A britânica Diane Pretty, 42 anos, vive a cruel agonia de uma doença letal, que a está levando lenta e dolorosamente para a morte. Ela sofre há três anos de disfunção neuro-motora, uma moléstia degenerativa incurável, mas a paciente tem pela frente pelo menos dois longos anos antes do último suspiro. Diane sente dores devastadoras, passa os dias sentada em uma cadeira de rodas, fala com extrema dificuldade e usa um computador para se comunicar. A ex-cozinheira adorava elaborar pratos diferentes, mas hoje alimenta-se através de um tubo. Ela precisa de ajuda constante por causa de seu estado, tão deplorável que não lhe permite fazer mais nada. A não ser pensar. E as poucas palavras que Diane conseguiu escrever expressam seu desesperado desejo de morrer. “Basta! Eu não quero agonizar até a morte. Não quero morrer sufocada.” Mas ela não tem forças sequer para cometer suicídio, como deseja. Por isso, o marido, Brian Pretty, e seus filhos, Clara, 24 anos, e Brian, 21, que vivem em Luton, norte de Londres, querem atender ao desejo de Diane de pôr fim ao tormento. Segundo Brian, ela sabe que, quando seus pulmões pararem de funcionar, poderá morrer asfixiada. Na segunda-feira 20, ele entrou com pedido de ação na Suprema Corte britânica para que possa praticar a eutanásia em sua mulher sem ser punido. O drama da ex-cozinheira reacendeu no Reino Unido a polêmica discussão sobre o direito de os pacientes terminais terem uma morte digna.

A eutanásia, traduzida do grego como boa morte (“eu”, boa, e “thânatos”, morte), é proibida no Reino Unido e, de acordo com a Lei de Suicídio, de 1961, o marido de Diane pode ser acusado de homicídio, caso ajude a esposa a morrer. Essa lei prevê penas pesadas para os que colaboram com suicídios. O médico que ajudar um paciente em estado terminal a morrer pode ser condenado a até 14 anos de prisão. Brian chegou a escrever um dramático apelo ao primeiro-ministro britânico, Tony Blair, pedindo imunidade criminal. “Quero que ela morra com dignidade, mas não posso ajudá-la, porque seria um crime. Diane acredita que é a única pessoa que tem condições de saber quando o momento de morrer vai chegar e, por isso, quer ter a chance de optar pela eutanásia voluntária”, diz a carta.

“Máquina do suicídio” – Escolher a hora da morte é tão polêmico quanto interromper a vida em seu início. Tanto a eutanásia como o aborto esbarram em questões éticas, morais, psicológicas, financeiras e até teológicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o médico patologista Jack Kervokian, que ficaria conhecido como o “doutor morte”, se tornou o mais ativo defensor prático da eutanásia. Em 25 anos, ele ajudou cerca de 130 pacientes terminais a morrer com uma engenhoca que criou, a chamada “máquina do suicídio”, através da qual injetava substâncias letais que permitiam uma morte tranquila aos pacientes. Em 1999, um tribunal de Detroit (Michigan) condenou Kervokian a 25 anos de prisão por ele ter aplicado uma injeção letal num paciente agonizante.

A eutanásia é legalizada somente na Holanda e, ainda assim, com severas restrições. Na Austrália, a prática havia sido aprovada em 1996, mas depois a lei foi revogada. Na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, a interrupção da vida acaba acontecendo de maneira sigilosa quando os médicos não vêem alternativa. Uma premissa básica da medicina é que doutores são os que curam, os zeladores da vida. “Nós, médicos, entendemos que todo o aprendizado técnico e científico deve ser colocado à disposição da vida. O direito à vida é algo que não cabe nem aos médicos nem aos pacientes decidir”, disse a ISTOÉ o presidente da Associação Médica Brasileira, dr. Eleuses Paiva.

