Como se não bastasse o batalhão de advogados que Paulo Salim Maluf mantém para cuidar dos 35 processos a que responde no Brasil, o ex-prefeito de São Paulo teve que recorrer a um sofisticado escritório suíço de atuação internacional. É que, desta vez, pode-se dizer que o pepebista está encurralado. Pela primeira vez em décadas de carreira política, recheada de indícios de corrupção, foi decretada, na segunda-feira 20, a quebra dos seus sigilos telefônico e bancário. As contas da mulher de Maluf, Sylvia, dos quatro filhos e de uma das noras também serão devassadas. O Ministério Público, que pediu a quebra dos sigilos, quer investigar os investimentos da família – estimados em US$ 200 milhões – no Citibank da Suíça e no das Ilhas Jersey, paraíso fiscal no Canal da Mancha. Maluf e seus parentes podem ser condenados por enriquecimento ilícito, crimes de responsabilidade, corrupção, falsificação de documentos e formação de quadrilha contra a cidade de São Paulo. Os órgãos de inteligência dos dois países também passaram a apurar a vida do ex-prefeito. As autoridades têm trocado, desde o ano passado, informações com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, e com o MP de São Paulo. Os 31 advogados do escritório Schellenberg Wittmer, de Genebra, terão muito trabalho. Mas não foram contratados à toa. No site que mantêm na internet, dizem que são especializados e “têm sucesso em casos de complexas fraudes internacionais, trustes e crimes do colarinho branco”.

Condenação – Mas a ficha corrida do ex-prefeito é bastante extensa. O pepebista também é acusado de improbidade administrativa em três ações estaduais, responde por emissão fraudulenta de precatórios na Justiça Federal e é alvo da CPI da Dívida Pública na Câmara paulistana. No labirinto de investigações em que Paulo Maluf está perdido, o caso Jersey é o mais perigoso. O promotor da cidadania Sílvio Antônio Marques afirma que, “se for condenado em todos os processos civis por improbidade e sobre este caso, Maluf terá de devolver mais de US$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. E pode ainda pegar dez anos de prisão”. As primeiras listas contendo as ligações internacionais feitas através da Embratel chegaram às mãos do juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Alves, que decretou a quebra dos sigilos, na quinta-feira 23. Já se sabe que a família Maluf é beneficiária de uma conta do Citibank de Jersey em nome da empresa Red Ruby, uma organização financeira que atua nas Ilhas Cayman. Entre 1985 e 1997, a empresa levava o nome de Blue Diamond e possuía conta no Citibank da Suíça. Mas o país acabou com a farra da lavagem de dinheiro, extinguindo a lei do truste, em 1997. Maluf teve de rebatizar a organização financeira e transferir as aplicações para a ilha do Canal da Mancha, como explica o relatório enviado pelo órgão de inteligência da Suíça ao Coaf. Exatamente na mesma época, Maluf passava a prefeitura paulistana para seu afilhado Celso Pitta.

São coincidências como essa que saltam aos olhos dos promotores. Agora eles têm a missão de relacionar o montante aplicado no Exterior com o superfaturamento das obras públicas realizadas por Maluf em sua última gestão na prefeitura (1993-1996), como o túnel Ayrton Senna. Entra ano, sai ano, e as irregularidades na construção da obra, inaugurada em 1995, voltam a bater à porta do pepebista. No ano passado, um laudo realizado a pedido do Ministério Público constatou um superfaturamento de R$ 105 milhões. O túnel mais caro da cidade foi orçado em R$ 200 milhões, mas custou R$ 700 milhões. O processo ainda está em andamento e já tem quase 90 mil páginas. A obra também ajudou, e muito, a aumentar a dívida pública da cidade. A CPI da Câmara paulistana está traçando a origem, a formação e os responsáveis pela dívida, que na gestão Maluf aumentou em 114%. Na segunda-feira 20, o ex-prefeito prestou depoimento à comissão. Soltou pérolas como “minhas empresas exportam para mais de 50 países e têm liberdade para movimentar dinheiro no Exterior para pagar funcionários” e “vou mostrar novamente que minha administração foi a melhor, a mais competente e a mais correta”.

