Os Emirados Árabes Unidos são um minúsculo país da desértica península arábica, com apenas 2,3 milhões de habitantes e nadando nas benesses produzidas pelo petróleo. Pode ser considerado um oásis numa região belicosa onde estão o Irã, o Iraque e o Paquistão. Em 30 anos de vida independente, essa federação de emirados teve algumas pendengas fronteiriças com o Irã, mas jamais esteve envolvida nos conflitos bélicos regionais. Mesmo assim, o governo de Abu Dhabi está comprando dos EUA nada menos que 80 moderníssimos caças F-16, a um custo total de US$ 7,4 bilhões. Curiosamente, esses aviões terão melhor alcance, radares e precisão de alvo do que aqueles usados pela poderosa Força Aérea americana. Pode-se alegar que essa vultosa compra é uma necessidade de dissuasão para um pequeno país situado numa área conflagrada. Talvez. Mas o que pensar de outro pequeno país que não tem nenhuma ameaça militar de inimigos no horizonte – o nosso vizinho Chile – e também está em vias de comprar dez caças F-16 com sofisticados mísseis e sistemas de navegação? E a Turquia? Integrante da Otan (a aliança militar ocidental) junto com seu maior inimigo, a Grécia, ela vem usando o armamento comprado dos EUA – principalmente helicópteros – para reprimir a minoria curda. Agora, a Turquia foi premiada com a aquisição de 145 helicópteros de ataque Cobra, de fabricação americana, a um custo de US$ 4,5 bilhões.

Mercados emergentes – O fato é que as vendas de armas no mercado internacional vêm crescendo muito depois do fim da guerra fria, ao contrário do que se previa. Para fazer frente à vertiginosa queda da demanda dos países industrializados, os fabricantes de armas aumentaram sua clientela entre os chamados países em desenvolvimento – ou seriam emergentes? –, cujo establishment militar e político sempre foi ávido por adquirir custoso aparato bélico, incluindo caças, tanques, mísseis, navios e até porta-aviões. Lembre-se o caso do Iraque de Saddam Hussein, armado até os dentes por países ocidentais antes de se tornar o vilão na Guerra do Golfo (1991). Segundo um estudo denominado Transferência de armas convencionais para países em desenvolvimento, 1993-2000, assinado por Richard F. Grimmett, cerca de 70% das armas produzidas pelos EUA são vendidas aos tais países, antigamente chamados “subdesenvolvidos”. O documento, publicado pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, da Biblioteca do Congresso dos EUA, relata que o total dos contratos para esses países atingiu US$ 25,4 bilhões só no ano passado. Ao todo, as vendas de armas no mercado internacional cresceram 8% em relação a 1999, alcançando o valor de US$ 36,9 bilhões, metade dos quais – US$ 18,6 bilhões – ficou com a indústria bélica americana. Em segundo lugar, bem atrás, vem a Rússia, com US$ 7,7 bilhões, seguida pela França, com US$ 4,1 bilhões, Alemanha, com US$ 1,1 bilhão, e o Reino Unido, com US$ 600 milhões. A China, que chegou a vender US$ 2,7 bilhões em 1999, caiu para meros US$ 400 milhões em 2000.

Um estudo feito por Tamar Gabelnick e Anna Rich, da Federation of American Scientists, mostra que desde a administração Bill Clinton (1993-2000) os EUA vêm abolindo as barreiras impostas à exportação de armas criadas na guerra fria em nome da segurança nacional e da estabilidade internacional. “Na economia global de hoje, o governo americano, em particular o Pentágono, se tornou um advogado das empresas exportadoras de armas”, diz o relatório, que conclui: “Essa pressa em globalizar a produção bélica e as vendas ignora as graves consequências estratégicas e humanitárias da proliferação mundial de armas. Assim, a busca do lucro na indústria militar resultou em decisões que contrastavam com os objetivos da política externa de preservar a estabilidade e promover os direitos humanos e a democracia.” Exemplos não faltam. Além da citada Turquia, basta lembrar os casos de Israel e da Indonésia, que usam ou usaram equipamento militar sofisticado adquirido no mercado americano para atacar civis. Como se não bastasse, o relatório também assinala que muitos países aliados dos EUA, como o Canadá, repassaram tecnologia militar ao Irã e à China, à revelia de Washington.

Código de conduta – O pior é que são poucas as iniciativas diante do poderoso lobby da morte. Uma das mais importantes foi formada por um grupo de prêmios Nobel da Paz e vem lutando pela criação de um código de conduta que coíba exportações de armas para regiões instáveis ou para países que notoriamente violam direitos humanos. “Os gastos militares são a mais significativa perversão das prioridades globais”, diz o ex-presidente da Costa Rica Oscar Árias, líder do grupo que é integrado também pelo bispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, pela guatemalteca Rigoberta Menchú, pelo líder do Timor Leste José Ramos-Horta, pelo Dalai Lama e pela Anistia Internacional. Segundo Árias, se apenas 5% dos cerca de US$ 800 bilhões que ele calcula serem gastos anualmente em despesas militares fossem aplicados na próxima década em programas contra a pobreza, quase toda a população mundial teria acesso a serviços básicos. Enquanto isso, o projeto Guerra nas Estrelas – o sistema de defesa antimísseis americano que é a menina dos olhos do presidente George W. Bush – já consumiu US$ 140 bilhões desde 1983 e ainda não saiu do papel. E, se sair, ninguém garante que será eficiente. Mas certamente ajudará a encher as burras dos grandes fabricantes. Afinal, de acordo com cálculos conservadores, a versão atual não teria saído por menos de US$ 60 bilhões.