Mas, assim como os familiares, os médicos sabem que, em algumas situações, não há mais nada a fazer senão apressar a hora da morte. “Existe um segmento de médicos que discute se devem ser usados métodos artificiais para a manutenção da vida. Por exemplo, entubar ou não um paciente que já está desenganado. A classe médica no mundo inteiro, com exceção da Holanda, é contra a eutanásia”, explica o dr. Paiva. A Associação Médica Britânica (British Medical Association, BMA) também é explicitamente contrária à eutanásia, mas reconhece a complexidade do dilema, principalmente em pacientes terminais. “A BMA está ciente de que dar continuidade ou cessar com um tratamento levanta questões morais. Preocupados com a necessidade de se fazer o melhor para o paciente, os médicos têm visões diferentes sobre como isso pode ser alcançado. A maioria aceita que não existe o dever de se prolongar uma vida quando a realidade da morte é inevitável”, afirma um texto da entidade. O problema é saber o momento de interromper a parafernália tecnológica capaz de adiar a morte.

Dilemas – Os doentes com câncer ou Aids, por exemplo, sem chances de viver, poderiam recusar a continuidade do tratamento? Entre os médicos britânicos, há um consenso de que essa recusa é eticamente aceitável. Outra questão importante é saber se o paciente está em condições de tomar essa decisão e, se não está, alguém teria o direito de fazer isso por ele. Em uma doença como a de Diane, o paciente leva até cinco anos para morrer, em condições de permanente degenerescência. Os que são contra a eutanásia argumentam que a tecnologia avança a galope no sentido de amenizar as dores dos pacientes terminais. À beira da morte, o alívio para o sofrimento é colocado como uma justificativa desfavorável à eutanásia. O médico inglês Richard Hillier, presidente da Associação para Tratamentos Paliativos, afirma que nos últimos 30 anos houve um grande avanço nessa área. E há também os que entram em estado de coma reversível. Como o que aconteceu com o inglês Andrew Devine, que voltou a ter uma vida normal em 1997, depois de oito anos de vida vegetativa.

Os ativistas em defesa da vida atestam que a eutanásia seria um caminho sem volta para quem, num momento de desespero, quisesse suicidar-se. Ocorre que, em estado de agonia, muitas vezes um paciente pode desejar a morte e, mais tarde, vir a se arrepender. “A legalização do suicídio assistido, na prática, suspenderia a proteção que a lei dá aos que sofrem de doenças terminais. Essas pessoas poderiam enfrentar todos os tipos de pressão para que colocassem um fim à própria vida”, afirmou a ISTOÉ Richard Lamerton, porta-voz da Alert, organização britânica que luta pelo direito à vida. As pressões a que Lamerton se refere podem ser desde um parente querer dar fim ao doente até o risco de pacientes serem vítimas de máfias de doação de órgãos. A Igreja Anglicana também bate na tecla dos doentes indesejáveis. “Uma lei que permitisse o suicídio assistido colocaria em perigo muitos doentes que são rejeitados por seus próprios familiares”, disse a ISTOÉ o bispo David Atkinson.

Já John Wadman, diretor da ONG britânica Liberty, argumenta que Diane Pretty “vai morrer de qualquer jeito”, e então a questão é ter o direito de escolher como irá morrer. Tamora Langley, da Sociedade da Eutanásia Voluntária (VES), que auxilia a família Pretty, disse a ISTOÉ que a lei que proíbe o suicídio está condenando Diane a morrer de forma insana. “Ela está consciente de sua decisão. O único problema é que não consegue acabar com a própria vida sozinha”, diz. A VES auxilia as pessoas a registrar em testamento o desejo de morrer em condições dignas. Apesar de não estar explícito o termo eutanásia, esse tipo de testamento está sendo cada vez mais propagado por organizações que apóiam o suicídio assistido.

Consenso? – Uma pesquisa do Royal Free Hospital, realizada em Londres em 1998, revela que quatro entre dez psiquiatras britânicos são favoráveis a legalizar maneiras que auxiliem pacientes terminais a cometer suicídio. Cerca de 86% deles afirmaram que, nesses casos, o suicídio é um ato racional. Mas os psiquiatras acreditam que todas as formas de salvar a vida devem ser tentadas antes que se tome qualquer decisão definitiva. O professor Simon Wesley, do Instituto de Psiquiatria britânico, alerta para o fato de que os que estão à beira da morte normalmente estão em depressão e, portanto, predispostos a pôr fim à vida. “A eutanásia é frequentemente justificável, mas nunca deveria ser legalizada”, pondera Wesley