A vereadora Anna Martins (PCdoB), presidente da CPI, perguntou inúmeras vezes se Maluf era beneficiário da conta em Jersey. Escorregadio como sempre, ele repetiu exaustivamente a frase “não sou proprietário ou titular de nenhum valor em nenhuma conta em nenhum banco daquela ilha, ou em qualquer paraíso fiscal do planeta”. Desta vez, Maluf não estava mentindo. Segundo o promotor Sílvio Marques, “ele não é mesmo titular das contas em Jersey. Possivelmente ele e seus familiares são os beneficiários e o titular é a Red Ruby”. Com seu comovente cinismo, o ex-prefeito soltou uma nota em que garante: “Se o dinheiro de Jersey fosse meu, eu doaria à Santa Casa, como faço com todas as indenizações que ganho na Justiça.”

Escorregão – Maluf só compareceu à Câmara depois de ter sido convocado três vezes. A justificativa para não depor foi a viagem de um mês que fez com a mulher para França e Itália. Anna Martins questionou por que, durante a viagem, Maluf contratou os serviços do escritório em Genebra. Mais uma vez, o ex-prefeito escorregou e não respondeu. “A CPI quer apurar tudo o que ele já roubou de São Paulo. Mas Maluf deixou de ser um problema da cidade. É um problema do Brasil e de relações internacionais”, diz a vereadora, que deu a largada na comissão em fevereiro e deve concluí-la no final de setembro.

Na esfera federal, corre um processo criminal por falsidade ideológica, no qual o pepebista tem como cúmplices Celso Pitta, então secretário de Finanças da prefeitura, e Wagner Batista Ramos, ex-coordenador da dívida municipal. A juíza Adriana Soveral marcou o depoimento de Maluf para 11 de outubro. O motivo é a emissão irregular de Letras Financeiras do Tesouro Municipal (LFTM) entre 1994 e 1996. Maluf obteve no Senado, em 1993, autorização para emitir os títulos para pagar os precatórios que a prefeitura devia desde 1988. Mas dos R$ 1,539 bilhão, em valores de 1994, usou somente R$ 309 milhões para saldar o que devia. O restante, negociou no mercado financeiro. As LFTM voltaram, com deságio, mas em dinheiro, para o caixa municipal. Estes valores navegaram na receita da prefeitura e o Executivo investiu grande parte do montante em obras públicas, principalmente em 1996, quando Pitta já estava em campanha.

Até o pescoço – O esquema para o caixa dois funcionaria da seguinte maneira: superfaturando as obras, o excedente recebido pelas empreiteiras seria aplicado num esquema financeiro internacional, que teria como beneficiário o próprio Maluf. A quantia desviada pode ser parte dos recursos aplicados em Jersey. No Ministério Público, há quem acredite que o “cerco está se fechando contra Maluf”. Ainda esta semana, o órgão vai pedir para ampliar a quebra de sigilo bancário. Depois de saber que a conta do Citibank na Suíça foi aberta em 1985, o MP decidiu analisar a movimentação bancária desde então, e não a partir de 1993, como foi decretado.

Mesmo enrolado até o pescoço com a Justiça, Maluf tenta reverter a situação com argumentos políticos: “Só posso atribuir essas inverdades à divulgação de pesquisas em que estou em primeiro lugar na corrida para as eleições de 2002.” E por falar em política, alguns já arriscam palpites sobre seu desempenho eleitoral no ano que vem. O presidente nacional do PT, deputado José Dirceu, analisa: “O político Paulo Maluf está morto, apesar de seus eleitores mais fiéis não se importarem muito com a corrupção.”

O OURO DE BERNA “O intermediário financeiro nos informou que em julho de 1985 o Citibank abriu contas para uma companhia chamada Blue Diamond Limited, Ilhas Cayman, mais tarde renomeada para Red Ruby Ltd. O proprietário da companhia é um certo Paolo Maluf, governador do Estado de São Paolo e prefeito de São Paolo, Brasil.
Em 9 de janeiro de 1997, todas as contas do Citibank Suíça foram fechadas e todos os fundos foram transferidos para o Citibank N. A. Jersey”