Na luta mundial contra a Aids, o Brasil é um dos destaques. O tratamento gratuito do programa nacional de combate à doença foi elogiado durante reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas, em junho, em Nova York. Agora, esse trabalho volta a chamar a atenção. Na quarta-feira 22, o ministro da Saúde, José Serra, quebrou a patente do nelfinavir – droga que integra o famoso coquetel da Aids –, com base na Lei de Propriedade Intelectual (leia ao lado). Após meses de discussões, não houve acordo entre o Ministério e o fabricante, o laboratório Roche, que propôs redução de cerca de 35% no preço. Esperava-se algo perto de 50%.

É a primeira vez que o governo adota esse recurso. Dos 16 itens usados hoje no tratamento, sete já são produzidos no Brasil – pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos), no Rio – sob a forma de medicamento genérico (de eficácia comprovadamente semelhante à da droga de referência). Como foram registrados antes da atual legislação de patentes, em vigor desde 1997, poderiam ser fabricados sem necessidade de liberação. Para produzir o remédio, o governo inicia um processo de licenciamento compulsório.

O Ministério assegura que a fabricação do nelfinavir pode começar logo. Desde o início do ano, dois remédios de nova geração estavam nos planos de quebra: o nelfinavir e o efavirenz, do laboratório Merck Sharp & Dohme (que reduziu o preço do produto em 59%). O Far-Manguinhos já tem a tecnologia adequada para produzir a droga. “Mas precisamos fazer testes para garantir a qualidade do medicamento. Queremos distribuí-lo como genérico”, afirma Eloan Pinheiro, diretora do laboratório. Nesta semana, o instituto encaminhará três lotes de comprimidos para um exame (bioequivalência) que dirá, em aproximadamente quatro meses, se o produto tem o mesmo efeito da droga da Roche. Serra pretende disponibilizar o remédio em fevereiro. A idéia é reduzir os custos com o remédio em 40%. O governo compra anualmente 82 milhões de comprimidos de nelfinavir para atender cerca de 25 mil pessoas. Isso equivale a US$ 88 milhões anuais ou 28% do orçamento do programa. “Os medicamentos não podem custar tão caro”, diz o infectologista Jamal Suleiman, de São Paulo.

A decisão do governo é um alento para os pacientes. Mas o fato é que ainda existe muito cabo para puxar nesta guerra. “Se a atitude não for vigorosa e séria, é demagogia”, diz o infectologista Caio Rosenthal, de São Paulo. Mário Scheffer, integrante do Conselho Nacional de Saúde, emenda: “É uma atitude corajosa. Porém, continuarão surgindo novas drogas para onerar o orçamento.” O ideal, de acordo com Scheffer, seria criar um dispositivo que permita a quebra imediata das patentes nos países em desenvolvimento.

Plano de ação
O ministro da Saúde, José Serra, usou o artigo 71 da Lei de Propriedade Intelectual, de 1997, para quebrar a patente do nelfinavir. O governo alegou emergência na saúde, uma das situações previstas pela legislação para autorizar a produção da droga por outros laboratórios. O processo terá três fases. O primeiro passo será a publicação de uma portaria declarando de interesse público a licença para exploração da patente do medicamento. Outra portaria dará o direito exclusivo de produção à Far-Manguinhos, ligada ao Ministério da Saúde. A última fase é o registro dessas alterações no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Antes disso, a fabricação não começa. Nesta semana, executivos da Roche terão novo encontro, marcado em caráter de urgência, com o ministro. Se fizerem uma proposta apetitosa, há chance de o governo voltar atrás.