então, abandonou de vez a igreja. “A gente sabia que esse caminho levaria à perdição”, disse Valdete de Oliveira Silva, colega de fé dos pais do sequestrador. Seu Antônio acredita que a falta de perspectiva levou o filho a cair no crime. O pai sabia do envolvimento de Fernando com drogas. “Ele fumava um cigarrinho de maconha, sim.” As más companhias podem ter contribuído para seu ingresso na vida criminosa. Os antigos vizinhos de Itapevi contam que um dos melhores amigos de Fernando, conhecido como Gordo, morreu assassinado com um tiro nas costas num bar em frente à casa da família. Motivo: uma dívida não paga.

A ajuda que veio de Israel

Mário Chimanovitch

O corpo diplomático israelense no Brasil não confirma nem desmente a história. Ao contrário: não querem ouvir falar do assunto. Mas a verdade é que o sequestro da filha do apresentador Silvio Santos, Patrícia Abravanel, não envolveu somente investigações por parte da polícia paulista. Tecnologia isralense de última geração para escuta, rastreamento e identificação de mensagens telefônicas esteve à disposição das autoridades locais. Os equipamentos foram desembarcados em São Paulo, vindos de Israel, e estavam prontos para ser usados se fosse necessário. Correram boatos sobre a participação de agentes do Mossad, o serviço secreto de Israel, nas investigações, o que, na realidade, não ocorreu. Esse tipo de cooperação não consta de suas atribuições. Há também o aspecto diplomático: o governo brasileiro dificilmente daria autorização para que agentes estrangeiros operassem em território nacional nessas circunstâncias. O que aconteceu, na verdade, foi a oferta de equipamentos de escuta pela família Safra (Banco Safra), que já teve um de seus membros sequestrados e em razão disso conta com uma equipe de ex-militares israelenses (principalmente pára-quedistas) em seus quadros de segurança. Trata-se de profissionais altamente preparados para operações anti-sequestro.

Notícia de muitos sequestros

Cláudio Camargo

Nas últimas duas décadas, o sequestro se tornou uma das mais lucrativas atividades da Colômbia, resultado do predomínio do narcotráfico na economia daquele país. Muitos narcotraficantes iniciaram seus negócios por meio dessa insólita prática de acumulação primitiva de capital. No final dos anos 80, o sequestro chegou a ser adotado pelo capo Pablo Escobar para forçar o Estado a desistir de extraditar os chefões da droga para os EUA. Esse crime também se tornou uma das maiores fontes de financiamento dos grupos guerrilheiros. Assim, a Colômbia passou a ser recordista mundial dos sequestros. Nos últimos 20 anos, ocorreram cerca de 20 mil casos, dos quais 3.706 só no ano passado. Em 1996, os engenheiros brasileiros da Andrade Gutierrez Demétrio Mendonça Duarte e Eduardo Batista Resende ficaram em poder das Farc durante quase sete meses. Em junho último, o vice-presidente da Federação Colombiana de Futebol, Hernán Mejía Campuzano, permaneceu quatro dias em poder das Farc, que o raptaram por engano. Estima-se que, na Colômbia, a indústria do sequestro renda algo como US$ 600 milhões por ano. O drama dos sequestrados foi narrado com maestria por Gabriel García Márquez em Notícia de um sequestro (1996).

Bandidos com QI
Lúcio Flávio Com QI acima da média (131), Lúcio Flávio Vilar Lírio virou bandido em 1968, depois de ver interrompida sua candidatura a vereador em Vitória (ES) pelo golpe militar. Aos 30 anos, colecionava 32 fugas, 73 processos e 530 inquéritos por roubo, assaltos e estelionato. “Bandido é bandido, polícia é polícia”, dizia o marginal, eternizado no filme Lúcio Flávio – passageiro da agonia, de Hector Babenco. Foi morto por um companheiro de cela, em 1975.
Hosmany Ramos Nos anos 70, o cirurgião plástico Hosmany Ramos era assistente de Ivo Pitanguy e frequentava a alta sociedade carioca. Seria mais um emergente se não tivesse virado bandido. Está preso desde 1981 por assassinato, roubo de jóias, contrabando de avião e sequestro. Detido em Araraquara, no interior de SP, já escreveu cinco livros. Um deles, Marginália, foi lançado na França pela conceituada editora Gallimard, a mesma de Jean-Paul Sartre e Albert Camus.
Leonardo Pareja O assaltante Leonardo Pareja ganhou fama em 1995, quando deu um baile na polícia após assaltar um apartamento em Salvador e manter uma menina de 16 anos como refém por três dias. Durante mais de um mês, brincou de esconde-esconde com a polícia. Contou suas peripécias no livro Vida Bandida. Nas duas vezes em que foi preso se entregou à polícia. Ironicamente, morreu no Centro Agroindustrial de Goiás, assassinado por companheiros de cadeia em 1996.
Seqüestrados famosos

Abílio Diniz Em dezembro de 89, o dono do Pão de Açúcar ficou refém durante seis dias até ser libertado pela polícia antes do pagamento do resgate de US$ 32 milhões. Os sequestradores, que alegaram pertencer a movimentos políticos de esquerda, foram presos, condenados e depois extraditados para seus países de origem em 1999.

