Quando se fala em irradiação de alimentos há quem pense em mais uma fonte de contaminação, como se não bastassem os agrotóxicos. O processo, no entanto, foi adotado na alimentação dos astronautas e nos hospitais americanos que tratam de soropositivos. Tudo pela garantia de ter verduras, frutas, carnes e grãos livres de bactérias, fungos ou vírus. Esse aparente paradoxo é uma realidade em Manaus, onde começou a funcionar, no ano passado, o primeiro centro de irradiação do País. Em dezembro será a vez de a Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Ceasa) disponibilizar três irradiadores para tratar 300 mil toneladas de alimentos ao ano, um investimento de US$ 35 milhões. Há ainda projetos para instalar o sistema em São Paulo, Belo Horizonte e Belém.

O produtor contrata os serviços pagando R$ 0,10 por quilo. O banho de radiação elimina doenças e prolonga a vida útil da comida. Uma banana irradiada resiste por até três semanas e as batatas chegam a durar um ano sem apodrecer. “O tomate pode ser conservado por dois meses e ser vendido fora da safra”, diz o diretor da Ceasa, Luiz Fernando Anchite. Para o produtor, o ganho é líquido e certo. Para o consumidor, os técnicos afirmam que não há riscos.

No ser humano, a radiação pode ter efeito cancerígeno. Os raios atingem o material genético (DNA) das células, provocando mutações. “Aplicada aos alimentos, a radiação tem dez milhões de chances de acertar apenas os vírus e as bactérias contra uma única de danificar a estrutura do alimento. Tudo depende do tempo de exposição”, explica Fernando Nuno de Souza, da Tec Ion, fornecedora da tecnologia. A irradiação é usada em países desenvolvidos desde 1980. O método mais comum, adotado em Manaus, é o da radiação gama, emitida pelo mineral radioativo cobalto 60. Na Ceasa carioca será adotada a pasteurização eletrônica com o uso de raios X. “É como se os alimentos ficassem mumificados. O processo não altera o gosto nem as propriedades nutricionais”, salienta o engenheiro agrônomo gaúcho Airton Castagna.

A irradiação tem o aval da Organização Mundial de Saúde e da Agência Internacional de Energia Atômica. No Brasil, qualquer instalação é aprovada antes pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). O atual cenário de perdas agrícolas é assustador: segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um terço dos 17,7 milhões de toneladas de frutas produzidas ao ano no País apodrece antes de chegar à boca do consumidor.