29/08/2001 - 10:00
Apesar de ser do PMDB governista, o deputado Michel Temer (SP), ex-presidente da Câmara, garante que não vai apoiar o Palácio do Planalto nas eleições de 2002. Defensor de uma candidatura própria do partido à cadeira de Fernando Henrique Cardoso, Temer admite que o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, um crítico ferrenho do governo federal, pode vir a ser esse nome. Mas ressalta que o senador Pedro Simon (RS) também é uma opção. O deputado aposta que uma candidatura independente, desvinculada de FHC, será aprovada pelo PMDB na convenção do dia 9 de setembro. “Se o PMDB não fizer isso, vira um partido de segunda”, afirma. Além das disputas internas do PMDB, Temer se preocupa com a imagem do Congresso. Ele defende a aprovação imediata de um projeto que facilite a abertura de processo por crimes comuns contra deputados e senadores, hoje protegidos por uma interpretação distorcida do conceito de imunidade parlamentar. Para Temer, casos como o de Jader Barbalho (PMDB-PA) já poderiam estar sendo submetidos a processo. “A Constituição define com clareza o que está coberto pela imunidade, deixando de fora crimes cometidos antes do mandato”, garante. O deputado está otimista. Apesar de derrotado por Orestes Quércia na disputa pela presidência do PMDB de São Paulo, Temer alimenta esperanças de ser o candidato do partido ao governo estadual.
O senador Maguito Vilela (PMDB-GO), atual presidente do PMDB, anunciou que será seu adversário na disputa pela presidência do partido. Esta disputa pode rachar de vez o partido?
A disputa é sempre útil para revitalizar o partido. Mas o fundamental é obtermos no final uma união entre todas as correntes. Claro que espero que essa união seja em torno do meu nome. Eu já era candidato antes, tendo como adversário o governador Itamar Franco, que resolveu desistir. Dessa forma, não vejo muito sentido nessa candidatura, especialmente do senador Maguito, que é meu amigo e com quem sempre tive muita afinidade política.
O sr. fala em vencer na convenção e unir o partido, mas como fica a candidatura de Itamar Franco à Presidência nesse cenário? Itamar voltou a dizer que sairá do PMDB se Maguito não ganhar a convenção.
O governador Itamar vai se convencer de que essa união é possível. Ele não pode imaginar que o PMDB é um partido de passagem, mas um partido de permanência, onde as pessoas ficam e não caem fora por terem seus interesses contrariados
Na reunião do Rio, na segunda-feira 20, Ciro Gomes e Leonel Brizola disseram que FHC manda no PMDB e que sua candidatura está a serviço do Planalto.
Quero deixar bem claro. Não admitimos interferência no PMDB, nem do presidente, nem dos senhores Ciro Gomes e Leonel Brizola. O PMDB é um partido sério, que sabe resolver internamente seus problemas. Eles é que estão querendo interferir e isso não tem cabimento.
Então Itamar, apesar de tudo, continua sendo um nome viável para o PMDB?
Não tenho nada contra o governador Itamar, mas prefiro não falar no momento em candidaturas de A ou B e, sim, em algo maior: uma candidatura própria do PMDB à Presidência. Esse é o aspecto fundamental. Não podemos esquecer que, além de Itamar, temos o senador Pedro Simon, que já se apresentou como postulante há tempos. Garanto que vamos ter candidato do partido à Presidência. Se o PMDB não fizer isso, vai virar um partido de segunda classe.
Como ficará a relação do PMDB, integrante da base governista, com FHC? Por exemplo, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, fica no governo?
A relação com o presidente seguirá normal. Mas o partido terá que assumir uma posição de independência. O afastamento dos companheiros do governo será uma consequência natural e todos já sabem disso. Os ministros do PMDB só ficariam nos cargos se o candidato do partido fosse o mesmo do governo. Isto é, se a aliança fosse mantida em torno do nome do PMDB. Ter candidato próprio e mesmo assim ficar no governo que apresentou outro candidato às eleições é uma contradição absoluta. Isso, sem dúvida, prejudicaria o partido na campanha
O secretário de Desenvolvimento Urbano,
Ovídio de Angelis, anunciou que não deixa o cargo
e vai apoiar sua candidatura à presidência do PMDB.