Girsz Aronson Levado por bandidos em setembro de 1998 quando abria a matriz da sua rede de lojas, a G. Aronson, o empresário, com 81 anos na época, ficou em cativeiro durante 14 dias. Foi libertado após o pagamento de R$ 117 mil.
Roberto Medina Em junho de 1990, o organizador do Rock in Rio ficou 16 dias em poder de bandidos no Rio de Janeiro. Só foi libertado após sua família pagar US$ 2,5 milhões.
Antonio Beltran Martinez No início de 1986, quando era vice-presidente do Bradesco e tinha 58 anos, Martinez ficou 41 dias sob o poder de bandidos. O banqueiro voltou para casa após sua família pagar um resgate de US$ 4 milhões.
Luiz Salles Capturado em São Paulo em julho de 1989, Salles ficou 65 dias no cativeiro. Só foi liberado após o pagamento de US$ 2,5 milhões de resgate, deixados na rodovia dos Imigrantes. A polícia não conseguiu prender os sequestradores.
Wellington Camargo Irmão da dupla de cantores Zezé di Camargo & Luciano, Wellington ficou 94 dias no cativeiro, em Goiás, em 1998. Paraplégico, ele teve uma das orelhas decepada pelos sequestradores, que receberam US$ 300 mil para libertá-lo, mas foram presos no dia seguinte.
Sarah Benvinda Abravanel Soares Sequestrada em maio de 1992, a irmã de Sílvio Santos ficou amarrada e amordaçada durante 15 horas no porta-malas de um Chevette, até ser libertada. O resgate de US$ 500 mil pedido pelos sequestradores não foi pago. Os bandidos foram presos e condenados.

Igreja muda a vida dos Abravanel

Douglas Tavolaro

Foram 69 vezes em pouco mais de 20 minutos. Deus foi citado insistentemente por Patrícia Abravanel na entrevista concedida 13 horas depois de ser libertada. A razão para tanta fé está num galpão pichado e sem placa, no bairro do Jaguaré, em São Paulo. A Igreja Vida Nova, fundada há 13 anos, é uma das mais novas denominações evangélicas a integrar o bloco dos neopentecostais. É liderada pelo pastor Luiz Carlos Muniz, um técnico projetista carioca que largou a profissão para abrir a igreja. O pastor chegou a ir à mansão do Morumbi pelo menos cinco vezes nesses sete dias, além de ligar diariamente para confortar a família. Na quinta-feira 30, acompanhou perplexo a ação de Fernando Dutra Pinto. “Um dia antes eu tinha jantado com toda a família. O clima era de tranquilidade e muita alegria”, disse. “Falamos sobre a injustiça social, a violência que toma conta do País e como Deus pode ajudar a mudar isso.”

A filha de Silvio Santos é uma evangélica fervorosa. Frequenta assiduamente a reunião de jovens aos sábados e faz retiros espirituais numa fazenda da igreja. Seus colegas contam que ela é descontraída e brincalhona. Desde que se converteu, aboliu a aparição nas colunas sociais e a frequência em badalações noturnas. Assim como as irmãs e a mãe, Patrícia anda sem segurança. “Uma vez ela me disse que não tinha medo da violência porque Deus era o seu guarda-costas”, diz Bruno Nogueira Seixas, 18 anos, que passou uma temporada com Patrícia, na casa de um membro da igreja em Nova York. Irís Abravanel foi a primeira a se converter, há dois anos. Menos de um ano depois, vieram as filhas Patrícia, Daniela, Rebeca e Renata, os três irmãos e a mãe. “Íris tinha uma angústia interior. Sua mudança contagiou toda a família”, afirma o pastor. “Aqui os famosos são tratados como pessoas e não como estrelas.”

Atualmente a Nova Vida tem dez templos espalhados pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, com dois mil seguidores e mais de 30 pastores. No templo do Jaguaré, 1.200 pessoas se reúnem aos domingos e às segundas para orar. “Pelo menos uma vez por semana, Patrícia comparece ao culto. É uma pessoa simples, que não gosta de aparecer”, diz a assistente social Rita Vaichert, 35 anos, responsável pelo grupo jovem da igreja, do qual Patrícia faz parte. Na quinta-feira 30, Silvio Santos substituiu todos os funcionários de sua casa por membros da igreja.

Os números da desigualdade
50% dos brasileiros mais pobres detêm 14% da renda nacional, equivalente à renda do 1% mais rico (13,3% da renda nacional)*
R$ 5 por mês é quanto cada paulista que ganha acima de R$ 80 mensais teria de dar para tirar da miséria quem ganha menos do que isso. No Piauí, a conta seria de R$ 24 por pessoa***
Os 40% mais pobres ganham, em média, o equivalente a 0,94 salário mínimo, enquanto os 10% mais ricos recebem 17,6 salários. Há oito anos, a proporção era de 0,7 para 13,3*
Em 1992, 10,6% da população branca maior de 15 anos era analfabeta. Os negros chegavam a 28,7%. Em 1999, os brancos analfabetos eram 8,3%, os negros, 21%, e os pardos, 19,6%*

33% da população brasileira (54 milhões de pessoas) vivem abaixo da linha da pobreza (menos de R$ 80 por mês) ***


1,7 milhão tem a mesma renda que 85 milhões de brasileiros**
Fontes: * Relatório da síntese dos indicadores sociais 2000 do IBGE * * Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) do Ministério do Planejamento * * * Mapa do fim da fome, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas