Quando o assunto é desemprego, as estatísticas oficiais lembram bem a história do marido traído – em geral, são as últimas a saber do tamanho da encrenca. O índice do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no início da semana passada, é um exemplo disso. Mostrou que a taxa de desemprego aberto recuou de 6,4%, registrados em junho, para 6,2%, em julho. A alta dos juros e do dólar, o racionamento de energia elétrica e a instabilidade gerada pela crise argentina, entretanto, não passaram em branco. As empresas, sentindo que o apetite do consumidor já não era o mesmo, tiraram o pé do acelerador ou – em setores como o de telecomunicações, eletroeletrônico e têxtil – pisaram fundo no freio. O resultado é que praticamente todos os dias o noticiário econômico registra corte de horas extras (na prática, acompanhada da queda do rendimento dos funcionários dispostos a complementar seus salários), início de férias coletivas e, com frequencia cada vez maior, demissões. Em um dia a fabricante de tecidos Vicunha dispensa 400 funcionários em sua unidade do Nordeste, no outro a Direct TV, de São Paulo, anuncia que irá cortar 10% de seus funcionários. Sentindo que o mar não está para peixe, muitos desempregados não têm ânimo nem mesmo para sair de casa à procura de trabalho – e esse comportamento, conforme o próprio IBGE reconhece, ajuda a explicar por que o índice que mede o chamado desemprego aberto recuou um pouco em julho. Como não procuram emprego, não entram nas estatísticas.

A indústria foi o setor que primeiro sentiu o tranco. No mês de julho, demitiu mais do que contratou – um saldo de 2,2 mil postos fechados. Levando-se em conta os demais setores, o saldo foi positivo, é verdade, como tradicionalmente ocorre nessa época do ano, mas bem inferior ao de julho de 2000. Na ponta do lápis, 32,5% menor. Outro indicador relevante é aquele que mostra a quantas andam as negociações salariais entre patrões e sindicatos. À medida que a crise se agrava, diminui o poder de barganha dos trabalhadores. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), nos dois primeiros meses do ano todas as categorias conseguiram pelo menos incorporar aos salários a inflação acumulada desde a negociação anterior. Em abril, 20% das categorias fracassaram. E, em junho, o último dado disponível, os trabalhadores se deram mal em 56% das negociações. “Em matéria de mercado de trabalho, não há um dia D, o desaquecimento sempre provoca um efeito diluído. É uma bola de neve que vai crescendo”, diz o economista Sérgio Mendonça, diretor do Dieese.

Especialista em indústria automobilística, o sociólogo Glauco Arbix, da Universidade de São Paulo (USP), considera a brusca mudança de rota mais relevante que a contração do mercado. “Mais importante é a quebra de expectativa. As montadoras, por exemplo, mantiveram investimentos, deixaram de cortar gorduras, apostando nos sinais dados pelo governo no fim de 2000”, analisa Arbix. Àquela altura, a economia crescia a uma taxa anualizada de 4,5%, gerava empregos, e o governo dizia que faria de tudo para manter o ritmo. Já em março, quando houve a primeira alta dos juros, o sinal foi trocado – e o País deverá crescer no máximo 1,6% em 2001. Uma ducha de água fria daquelas.

Reversão de expectativa

O técnico de futebol Raul Pratalli, 48 anos, do obscuro Internacional de Bebedouro, no interior de São Paulo, está sentindo no bolso as consequências da primeira queda trimestral do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida desde 1998, quando o País foi atingido pela moratória russa. Para se manter empregado, Pratalli aceitou um cargo num time da quarta divisão e um salário de aproximadamente R$ 4 mil, menos do que ganhava do Matonense, famoso por ter derrotado o Corinthians por 3 a 2 em fevereiro. O que Pratalli chama de má fase, o ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, chama de desaceleração, os analistas de arrocho, os ministros da FHC de surpresa e os bancos, de inadimplência. Nem os camelôs e ambulantes escapam: suas vendas também caíram, assim como as vendas do Pão de Açúcar, a maior rede de supermercados do País, que baixaram 6,7% em julho, em comparação com o mesmo período de 2000. Até abril, as taxas de crescimento eram de dois dígitos.

Os reflexos da freada da economia no segundo trimestre do ano brotam de todas as fontes. O desempenho da economia no segundo semestre de 2001 já está comprometido, segundo o presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, reeleito, na quarta-feira 22, para um novo mandato de três anos. Ele afirma que o país vive uma das maiores reversões de expectativas dos últimos anos.

De acordo com o Simesp, sindicato que reúne 300 instituições de ensino em São Paulo, o índice de inadimplência nas universidades passou de 19,5% no ano passado para 22% neste ano. Também aumentou no mês passado a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, revelou relatório do Banco Central, segundo o qual os atrasos acima de 90 dias aumentaram de 3,6% do total da carteira para 3,9%. No caso das empresas, a elevação foi de 2,6% para 2,8%; no de pessoas físicas, os atrasos de mais de três meses passaram de 4,3% para 4,6% das operações de crédito.

Ao mesmo tempo que o banco suíço UBS Warburg anunciou sua revisão na taxa de crescimento do PIB do País, de 2,4% para 1,6%, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) constatou que, em julho, as vendas de produtos de imagem e som e de eletroportáteis permanecem 31,78% abaixo das vendas de julho do ano passado. Nem a televisão é poupada: em relação a junho, as vendas em julho caíram 27,79% (em comparação com o mesmo período do ano passado, a queda foi de 42,41%). “Este ano o setor deve crescer no máximo 2%”, disse o presidente da Eletros, Paulo Saab. Também a poderosa corretora Merry Lynch refez os cálculos de projeção do PIB para 1,1% no terceiro trimestre, um ponto porcentual abaixo da previsão anterior.

Ao que tudo indica, o arrocho mesmo está por vir, ainda que o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, diga que o PIB é só um dado para a composição da política monetária. Tamanho otimismo não impediu que um pool formado por grandes agências de publicidade e veículos resolvesse se precaver. Juntos, vão investir R$ 150 milhões para reverter a queda de 6% nas verbas da mídia no primeiro semestre deste ano. O slogan: “Não existem grandes empresas sem grandes marcas. Anuncie.” Pode não melhorar a vida do técnico do Inter de Bebedouro, mas a agressiva campanha publicitária pretende levantar o astral – e o investimento – no setor