Isso não é uma contradição?
Não. A posição do secretário hoje se refere apenas às eleições para a presidência do partido e sinaliza um apoio à minha candidatura. Quanto a termos candidato a presidente, ele é a favor. Na hora certa, todos, Ovídio inclusive, vão deixar os cargos
Como espera conduzir o debate da candidatura própria no partido?
Temos que partir de temas concretos. Eu e o PMDB sempre batalhamos pela reforma tributária, por exemplo. Ela significa um incentivo à produção nacional, gerando novos empregos e, em consequência, fazendo a inclusão social. No momento em que você faz uma urbanização de favelas, melhorando as condições de vida dessas pessoas, você também está fazendo a inclusão social e ajudando a enfrentar um tema que hoje angustia a sociedade: a segurança pública. A inclusão social não se refere apenas aos pobres. Milhares se formam todos os anos nas universidades e têm grandes dificuldades de conseguir trabalho. O desenvolvimento pode gerar esses empregos. E o candidato do PMDB defenderá na campanha essas idéias, esse projeto nacional claro, ético e social
Na prática, as candidaturas de Lula, de Ciro e de Itamar já estão nas ruas, junto com um quarteto de aspirantes a candidato pelo PSDB (José Serra, Tasso Jereissati, Paulo Renato e Pedro Malan). Como o PMDB se situa nessa disputa?
Quanto mais candidatos, melhor, pois pulveriza a votação e aumenta as chances de chegarmos ao segundo turno. Lula é tradicionalmente um candidato forte, que tem tido dificuldades exatamente no segundo turno. Ciro se lançou muito cedo e começa a cair nas pesquisas. No PSDB, há essa pletora de pretendentes. Claro que isso é uma questão que cabe apenas ao PSDB resolver. O que o PMDB precisa é de um bom candidato, com um bom programa. O segundo turno é outra eleição.
Pedro Malan concorrendo pelo PSDB tornaria as coisas mais fáceis ou mais difíceis para o candidato do PMDB?
Acho que o Malan tem prestígio hoje no governo e no PSDB. Não sei qual é seu prestígio com a sociedade, com o eleitor. Os candidatos do governo ainda não tiveram índices nas pesquisas que possam preocupar os demais partidos. De qualquer modo, ainda é muito cedo para tirar conclusões definitivas. Acho o ministro muito competente, mas não me parece em princípio um candidato capaz de assustar o candidato do PMDB
Malan passou a polarizar o debate com Lula. Esse embate já pode ser considerado uma estratégia eleitoral?
Acho que essa polarização, no momento, visa à defesa do governo. E o ministro Malan tem sido realmente o melhor defensor do governo. Mas a verdadeira polarização eleitoral virá com os resultados das novas pesquisas e com a proximidade da eleição. É aí que vejo o PMDB com um candidato forte, com um programa consistente, ocupando seu espaço e partindo para as urnas com reais condições de vitória.
Mesmo tendo perdido a presidência do PMDB de São Paulo para o ex-governador Orestes Quércia, o sr. ainda acredita ter possibilidades de ser candidato ao governo do Estado. Uma candidatura do PMDB à Presidência ajudaria sua campanha ou a de Quércia?
Um ponto é fundamental: o número 15, do PMDB, tem que ser não apenas dos candidatos aos governos estaduais, mas principalmente do candidato a presidente. Por isso temos que ter um nome forte. Nossos candidatos nos Estados precisam disso para não sair em desvantagem.
O presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), lançou um pacote ético para os parlamentares, que inclui um Código de Ética. Isso representa uma mudança em relação à sua gestão na presidência da Casa?
Não. Na verdade, considero as decisões do Aécio, que está fazendo uma belíssima gestão, uma sequência de um processo que iniciei. Ele tem muita habilidade nas negociações e está conseguindo muito sucesso. Esse pacote ético é um exemplo. Tentei várias vezes apresentar projeto semelhante e esbarrei na resistência de muitos líderes. Achei melhor não levar o projeto a plenário porque, se ele fosse rejeitado, a imagem da Câmara ficaria muito comprometida. O Aécio está encontrando as mesmas dificuldades, mas tem mostrado habilidade nas negociações
A questão da verba de representação de R$ 7,5 mil para os deputados, criada por Aécio e que estava sendo usada por alguns parlamentares para fazer leasing de carros por conta da Câmara, é um exemplo dessas dificuldades?
Sempre que se fala no salário de R$ 8 mil dos deputados e se diz que é insuficiente para cobrir as despesas da atuação parlamentar, toca-se em uma questão delicada que agride, por exemplo, quem ganha salário mínimo. No meu tempo também houve muitos pedidos para que se criasse uma verba a ser gasta pelos deputados em seus Estados. Preocupei-me com o que poderia acontecer. Sei que o Aécio também pensou assim, mas resolveu arriscar e conceder o benefício. Tenho certeza que ele vai apurar todas as irregularidades e, com isso, evitar qualquer mau uso dessa verba.
Dentro do tema ética, como vê o caso Jader Barbalho. Ele é um problema para o partido?
O partido não vai abandonar o Jader, como fez no caso do deputado Ibsen Pinheiro, que foi cassado e depois absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a defesa de Jader para problemas pessoais também é pessoal. Cabe apenas a ele se defender, apresentar provas e contraprovas. Mas não se trata de uma questão partidária, não cabe ao partido defendê-lo de acusações de irregularidades. Isso é bem claro e Jader sabe disso
Uma das linhas de defesa de Jader é que se trataria de fatos antigos, ocorridos antes de ele ser senador. Como o sr. analisa essa extensão da imunidade parlamentar para crimes cometidos antes do mandato?
Acho fundamental que se acabe com isso. Já está tramitando no Congresso um projeto que determina um prazo de 120 dias para que a Câmara e o Senado apreciem pedidos de processo contra parlamentares. Terminado esse prazo sem decisão, a licença para processo será automática. É fundamental que esse projeto seja aprovado, estabelecendo novos padrões éticos
Seria o fim da imunidade transformada em impunidade?
T
Historicamente, a imunidade deveria se restringir à questão de opiniões, palavras e votos, fruto do exercício do mandato. Ela dá independência ao Legislativo. Crime comum não tem nada a ver com isso. Especialmente os cometidos antes do mandato.
Sua posição é contrária à usada por Jader em sua tentativa de defesa.
A questão que ele levanta é relacionada à falta de decoro parlamentar. O argumento dele é: se eu não era parlamentar quando eventualmente posso ter cometido uma falha, como posso ser processado por falta de decoro parlamentar? Realmente as acusações se referem a crimes comuns
Mas, como a imunidade ainda se estende aos crimes comuns, a saída, como nos casos de Luiz Estevão, ACM e Arruda no Senado e de Hildebrando Paschoal na Câmara, seria enquadrá-lo em quebra de decoro.
Para mim, a Constituição já estabelece essa separação entre crimes cometidos antes de alguém ter um mandato e os que venham a ser cometidos durante o mandato. A aprovação do projeto que estabelece prazo para apreciar pedidos de licença para processar congressistas vai acabar com todas as dúvidas
Em sua gestão na Câmara, três deputados foram cassados. No Senado, um senador foi cassado, dois renunciaram para não ter o mesmo destino e um terceiro está sendo investigado. Isso é positivo para a instituição parlamentar?
Sim. Em todo o mundo, o Legislativo está sob fiscalização e crítica muito maiores do que o Executivo. Vi um comentarista político de tevê nos EUA dizer que tinha uma boa notícia e uma má para dar. A boa é que o Congresso entraria de férias no dia seguinte. E a má é que as férias acabariam em 30 dias. Essa transparência é que valoriza nosso trabalho